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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Sobre o livro "Homo Deus - uma breve história do amanhã", Curitiba-PR, Janeiro de 2019













Li recentemente o livro “Homo Deus – uma breve história do amanhã” (editora Companhia das Letras, 2016), do historiador israelense Yuval Noah Harari (autor também do best seller “Sapiens, uma breve história da humanidade” – sobre o qual fiz aqui no blog uma breve resenha, há alguns meses, neste link: Sapiens - uma breve história da humanidade), e devo confessar, de início, que a obra me impactou profundamente. Na verdade acho que me causou certo desconforto, certa angústia existencial, aquele sentimento ambíguo de um frio desamparo e de algo como uma ligeira excitação.

Acho ainda que grande parte desses sentimentos experimentados deve-se não apenas à forma engenhosa e bem argumentada com que o autor tece suas ideias, mas principalmente à identificação com elas. Aquela sensação de já ter desconfiado disso em algum momento no decorrer da vida, e de repente ali está ele, explicando em detalhes um ou outro ponto que já havia me passado pela cabeça em certas situações. E, mais do que isso, a sensação de que ele tem razão (ou que, pelo menos, suas ideias fazem sentido).

Isso não quer dizer, entretanto, que tudo o que ele diz seja certo, ou seja a expressão máxima do alcance humano em tentar entender a si próprio e ao mundo no qual vivemos. No final das contas, é mais um ponto de vista, como vários outros. Mas certamente é uma forma de ver a história do Homo sapiens que é digna de atenção e reflexão.

Harari tem uma visão bastante crítica, digamos assim, dessa história. Ele desconstrói vários conceitos fortemente estabelecidos na nossa cultura dominante e questiona tantos outros, o que é sempre muito instigante.

Vale destacar que o autor tem uma visão estritamente materialista da vida, ou seja, é aquela abordagem de que “as coisas são como são” e não como gostaríamos que fossem, ou como nos contaram que são, ou como imaginamos ser. Se não pode ser provado, testado e argumentado, então não vale como “candidato à verdade”.

Esse entendimento, por si só, poderia ser tema de discussões acaloradas e intermináveis. Eu mesmo confesso (e já assumi isso em outros textos aqui neste blog) que acho que a vida tem mais mistérios e nuances do que é possível enxergar pelas lentes dos nossos micro ou telescópios, ou pela capacidade de alcance da nossa mente concreta. E acho isso não exatamente por percepção pessoal, mas considerando tantas histórias, mensagens e ensinamentos que nos foram legados por grandes seres que já passaram por esse nosso sofrido mundinho. Não obstante, admito a possibilidade de que a história toda possa ser diferente dessa versão.

Um dos pontos chave de sua obra, que me inspirou profundas reflexões pessoais, diz respeito à questão do livre arbítrio do ser humano. Harari argumenta, pra resumir sua extensa exposição a esse respeito, que, ao contrário do que imaginamos, não temos esse tal livre arbítrio, entendido como a capacidade de fazer escolhas isentas e autênticas. Para ele, nossas decisões, que nos parecem livres e profundamente pessoais, não são mais do que um resultado lógico de diversos dados, fatos e decisões passadas. É mais ou menos como se tudo, desde o início da história da humanidade, tivesse vindo se tecendo, fio a fio, para dar no momento em que estamos no presente. Aí o que parece ser uma decisão pessoal, na verdade seria apenas a consequência lógica dessa longa cadeia de acontecimentos.

Paralelo a isso, ele argumenta cuidadosamente que, no fundo, no fundo, nós, seres humanos, como indivíduos, somos muito mais complexos e instáveis do que imaginamos ou gostaríamos. Fiz um paralelo pessoal desse seu ponto de vista com aquela ideia de mundo do filme Matrix. Acho que o que ele quis dizer é que cada um de nós é mais ou menos como uma Matrix individual – a gente acha que está no controle!

Essa questão remete à desconstrução do poderoso conceito de que os humanos seriam o ápice de um processe evolutivo, assim propagado tanto por uma forte corrente religiosa quanto por certas abordagens científicas. Segundo ele, somos muito “menos” do que gostamos de pensar a respeito de nós mesmos.

