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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Subida da Serra do Rio do Rastro de bicicleta (105 km) - SC - 28 Mar 2015






Subida da Serra do Rio do Rastro de bicicleta

Em parceria com Maximilian Leisner e sua turma


Sábado, 28 de março, oito e pouco da manhã. Em um posto à beira da estrada, na saída da cidadezinha de Lauro Muller, interior de Santa Catarina, sete camaradas fazem os ajustes finais em suas bikes e equipamentos para um pedal que promete ser divertido. Estamos ali não para uma competição, não para um evento extraordinário, não por obrigação ou por dever. A proposta é simplesmente dar um passeio de bicicleta, mas um passeio subindo a temida e famosa Serra do Rio do Rastro, e além, até a cidade de Urubici, seguindo a bucólica estrada que serpenteia as intermináveis subidas e morros da região.






Somos um grupo reunido pela coordenação e incentivo do Max, um amigo de Curitiba, entusiasta do ciclismo de estrada e eterno curioso e estudioso das nuances desse esporte tão peculiar (além de um esportista nato). Além de mim e do próprio Max, há dois caras de São Paulo, dois de Bauru/SP e o outro de Salvador. Acompanham-nos ainda a esposa desse colega baiano e o motorista da Van (que, por sinal, é também o dono da simpática pousada em que nos hospedamos na noite anterior) que nos servirá de apoio durante o percurso.

Esse pedal já estava marcado há algum tempo. A Serra do Rio do Rastro é provavelmente a mais desafiante subida em asfalto em território nacional pra se fazer numa bicicleta, considerando aí a equação entre distância, inclinação e ganho de altitude. São cerca de vinte quilômetros de subida constante e ininterrupta, com inclinação crescente e um tanto assustadora, principalmente nos quilômetros finais.






Sem muita cerimônia, juntamo-nos para uma foto do grupo reunido e em seguida encaminhamo-nos para a estrada. O começo já é subindo, mas suavemente, de mansinho, como a cercar algo muito mais sério. Naturalmente vamos abrindo distância uns dos outros, permitindo que cada um encontre o seu ritmo e a sua sintonia.

No grupo, a maioria já se conhece de outras histórias ciclísticas e de interação nas redes sociais ligadas ao tema. Todos têm histórias sobre bicicletas pra contar. E, como é comum nesse meio, normalmente histórias dramáticas. Aliás, acho que o ciclismo é bacana porque tem essa tendência inescapável ao drama. Estar sobre uma bicicleta numa estrada é estar flertando com o perigo, com o equilíbrio dinâmico e instável, com os limites da resistência e da força física, com os elementos da natureza e, no fundo, no fundo, com os próprios pensamentos e medos que insistem em nos rondar sem tréguas.






Vamos subindo de forma respeitosa, e à medida que os quilômetros vão passando a paisagem vai mudando nitidamente. Os resquícios urbanos ficam pra trás e a atmosfera vai ganhando aquele ar de introspecção típico de regiões montanhosas. Compondo o ambiente, o céu está fechado, o clima está muito úmido e sombrio e há claros sinais de chuva.

Por volta do quilômetro doze o corpo já está aquecido, e eu já me encontro meio que sozinho no caminho. À minha frente, se não me engano, estão o Max e um dos caras de São Paulo. Sinto-me bem, tanto física quanto psicologicamente. A gente nunca sabe como vai reagir a uma empreitada dessas, ainda que, logicamente, não se chegue a um local como esse aleatoriamente. No último mês andei frequentando assiduamente todas as subidinhas que consegui encontrar nos arredores de Curitiba, e acumulei boas horas sobre os selins – tanto da R3, a bike de estrada que me faz companhia nessa viagem, quanto da Stumpjumper, a mountain bike para as estradinhas mais isoladas.






Os sete quilômetros finais da serra são os mais íngremes e bonitos. Infelizmente, porém, o dia não está aberto e não dá pra ver muita coisa. Uma forte neblina circula pela região e deixa tudo com um ar ainda mais misterioso e amedrontador. As montanhas em volta têm escarpas absurdamente verticais e altas. De repente, quando uma massa de neblina se afasta, abre-se um flash magnífico de uma montanha rochosa que sobe até o céu.




