Tiger 900 Rally Pro

Tiger 900 Rally Pro
Tiger 900 Rally Pro

domingo, 22 de novembro de 2015

Corrida de montanha "Trail dos Ambrósios 25k" (circuito TRC), Tijucas do Sul/PR - 21 Nov 15








     O dia dessa corrida amanheceu daquele jeito tipicamente curitibano: chuva fina, possivelmente frio, instável. A atitude era ir lá dar uma corrida no mato... Tijucas do Sul é uma cidadezinha a cerca de 60 km de Curitiba. Saí de casa às cinco e meia da manhã, ao som suave do U2 e da chuva no pára brisa do Troller.




     A largada, prevista para as oito horas, atrasou meia hora, em função de ajustes na marcação do percurso que a organização precisou fazer. A corrida se desenvolveu bem, desde o início com subidas íngremes e longas, exigindo bastante das pernas e dos pulmões (e da cabeça...).




     Depois de atingido o ponto mais alto, após uma longa e quase assustadora subida pela encosta de um enorme morro, enfrentamos uma descida que me pareceu mais desgastante do que todas as subidas anteriores. Sentia nitidamente meus quadríceps gritando e ardendo como se estivessem queimando.


   

  A certa altura, já no último quarto da prova, comecei a ter "insights" filosóficos (risos)... Pensei que a vida era mais ou menos como aquela corrida, que era preciso seguir em frente quase ignorando a realidade... E me diverti com a ideia de manter o controle emocional e uma certa indiferença à dor, ao desconforto, ao cansaço geral...




     No final das contas, os 25 km previstos viraram 27, cumpridos em 3 horas e 04 minutos, à árduo média de 7 min e 33 seg por km, com 1856 m de ganho de altitude. E apesar de tudo ainda fui o 9º a chegar (dentre 70 competidores nessa distância), e o 1º (de 24) na categoria 40-49 anos. 

     Mas me lembrei intensa e dolorosamente dessa brincadeira pelos cinco dias seguintes, curtindo uma bela dor nas pernas. Mas é lógico que a dor passa, e as boas lembranças ficam. Aloha!























































Na verdade não é sobre correr... É anímico.





Remada em caiaque oceânico de São Francisco do Sul a Florianópolis - 20 a 25 Out 15






Flertando com o horizonte

160 km de caiaque oceânico entre São Francisco do Sul e Florianópolis, 
em seis dias
(mais um capítulo da série: “um dia ainda vou fazer algo assim...”)



Sentimentos

            Extasiar-se com a natureza é uma sensação inebriante (e rara). O problema, no caso específico dessa viagem, é que a faixa desse êxtase era muito estreita, e a fronteira com a zona seguinte muito tênue e oscilante. E essa faixa seguinte poderia ser chamada simplesmente de medo (que também parecia ser uma faixa incerta de fronteira igualmente pouco definida com a próxima, aquela em que as coisas saem de controle e viram caos).
Junte-se a isso a sensação igualmente fascinante de estar numa situação de alta demanda de esforço físico e uma boa dose de equilíbrio e jeito e tem-se a moldura dos sentimentos que embalaram esses dias ao balanço do mar, no litoral catarinense, a bordo dos nossos queridos e pequenos barcos.






Concepção

            Essa viagem nasceu de um convite do Alexandre Manzan, amigo de Brasília com quem já fiz outras expedições, há já algum tempo. A ideia estava “na gaveta” até meados de setembro, quando ele me enviou uma mensagem confirmando a vinda para o mês seguinte, e reforçando o convite.
            Apesar da nossa grande vontade de implementar a ideia, o fato é que havia muitas variáveis no caminho. A principal delas dizia respeito à questão de que o Manzan estava sem caiaque oceânico, e estava negociando a compra de um com um argentino que ele havia conhecido um tempo atrás, e que havia se prontificado a trazer o barco de Buenos Aires até a região de Santa Catarina.
            Esse argentino, que viria a conhecer, chama-se Gustavo Damien. Ele fabrica caiaques – da marca M.G. - e acessórios náuticos na capital portenha há cerca de quinze anos. Aproveitando a oportunidade, o Manzan combinou a compra de dois caiaques, sendo o outro para o seu irmão. E, por sua vez, aproveitando essas circunstâncias, o argentino propôs nos acompanhar na remada, utilizando esse segundo caiaque... Baita quebra-cabeça que foi se encaixando.
            Restava encontrar o tal argentino no local e dia combinados, em Bombinhas, pequena e famosa cidade do litoral catarinense.