Outra questão abordada na obra é sobre a (des)organização dos seres humanos como espécie, em termos evolutivos e históricos. Ele explica, com argumentos históricos, que nos primórdios a humanidade vivia em pequenos grupos isolados e incomunicáveis. Muito tempo depois isso evoluiu para a comunidade global em que vivemos hoje em dia, em que (quase) todos estão conectados e sabem (quase) tudo a respeito do que se passa pelo mundo. Segue argumentando que essa evolução não foi capaz, no entanto, de nos fazer pensar como uma espécie única, pois continuamos presos a uma visão estreita tanto no espaço quanto no tempo – ainda enfatizamos nossas visões nacionalistas e nos preocupamos, a rigor, com poucos anos à frente do nosso presente.

No livro anterior – “Sapiens, uma breve história da humanidade” – Harari busca percorrer a longínqua história da nossa espécie pra tentar entender como os humanos chegaram onde chegaram, em detrimento de várias outras espécies (tanto de humanos quanto de animais) com as quais convivemos neste planeta. Segundo seu entendimento, foi uma pequena diferença que tornou possível aos seres humanos subjugar todos os demais concorrentes e dominar os rumos da história, como se sabe – esse detalhe é a capacidade dos sapiens de se comunicar entre si e de, com isso, criar histórias imaginárias.

Na obra atual, como o subtítulo sugere, ele busca lançar seu olhar para o futuro dessa história. Nesse sentido, esclarece que não está fazendo previsão do futuro, mas tão somente elencando cenários possíveis ou tendências, digamos assim.

Na verdade ele acha que estamos no limiar de uma nova, grande e imprevisível revolução para a nossa espécie – tal como foi a Revolução Agrícola (cujas consequências foram extensamente abordadas no livro anterior). Essa revolução seria o fruto maduro da plantinha que hoje vemos crescer sob o nome de tecnologia.

Uma das vertentes desse novo divisor de águas seria o mundo ainda incipiente da engenharia genética. Ele supõe que num futuro não muito distante, o ser humano vai se reinventar baseado na manipulação dos nossos genes. O que pode surgir daí, segundo essa visão, é nada menos do que um novo sapiens, tal (ou maior) como ocorreu com a transição entre o caçador-coletor e o agricultor.

Como exemplo, pode-se citar o monitoramento e erradicação de doenças congênitas e o desenho de atributos específicos em seres humanos a serem gerados, como uma espécie de programação de personalidade. Para ele, os cuidados e barreiras que hoje existem em relação à engenharia genética irão desaparecer em breve, abrindo caminho para esses novos e inimagináveis horizontes. Um problema desse possível futuro é que essas novas possibilidades custarão caro, como qualquer tecnologia inovadora e muito valorizada, e isso criará um abismo entre quem terá e quem não terá acesso às novas ferramentas.

Outra tendência admirável da nossa ainda embrionária tecnologia é o que hoje chamamos de inteligência artificial, e a que o autor se refere em algumas passagens como “vida inorgânica”. Segundo ele, o potencial dessa tecnologia ainda é desconhecido, mas dá alguns palpites. Considera, por exemplo, que os dados e as máquinas terão uma ascendência sobre os humanos muito maior do que podemos suspeitar. Em último grau, não descarta a possibilidade já abordada em algumas obras de ficção científica de que a inteligência artificial se torne mesmo independente da humana, capaz de se desenvolver e tomar decisões sem ninguém para apertar os botões por trás. Os riscos dessa evolução são difíceis de serem previstos.

Harari chega ao ponto de dizer que uma nova religião surgirá nesse novo cenário, a religião dos dados ou dataísmo, que seria o reconhecimento do super poder dos dados nas nossas vidas. Ele cita, por exemplo, que num futuro não muito distante, provavelmente recorreremos a softwares que, de posse de inúmeros dados da nossa própria vida, nos orientarão a respeito de decisões a serem tomadas e problemas a serem resolvidos.