A estrada se contorce numa sequência de curvas de cento e oitenta graus que se sobrepõem como degraus numa escada. Do andar de cima vê-se, logo ali, o andar de baixo. Por vezes, ao lado da mureta que protege a estrada, vê-se um grande abismo a desaparecer no vazio lá embaixo.






Há trânsito na estrada, tanto de carros quanto de caminhões, mas não é intenso. Nos intervalos desse tráfego, reina um silêncio envolvente e agradável. Os caminhões e carros se aproximando (subindo ou descendo) são ouvidos muito antes de serem vistos, e, na minha imaginação amplificada pela hiper oxigenação decorrente do intenso exercício, fico pensando em feras passeando pelo “meu território”...









Nos quilômetros finais da grande serra o trabalho nos pedais é intenso e metódico. Uso a relação de marchas mais leve de que disponho (um cassete com 28 dentes atrás, especialmente colocado para a ocasião). Mesmo assim o giro é pesado e as rotações por minuto são bem poucas. De vez em quando faço uns metros pedalando de pé. É um método que me agrada, pois me permite alternar o uso de alguns músculos, além de me proporcionar mais força pra empurrar os pedais pra baixo e dar uma momentânea sensação de poder e de extravasamento de uma energia diferente.






Chego ao topo da subida envolto numa espessa neblina. Dou uma espiada no ciclômetro e vejo que foram necessários oitenta e cinco minutos pra percorrer aqueles vinte quilômetros, com apenas uma curta parada de menos de dois minutos. Numa venda à beira da estrada vejo a Cris, esposa do nosso amigo da Bahia, entusiasmada com a situação, tirando várias fotos. Logo vejo o Max e o outro cara, surgidos de dentro da neblina como se estivessem escondidos dentro de um armário. Combinamos de esperar todos chegarem nesse ponto, para só então prosseguir.






Entramos na simpática casinha de madeira que serve lanches e itens regionais e damos uma relaxada. Peço um chá quente pra tentar combater o frio que já se embrenha pelos poros da pele e ficamos ali alguns minutos, até todos chegarem.

A intenção inicial era pedalar até a cidade de Urubici, distante ainda cerca de oitenta e poucos quilômetros daquele ponto. Mas o tempo inclemente, com uma neblina que já estava se transformando em chuva fina e o frio intenso, aliado ao impacto físico da recente pirambeira que havíamos subido, deram uma castigada no ânimo da turma. Já não havia tanta certeza em prosseguir com os planos iniciais.






Mas decidimos seguir um pouco mais... (“Vai que esse tempo melhora e tudo se ajeita...”). Retornamos então à estrada e procuramos ficar um pouco mais próximos uns dos outros. Rodamos mais vinte quilômetros num sobe e desce constante em que a neblina se dissipou, mas em compensação a chuva fina se estabeleceu, e o frio, característico dessa região conhecida como a mais gelada do país, também fincou os pés.

Fizemos então um “pit stop” no acostamento, no exato ponto de entrada para a pousada onde havíamos nos hospedado, e colocamos novamente em questão se prosseguiríamos ou se decretaríamos que estava de bom tamanho. Havia opiniões divergentes. Na verdade, podíamos dividir democraticamente o grupo, aqueles que quisessem ficar, era só entrar para o aconchego da pousada, tomar um bom banho quente e ir se aquecer ao lado do fogão a lenha. Aos que quisessem seguir em frente bastava retornar à meditação ativa da rotação dos pedais.

Engraçados esses momentos... Os que se achavam muito cansados e queriam, no fundo, encerrar a brincadeira, talvez esperassem a adesão dos demais. Como essa adesão não rolou, eles preferiram aderir à parte que decidiu seguir em frente.