A ideia

            O planejamento da viagem foi do Manzan. A ideia inicial era partir do centro de Joinville e em seis pernadas alcançar uma das praias da capital catarinense. Pretendíamos remar em torno de 30 a 35 km por dia e pernoitar em pousadas ou hotéis, já que esse trecho do litoral tem várias pequenas cidades, que oferecem variadas opções de hospedagem.
            Ao longo das nossas conversas, achamos melhor mudar o local da partida para a cidade portuária de São Francisco do Sul, ao lado da Baía da Babitonga, a 60 km de Joinville, devido a dúvidas quanto à navegabilidade do rio e influências da maré nesse curso d’água.






Preâmbulo

            Assim, o Manzan veio de Brasília pra Curitiba de carro, e daqui partimos no meu, levando o meu caiaque, no dia 19 de Outubro, em direção a Bombinhas, na expectativa de encontrar o argentino com quem ele vinha conversando por e-mail havia alguns dias.
            À noite finalmente encontramos o Gustavo com os dois caiaques, conforme o combinado, numa pousada da cidade. Sentamos então pra conversar, repassar o planejamento e acertar os últimos detalhes.
            Ele estava com a esposa, Mariana, e a filha de seis anos de idade, Irena, e nos informou que elas pretendiam nos acompanhar em cada ponto que planejávamos pernoitar. Até então tínhamos imaginado que seríamos somente nós três nos barcos, sem acompanhamento externo.
            A conversa foi mais ou menos longa... O Gustavo é um camarada de cinquenta e dois anos de idade, jeito rústico, mãos grossas, que falava no típico espanhol portenho, sem a mínima preocupação de facilitar a comunicação. Contou-nos depois que rema desde que era criança, há uns quarenta anos (ou seja, é a “praia” dele). Acompanhou a exposição do planejamento da viagem sem fazer grandes observações, e sem demonstrar qualquer preocupação com o que estávamos prestes a iniciar. Na verdade demonstrou sim uma certa preocupação: no meio da conversa perguntou casualmente se eu estava acostumado a remar por longas horas, por dias seguidos... Disse que não, mas que não se preocupasse (na verdade, havia feito minha “lição de casa”. Restava saber se havia sido suficiente).
            Em Bombinhas ficamos hospedados na casa de um amigo do Manzan, o Gilliard Pinheiro, um dos melhores corredores de montanha e (em tempos passados) um dos melhores maratonistas do Brasil. Tivemos assunto pra animadas conversas sobre suas inúmeras histórias, treinamentos, métodos, etc. Ele estava se preparando pra correr uma corrida de 100 km em trilha/ morro/ praia que ocorreria naquela região dali a alguns dias [diga-se de passagem: ele venceu a tal corrida, a “100 K Indomit Bombinhas”, com o incrível tempo de 10 h e 02 min]. Muito bacana conhece-lo pessoalmente.







Primeiro dia


            No dia 20, uma terça-feira, saímos cedo de Bombinhas em direção a São Francisco do Sul, distante cerca de 150 km, levando os caiaques nos carros.
            Por volta de uma hora da tarde, após o sempre um pouco longo ritual de arrumações de partida, estávamos com os barcos na água, bem ao lado do centro histórico de São Francisco do Sul, simpática cidade de forte tradição marítima.
            Os primeiros quilômetros foram debaixo de muito calor, singrando as águas calmas da Baía da Babitonga. Fomos contornando o porto, a periferia da cidade, e logo estávamos fora dos vestígios da civilização, imersos num ambiente belo e diferente.
            Com uns quinze quilômetros remados chegamos próximos ao Forte Marechal Luz, onde atualmente funciona uma Colônia de Férias do Exército, e que marca o encontro da Baía com o mar. Contornamos a ponta de pedra e pudemos sentir os primeiros impactos de remar em águas expostas à força do mar aberto – ondulações intimidadoras, desencontradas, compondo um quadro não muito confortável, digamos assim.
            Mas passamos rápido e sem problemas, e em mais alguns minutos aportávamos na tranquila praia da Enseada, onde a Mariana e a Irena já nos esperavam, animadas. Comemoramos o sucesso do primeiro dia com algumas fotos e tratamos de juntar a tralha e nos alojar num hotel próximo, pra curtir o merecido descanso.
            Eu tinha duas preocupações que me inquietavam, como marinheiro de primeira viagem. A primeira era com relação à minha capacidade física para dar conta da brincadeira... Remar exige resistência, força, jeito e flexibilidade muscular que não são as mais usadas em outras atividades com as quais sou mais acostumado. A outra era com a minha adaptação ao ambiente marítimo, tanto no sentido mais biológico, que envolve manter a sensação de equilíbrio num meio intensa e constantemente em movimento, como no sentido de adaptação técnica às dificuldades e adversidades inerentes ao contexto – ondas, mar grande, arrebentações, etc.
            No teste inicial do primeiro dia havia passado sem grandes problemas. Restava saber como o corpo se adaptaria ao esforço continuado.