Ele chega até mesmo a ironizar o conceito máximo da filosofia que recomenda “conhece-te a ti mesmo”, dizendo que isso só será possível através do auxílio de complexos e inteligentes programas de computador.

Se pararmos pra pensar, veremos que, de certa forma, já percebemos uma sombra dessa realidade nos dias atuais, em que, a despeito de (ou talvez por causa de) termos uma fonte interminável de informações e conhecimentos à nossa disposição, definitivamente não damos conta de gerenciar todas essas possibilidades, e acabamos por nos perder, frustrados, em meio a essa avalanche de dados disponíveis.

Boa parte da obra é dedicada também a descrever e explicar o papel do liberalismo no estilo de vida da nossa sociedade moderna – o culto às próprias opiniões, a perda de influência das religiões sobre a determinação de regras para a vida, os valores que determinam o mais desejável dos sentimentos, o de felicidade, etc. E também como o próprio liberalismo, baluarte máximo dos nossos tempos, já se encontra debilitado por novos conceitos e descobertas que apontam para o futuro que se aproxima rapidamente.







(fonte da imagem: Google)










***   ***   ***




Transcrevo, a seguir, alguns trechos do livro que ilustram algumas dessas ideias elencadas acima, bem como outras igualmente interessantes:

“Em 2012, aproximadamente 56 milhões de pessoas morreram no mundo inteiro; 620 mil morreram em razão da violência humana (guerras mataram 120 mil pessoas, o crime matou outras 500 mil). Em contrapartida, 800 mil cometeram suicídio e 1,5 milhão morreram de diabetes. O açúcar é mais perigoso do que a pólvora”. [pág 24]


“Raramente nos satisfazemos com o que já temos. A reação mais comum da mente humana a uma conquista não é satisfação, e sim o anseio por mais.” [pág 30]


“(...) ser feliz exige trabalho duro. Conquistas materiais não proporcionam satisfação por muito tempo. Na verdade, a perseguição cega do dinheiro, da fama e do prazer só torna as pessoas infelizes.” [pág 41]


“Epicuro aparentemente percebeu que ser feliz não é algo que acontece com facilidade. (...) apesar de mais prosperidade, conforto e segurança, a taxa de suicídios no mundo desenvolvido é muito mais elevada do que nas sociedades tradicionais.” [pág 42]


“A impressão que se tem é que nossa felicidade vai de encontro a um misterioso teto de vidro que não permite seu crescimento, a despeito das conquistas sem precedentes que foram alcançadas.” [pág 43]


“No nível psicológico a felicidade depende mais de expectativas do que de condições objetivas. (...) nosso contentamento resulta de a realidade corresponder a nossas expectativas. A má notícia é que, à medida que as condições melhoram, nossas expectativas inflam.” [pág 43]


“Humanos também preferem a excitação da corrida ao descanso nas láureas do sucesso. (...) Talvez a chave para a felicidade não seja nem a corrida nem a medalha de ouro, e sim a combinação de doses certas de excitação e tranquilidade; mas a maioria das pessoas tende a saltar toda a distância que vai do estresse ao tédio e, ao fim, segue descontente com um e com outro.” [pág 47]


“Depois de 4 bilhões de anos perambulando no reino dos compostos orgânicos, a vida eclodirá na vastidão do reino inorgânico e assumirá formas que não podemos vislumbrar mesmo em nossos sonhos mais loucos.” [pág 53]


“Por milhares de anos reviravoltas tecnológicas, econômicas, sociais e políticas fizeram parte da história. Mas algo permaneceu constante: a humanidade em si mesma. (...) assim que a tecnologia permitir a reengenharia das mentes humanas, o Homo Sapiens vai desaparecer, a história humana caminhará para o seu fim e um tipo de processo completamente novo vai surgir.” [pág 54]


“No século XXI, o terceiro grande projeto da humanidade será adquirir poderes divinos de criação e destruição e elevar o Homo Sapiens à condição de Homo Deus. (...) Assim, bem podemos pensar que a nova agenda humana na realidade consiste em um só projeto (com muitos ramos): alcançar a divindade.” [pág 55]