O próximo trecho de vinte quilômetros foi talvez o mais duro. Sucessivas subidas, bastante íngremes e razoavelmente longas, se intercalavam com descidas magníficas e paisagem ao redor absolutamente enternecedora e bucólica. Casinhas de madeira com aquela fumacinha saindo da chaminé, bosques de araucária a perder de vista, cavalos solitários “perdidos” em amplos pastos, aquela chuvinha fina convidando ao recolhimento...






Chegamos ao trevo em que a estrada se bifurca para as cidades de São Joaquim e Urubici. Dali até o nosso objetivo inicialmente proposto faltavam mais cinquenta quilômetros. A essa altura estávamos completamente molhados e só não estávamos congelados porque produzíamos muito calor de dentro pra fora. Fizemos nova rápida parada no acostamento pra reunir a turma, comer umas bananas e avaliar a situação. Novamente alguns já estavam convictos de que a brincadeira já estava de bom tamanho, e que já havíamos há muito passado para o campo da teimosia. Mas o Max fez tão boa propaganda do trecho que faltava (“é o mais bonito da região”, “daqui pra frente praticamente não tem mais subida”, etc.), e a facção que estava mais disposta parecia estar ainda mais disposta (“já que viemos até aqui...”), que montamos nas bikes e, meio sem pensar muito, prosseguimos.






A história de que nesse trecho final praticamente não havia mais subidas não era bem assim... Mais exato seria dizer que não havia tantas e tão íngremes subidas quanto nos outros trechos, mas elas estavam lá. Quanto à beleza, realmente era confortadora. Além de tudo, não havia quase ninguém na estrada, o que nos permitia viver uma situação muito próxima do sonho de todo ciclista, que é ter a estrada só para si.

Fomos pedalandinho cada vez mais determinados e fortalecidos pelos quilômetros que passavam, ao mesmo tempo em que mais debilitados e enfraquecidos pelos mesmos motivos. A falta da força muscular para girar os pedais era substituída pela energia anímica e emocional catalisada por aquela fórmula mágica de intenso esforço, condições climáticas adversas e paisagem belíssima.

Os últimos sete quilômetros eram de uma íngreme descida. A chuva que caía machucava nossos olhos (nessas condições não havia óculos que dessem conta de não embaçar e manter a visibilidade necessária). O frio era cortante. Tentávamos reduzir a velocidade com os freios, mas esses já não respondiam com a eficiência esperada. E ainda havia possíveis buracos, possíveis resíduos de óleo na pista, possíveis imprevistos que poderiam levar a completamente indesejáveis consequências.

Entramos na cidadezinha de Urubici como um grupo de astronautas deve chegar a um novo planeta... Completamente extasiados e exaustos. Três dos nossos companheiros acharam melhor não forçar demais a barra e embarcaram na Van de apoio nesse trecho final. Comemoramos a façanha na calçada, no meio da rua, no meio do nada. Abraços, um gole de isotônico, uma banana, algumas fotos, jogamos as bikes pra dentro da Van e retornamos à pousada com a alma lavada e o corpo “em pânico”.

No final foram cento e quatro quilômetros rodados e mais de dois mil e quinhentos metros de desnível acumulado, em mais de seis horas entre a saída e a chegada.

Dedicamos o restante do dia, após o merecido banho quente e um lauto almoço/ jantar caseiro na pousada, a jogar conversa fora ao lado do fogão a lenha, curtindo o barulhinho da chuva no telhado e as lembranças (físicas e emocionais) ecoando na alma... Quando pudermos, sabemos que voltaremos, e sabemos também que sempre será mais gratificante prosseguir do que mudar os planos no meio do caminho, ainda que nos custe umas dorzinhas a mais.
                                                                      
                                  (Abril de 2015)





Jantar no dia anterior. Causos ciclísticos e papo furado.




Preparando as máquinas no dia anterior.




Visual da varanda da pousada em que ficamos.




Café da manhã.




Fogãozinho a lenha da pousada, aconchego e aquecimento.




A viagem entre Curitiba e Bom Jardim da Serra (e vice-versa) foi outro passeio, com a velha e boa BMW R 1200 GS (sob chuva em muitos trechos).




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