Distância percorrida: 23,5 km
Tempo de remada: 3h 07min
Velocidade média: 7,4 km/h
















Segundo dia

            Saímos calmamente da praia da Enseada, que fica numa área abrigada do mar aberto, e logo em seguida, ao contornar a ponta que havia ali, demos de cara com o mau humor de um mar grande, com ondulações altas, bastante desafiadoras. O Gustavo passa por mim e recomenda remar forte, de frente pras ondulações, pra poder passa-las com mais segurança. Procuro seguir seus conselhos... O sufoco durou alguns minutos, até passarmos a ponta de pedra, que sempre deixa o mar em volta mais agitado.
            Seguiu-se então um introspectivo trecho de praia deserta à nossa direita, navegando águas totalmente expostas ao mar aberto e à sensação de que estávamos num mundo exatamente igual ao que sempre foi. O céu estava cinzento, o tempo estava estranho...
            Após algumas horas de intenso trabalho nos remos, faltando ainda um bom trecho para o destino do dia, vejo o Gustavo conversando com o Manzan em tom preocupado. O motivo era nuvens de tempestade à frente. Nosso amigo argentino ficou tenso e disse que devíamos forçar o ritmo pra tentar chegar antes de sermos pegos pela tormenta que se aproximava.
            A preocupação dele era com os possíveis raios da tempestade! Segundo ele, nossos remos de carbono teriam a característica de atrair a eletricidade dos raios (será?). Além disso, estávamos numa região totalmente isolada e, pra piorar, de difícil saída do mar, caso precisássemos. A poucos metros à nossa direita, as ondas quebravam altas e violentas, fazendo-nos temer ter que enfrenta-las numa eventual aportagem.
            Aumentamos o ritmo na “casa das máquinas” e poucos minutos depois fomos rapidamente envolvidos pela chuva que parecia distante pouco antes. Fomos tocando os barcos, literalmente; a essa altura, já num ritmo de “tem que chegar logo”...
            Algum tempo depois avistamos as construções do Balneário de Barra do Sul, nosso destino do dia (e nossa única opção de local pra ficar na região). Um pouco mais e estávamos em frente à barra do rio junto à qual pensávamos desembarcar. Acontece que a situação estava complicada. A chuva havia parado, mas o mar estava muito grande, quase assustador. Enormes vagas de água passavam por nós elevando-nos a quatro, cinco metros, algumas quase nos surpreendendo numa arrebentação feroz.
            O Gustavo, mais confiante, embrenhou-se pelas ondulações e desapareceu em direção à praia. Perdemo-lo de vista. Aproximei-me do Manzan e comentei com ele que a situação estava tensa... Ele concordou com ar preocupado e sugeriu que fossemos chegando pra perto da praia aos poucos. Essa é uma manobra arriscada. É preciso estar “com um olho no peixe e outro no gato”. Cuidar pra não ser colhido por uma arrebentação de trás e ao mesmo tempo olhar pra frente pra escolher o ponto de entrada. Chegamos ao limite do ponto onde as ondas começavam a quebrar e eu decidi investir em direção à praia, que estava logo ali. Quase deu... No finalzinho uma onda traiçoeira me colheu de lado e o barco virou. Ejetei-me do cockpit e já estava de pé na areia... Fui salvo pela sorte de não ter quebrado o remo, o leme ou qualquer outra coisa, já que tudo foi envolvido pelo turbilhão momentâneo de caos e água pra todo lado.
            Instalamo-nos num hotelzinho próximo e, após um bem vindo descanso, gastamos o resto do dia e da noite em pesquisas em sites de previsão do tempo e em conversas entre nós três, tentando elaborar um prognóstico em relação às péssimas previsões do tempo para os próximos dias. Chegamos à conclusão, baseados nas informações disponíveis, que teríamos uma janela sem chuva de algumas horas na manhã seguinte. Assim, combinamos sair cedo.

