Ao longo de 1995 o prazer do motociclismo como forma de viajar e de curtição tomou proporções, digamos, mais sérias. Acabei vendendo a Sahara pra investir num empreendimento e, tempos depois, me vi sofrendo uma espécie de crise de abstinência de pilotar.
Um dia o Álvaro chegou em casa entusiasmado dizendo que tinha achado a moto ideal pra mim, e que eu precisava vê-la. Pra resumir a história, dias depois havia vendido o carro que tinha, inteirado certa quantia e comprado aquela bela motocicleta (motor Ducati, desmodrômico, com uma ciclística invejável), que tanto marcou a minha vida à época e dali em diante.
A Cagiva Elefant 900 - motor muito forte, ciclística excelente e problemas congênitos de parte elétrica |
Nesse ínterim, o Álvaro também se rendeu à tentação de ter uma moto maior e mais potente, e acabou trocando sua XLX 350 numa respeitável Tènèrè 600, uma moto que, naquela época, ainda era um ícone no mundo motociclístico.
Precisávamos então colocar nossos brinquedos na estrada. Conseguimos tirar férias na mesma época e no dia 30 de dezembro partíamos para uma viagem que seria de diversas formas muito especial. Tínhamos um mês livre, um orçamento apertado e muita vontade de respirar novos ares. Bolamos então dar uma rodada pelo nordeste do Brasil.
Mas antes resolvemos passar uns dias com nossas famílias, pra curtir as festas de fim de ano e descansar um pouco. Saímos de Joinville juntos, até São Paulo, de onde o Àlvaro seguiu pra Resende e eu fui pra Brasília.
No dia 7 de janeiro zarpei da capital federal com destino a Resende, e fiz nesse dia, sozinho, uma das mais longas jornadas pilotando desde então - rodei 1260 km do nascer do sol até mais ou menos umas oito horas da noite.
No dia 9 saímos de Resende para finalmente rodar do jeito que sonháramos - sem agenda previamente definida, sem compromissos, apenas com uma direção geral a seguir.
Nos dias seguintes fomos "subindo" rumo norte, tentando evitar as grandes aglomerações de gente, parando em cidades como Rio das Ostras, Piúma, Guarapari, Conceição da Barra, Itaúnas, Barra de Caravelas e Cumuruxatiba, já na Bahia, acampando sempre que possível. Curtimos muito o astral leve e alegre do litoral nordestino em pleno verão. Fizemos um belo passeio de barco ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos, um outro passeio muito bacana a cavalo pelas praias desertas da Barra do Cay, e fomos parar em Porto Seguro no dia 19 de janeiro.
Passamos cinco dias acampados num camping local, explorando as redondezas, passeando de moto, ficando à toa na praia, conversando sobre a vida e vivendo, simplesmente, o momento especial que estávamos tendo.
No dia 25 iniciamos o retorno ao nosso mundo real, e no dia 29 estávamos de volta à nossa base em Joinville. Ao todo, rodei 8300 km nessa brincadeira.
Mas nem tudo foi festa. Já na saída de Brasília comecei a ter problemas com o acerto da tensão da corrente da Cagiva, o que resultou num lamentável problema de esticamento excessivo da corrente - problema esse que foi se agravando ao longo da viagem e chegou ao limite na última pernada, quando saímos de São Paulo pra Joinville. A corrente começou a escapar da relação e me obrigou a fazer uma pilotagem bem insegura e desconfortável, e a parar em Curitiba para um conserto emergencial, pra poder chegar em casa.
Apesar desse problema, a convivência com a Cagivona foi coroada de bons momentos e satisfação extrema ao pilotar.
Enfrentamos também muito calor, algumas pancadas de chuva torrenciais e alguns trechos de estradas de terra bem traiçoeiros, mas, no final, como sempre, só ficaram boas lembranças e uma imensa satisfação.
A amizade com o Álvaro foi também um dos pontos altos da viagem. Dividimos dúvidas, preocupações, ideais, sonhos, realidade, planos e vivemos, afinal, me parece, uma bela história.
Minha mais profunda gratidão por essa amizade e por essa época.
"Um rosto é uma revelação repentina - ou pode ser um mistério que não se resolve. Tudo depende de saber amá-lo, de saber chegar perto e ficar, sem pressa ou interesse pessoal. Um rosto humano é sempre um desafio, um segredo, uma janela do espírito - tudo aquilo que nossos olhos distraídos permitirem ver."
Álvaro - parceiro e amigo.
Minha mais profunda gratidão por essa amizade e por essa época.
"se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
que tudo era pra sempre...?
Sem saber que 'pra sempre' sempre acaba"...
A dupla |
Passando por Vila Velha, no Espírito Santo |
Uma das praias do caminho |
"Costa Dourada", na placa, foi o nome que demos à viagem |
Abrolhos - passeio de barco de um dia |
O Álvaro em uma das estradinhas em que nos metíamos |
Passeio a cavalo por praias desertas |
Dando umas voltas na região de Porto Seguro |
Iniciando o retorno: muito calor |
"Um rosto é uma revelação repentina - ou pode ser um mistério que não se resolve. Tudo depende de saber amá-lo, de saber chegar perto e ficar, sem pressa ou interesse pessoal. Um rosto humano é sempre um desafio, um segredo, uma janela do espírito - tudo aquilo que nossos olhos distraídos permitirem ver."
(Luiz Carlos Lisboa)
Álvaro - parceiro e amigo.
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