Distância percorrida: 32,8 km/h
Tempo de remada: 4h 21min
Velocidade média: 7,5 km/h
















Terceiro dia

            De madrugada acordei com o vento açoitando as janelas do quarto e logo em seguida uma chuva furiosa caindo sobre o telhado. De manhã cedo a chuva continuava forte e o tempo estava virado numa tempestade, não nos deixando escolha do que fazer. Engraçados esses sites de previsão meteorológica... Nenhum mencionara aquela quantidade de chuva, naquela hora da manhã, para aquela região...
            Levantamos mais tarde, por volta das oito e pouco, e nos reunimos na sala de café da manhã. Tínhamos basicamente duas opções: ou esperávamos até o dia seguinte, na esperança de que o tempo melhorasse e pudéssemos prosseguir, ou abortávamos a pernada do dia e prosseguíamos para o próximo destino levando os caiaques no carro... Impasse! O Manzan não bateu o pé, mas deixou claro que preferia a espera, a fim de cumprir todo o trajeto que havíamos previsto inicialmente. O Gustavo, no entanto, meio que impôs que seguíssemos para o próximo ponto de carro, alegando que não havia o que fazer por ali e que não tínhamos certeza que no dia seguinte haveria condição favorável.
            Assim, pra não criar polêmica numa situação já um tanto delicada, cedemos à pressão da família argentina, fizemos a proeza de carregar três caiaques oceânicos, quatro adultos, uma criança e toda a tralha de equipamentos no pequeno Renault Sandero dos nossos hermanos e partimos rumo a Piçarras.
            Ao longo do dia o tempo pareceu melhorar um pouco, o que nos fez lamentar silenciosamente não termos tido paciência ou determinação de esperar por lá até o dia seguinte, como havíamos pensado.
            Em Piçarras achamos um pequeno hotel, alojamo-nos e, pra espantar o astral de marasmo do dia, no final da tarde saí pra dar uma corridinha na praia. Envolvido pelo contexto do momento e da situação, pus-me a pensar se tudo aquilo era mesmo real... Por alguns momentos quase não me lembrava mais o que havia se passado no primeiro dia da viagem... Em seguida percebi que meus pensamentos viajavam por caminhos não exatamente voluntários, enquanto os minutos e os quilômetros passavam sob meus tênis na areia... Pensei (ou tentei pensar) na questão da minha própria mortalidade, na vastidão do universo, na maluquice que é o tempo cronológico... Pensei que estamos sempre envoltos num constante vir a ser: se estou quieto demais, penso “por que não dar uma corridinha?”, se saio pra correr logo me ponho a pensar “quando vou parar?” Passou também pela minha cabeça a questão de quanto de pura personalidade havia naquilo que estávamos fazendo... E o que afinal era a personalidade, e quem estava pensando?... E por aí vai... Peças que se encaixam mal num quebra-cabeça confuso, essa vida...
















Quarto dia

            De manhã cedo, sobre a mesa do café da manhã, o jornal local estampava na capa a manchete “Sem trégua” e uma enorme foto da cidade de Itajaí (ali próximo) debaixo d’água, referindo-se à violenta enchente que castigava o povo daquela área havia dias.
            Tratamos de agilizar nossas arrumações e colocar os caiaques na água meio logo. O tempo parecia normal, sem cara de chuva, e nós estávamos ávidos por retornar à viagem, refeitos pelo dia de descanso forçado da véspera.
            Saímos da praia de Piçarras e fomos contornando os costões, procurando manter uma distância segura das arrebentações e, ao mesmo tempo, não nos afastar muito da costa. O vento estava vindo do sul, o que não era nada bom pra gente. Ao cruzarmos com um barco de pescador, um camarada gritou que o vento sul estava mais forte depois da próxima ponta que estava à nossa frente.
            Após mais ou menos uma hora e meia chegamos à grande enseada da cidade de Itajaí e resolvemos cruzar direto para a outra ponta, distante cerca de dez quilômetros de onde nos encontrávamos. Isso nos obrigaria a navegar mais afastados da costa, mas imaginávamos que nos afastaria também da foz do Rio Itajaí, que deveria estar com uma vazão bem forte, em função do elevado volume de chuvas dos últimos dias.
            Ao longo dessa travessia a situação foi ficando dramática. O vento aumentou bastante, em consequência, o mar também cresceu, e, pra completar, a força do Rio Itajaí desaguando no mar estava absurdamente grande. Sentimo-nos como se estivéssemos numa máquina de lavar roupa (daquelas antigas...), com ondas batendo de todos os lados. Além disso, havia muitos detritos na água – troncos de árvores, lixo, restos de vegetação – e a água do mar se coloriu de um marrom espesso.
            Em determinada altura me dei conta que estava completamente na zona do medo! Em meio à luta com as condições momentâneas, me pus a pensar: “medo de que?”... Bem, o fato era que a situação estava desagradável, mas estávamos avançando. Também podia ocorrer da situação piorar ainda mais, o que poderia se tornar potencialmente trágico, mas do jeito que estava ainda era controlável. Então pensei que o medo era simplesmente o reconhecimento da nossa fragilidade diante de uma força muito, muito maior, e absolutamente indiferente aos nossos esforços e intenções. O curioso era que ao mesmo tempo havia também uma sensação muito clara de enorme satisfação por estar ali... Ambíguo, mas bem assim.
            Aos poucos fomos nos livrando da enorme força da foz do Itajaí, mas antes disso percebemos que a corrente nos derivou enormemente para dentro do mar. Algo como meio quilômetro... Quando percebemos, estávamos muito mais distantes da costa do que pretendíamos. Traçamos uma rota de recuperação, colocamos força nos remos e tratamos de sair logo dali.
            Algum tempo depois avistamos ao longe a linha de prédios de Balneário Camboriú, nosso destino naquele dia. Fomos chegando devagarzinho, exaustos pelo intenso esforço físico e emocional da pernada, mas com um sentimento de conquista e de superação totalmente íntimo e verdadeiro.
            Chegar a Balneário Camboriú foi um choque. A cidade virou um emaranhado nada aconchegante de prédios, carros e gente em excesso. Precisamos de quase duas horas pra reorganizar todo nosso equipamento, nos desvencilhar do caótico trânsito local e conseguir chegar a um hotel.

Distância percorrida: 35,3 km
Tempo de remada: 5h 21min
Velocidade média: 6,6 km/h












Quinto dia

            O sábado finalmente amanheceu com o céu azul e sem perspectiva de chuva (mas ainda assim não seria um dia fácil).
            Saímos da praia central da cidade remando calmamente e bem dispostos. O dia bonito ajudava a melhorar o astral da nossa empreitada. Além de tudo a paisagem daquele trecho do litoral faz jus à fama, e torna a remada um extraordinário passeio de contemplação da natureza em estado bruto.
            O Manzan tinha alguns amigos em Balneário Camboriú, e em contato com eles na véspera ficou sabendo que um deles também remava, e se dispôs a nos acompanhar no trecho do dia seguinte. Assim, em determinado momento, o Revo, esse amigo, nos alcançou com seu caiaque e seguiu com a gente.
            Vejo o ato de remar em si com extrema admiração. O movimento da remada me parece elegante, harmonioso, bonito. De certa forma se assemelha a uma espécie de nado, só que não estamos mergulhados na água. O ângulo que o remo entra na água, a força que se aplica na puxada, a imagem mental que se faz do movimento, tudo conta pra eficiência e para o menor desgaste possível da remada. O barulho da água sendo alisada pelos remos ajuda a compor o clima da “dança”.
            Umas duas horas depois estávamos na Enseada de Itapema, e novamente tínhamos uma longa travessia afastados da costa pra fazer. Cerca de 9 km em linha reta, dessa vez ainda mais distantes da terra firme. O vento sul entrou forte e o mar ficou muito picado, com ondulações curtas açoitando nossos barcos insistentemente, sem piedade. Fomos obrigados a fazer muita força pra vencer a força do vento. Nesse trecho consegui encaixar um bom ritmo de remada e curtir muito aquela sensação de êxtase que comentei no começo. O casco batendo nas ondas, a água limpa espirrando pra todos os lados, o vento zunindo nos ouvidos, o sol brilhando no céu azul, a sensação de amplidão do horizonte a perder de vista, a distância da costa, tudo contribuía pra criar a vibração de curtição do momento. Muito bacana.
            Quando avistamos a praia de Bombinhas ao longe percebemos que estávamos exaustos. Olhávamo-nos quase sem acreditar na força daquele vento contra, a nos frear como uma mão gigante segurando os caiaques. Fomos brigando com as ondulações, com o vento e com o cansaço muscular e avançando pouco a pouco. Comecei a sentir um barulho e um peso estranho nos compartimentos de carga, e me dei conta que a água das ondas passando por cima do barco estava invadindo esses compartimentos, que deveriam ser estanques. Se estivesse mais longe da chegada, seria necessário parar e dar um jeito de esvazia-los. Mas como já estávamos chegando, não foi preciso.
            Chegamos a Bombinhas no começo da tarde e fomos recebidos pelo nosso amigo Gilliard, que estava ansioso à nossa espera. Curtimos um pouco o astral de sossego de sábado à tarde da pequena e pacata cidade e logo depois nos instalamos na casa do nosso anfitrião, para o muito bem vindo descanso e mais conversa sobre corridas e esportes de endurance.

Distância percorrida: 27 km
Tempo de remada: 4h 35min
Velocidade média: 5,9 km/h














Sexto dia

            O domingo acordou novamente cinzento, mas afortunadamente parecia que sem vento. Zarpamos da tranquila praia por volta das nove e meia, com o Gilliard e a esposa incentivando-nos para a pernada que poderia ser a final da viagem. A previsão inicial era tocar até a cidadezinha de Governador Celso Ramos, distante cerca de 27 km pelo mar, mas pensávamos também, dependendo das condições do dia, em esticar até o destino final, Florianópolis, o que nos acrescentaria mais uns quinze km na conta. De manhã cedo nenhum de nós queria arriscar um palpite para a decisão que teríamos que tomar logo mais, mesmo porque assumir a perspectiva de remar mais de 40 km numa tacada só é algo meio doloroso pra mente...
            Assim, fomos remando como quem não quer nada. A condição do dia estava completamente diferente dos anteriores. Finalmente sem vento, o mar, liso, como se fosse uma enorme piscina. Uma maravilha.
            Chegamos a Governador Celso Ramos, o destino inicialmente previsto para o dia, por volta das duas da tarde. Desembarcamos sem problemas na praia local, encontramos com a Mariana e com a Irena, que lá estavam a nos esperar, fizemos um rápido lanche numa barraquinha que havia por ali e entreolhamo-nos como a nos questionar: “e agora, ficamos ou prosseguimos?”. O problema de encarar os 15 km finais era o cansaço, mas as condições climáticas de vento, corrente e ausência de chuva estavam tão favoráveis que seria um contra senso desperdiça-las pela dúvida de como estariam no dia seguinte. Assim, resolvemos prosseguir, e terminar logo a viagem.
            O trecho final transcorreu tão bem quanto a parte da manhã. Curtimos muito o mar liso, o visual bonito e a magnífica sensação de estar atingindo um objetivo que custara caro pra ser conquistado.
            Naquele trecho senti efetivamente o enorme privilégio e prazer de ter podido namorar aquele imenso e hipnotizante horizonte do mar aberto durante aqueles últimos dias. Sensações e lembranças praticamente impossíveis de descrever, mas que ficam ecoando dentro da gente...
            Fizemos a última travessia, do continente para a Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), avistando ao longe a praia que seria nosso porto de chegada. Mais alguns minutos e tocamos suavemente as areias de Jurerê Internacional, o ponto final da viagem.
            Comemoramos a chegada com fotos, cumprimentos e o mais importante, a impagável sensação de ter conseguido!
            O local não poderia ser mais emblemático. Jurerê Internacional é a praia do “Ironman Brasil” em Florianópolis. Tinha muito boas lembranças daquele local. Por seis vezes (entre 2004 e 2012) estive ali iniciando e finalizando a bela e desafiante jornada do triathlon de endurance mais famoso do Brasil.
            Restava-nos cuidar do nosso equipamento e de nós mesmos, buscando o devido descanso e recuperação, e iniciar a trabalhosa logística de retorno pra casa.
 Naquele momento entendia melhor do que nunca os célebres versos de Fernando Pessoa, que diziam: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador tem que passar além da dor. Deus, ao mar o perigo e o abysmo deu, mas nelle é que espelhou o céu".

Distância percorrida: 40 km
Tempo de remada: 5h 50min
Velocidade média: 7 km/h
















No link abaixo um pequeno vídeo com a compilação de algumas imagens:






...Gratidão