“Vemos essa realidade como fato consumado e achamos natural, inevitável e imutável. Esquecemos que nosso mundo foi criado numa cadeia de eventos acidental e que a história configurou não apenas a tecnologia, a política e a sociedade, mas também nossos pensamentos, temores e sonhos. (...) raramente tentamos nos livrar dela para antever futuros alternativos.” [pág 67]


“A fazenda agrícola tornou-se assim o protótipo de novas sociedades, que incluíam os empolados senhores, as raças inferiores destinadas a serem exploradas , animais selvagens prontos para serem exterminados, e um grande Deus acima de tudo, dando Sua bênção a esse arranjo todo.” [pág 103]


“Durante a Revolução Agrícola a humanidade silenciou animais e plantas e transformou a grande ópera animista num diálogo entre o homem e deuses. O mundo transformou-se em um ‘one man show’.” [pág 104]


“A ideia fundamental das religiões humanistas, como o liberalismo, o comunismo e o nazismo, é que o Homo Sapiens tem uma essência única e sagrada, fonte de todo o sentido e de toda a autoridade no Universo. Tudo o que acontece no cosmo é considerado bom ou mau de acordo com o impacto que exerce sobre o Homo Sapiens.” [pág 105]


“(...) o que há nos humanos que nos faz tão inteligentes e poderosos, e qual a possibilidade de que entidades não humanas venham a rivalizar conosco e nos ultrapassar?” [pág 107]


“O Homo sapiens também gosta de pensar que usufrui de um status moral superior e que o valor da vida humana é muito maior que a de porcos, elefantes ou lobos. (...) Será que poder implica direitos?” [pág 108]


“Infelizmente a teoria da evolução rejeita a ideia de que o meu eu verdadeiro é uma essência indivisível, imutável e potencialmente eterna.” [pág 111]


“Descartadas as exageradas noções de que o Homo sapiens existe num plano totalmente diferente do dos outros animais, e de que humanos possuem uma essência única, como alma ou consciência, podemos finalmente descer ao nível da realidade e examinar as aptidões físicas e mentais específicas que conferem à nossa espécie sua posição vantajosa.” [pág 137]


“(...) o fator crucial de nossa conquista do mundo foi nossa capacidade de conectar muitos humanos uns como os outros. Hoje dominamos completamente o planeta não porque um indivíduo humano seja muito mais esperto e mais ágil do que um indivíduo chimpanzé ou lobo, e sim porque o Homo sapiens é a única espécie na Terra capaz de uma cooperação flexível e em grande escala.” [pág 138]


“Sapiens não se comportam segundo uma lógica matemática e fria, e sim de acordo com uma cálida lógica social. Somos governados por emoções.” [pág 147]


“Toda cooperação humana em grande escala baseia-se em última análise na nossa crença em ordens imaginadas.” [pág 149]


“As pessoas reforçam constantemente e reciprocamente suas crenças, num ciclo que se autoperpetua.” [pág 152]


“É assim que a história se desenrola. Pessoas tecem uma rede de significados, acreditam nela piamente, porém mais cedo ou mais tarde a teia se desfaz, e, quando olhamos para trás, não conseguimos compreender como alguém a levou a sério. (...) Daqui a cem anos, nossa crença na democracia e nos direitos humanos pode igualmente parecer incompreensível para nossos descendentes humanos.’ [pág 156]


“Para compreender nosso futuro precisamos compreender como as histórias sobre Jesus Cristo, a República Francesa e a Apple adquiriram tamanho poder. Os humanos pensam que fazem história, mas a história comumente gira em torno da teia de histórias ficcionais.” [pág 163]


“Tudo começou 70 mil anos atrás, quando a Revolução Cognitiva permitiu que o Sapiens começasse a falar de coisas que só existiam na sua imaginação.” [pág 164]


“À medida que acumulam poder, as burocracias se tornam imunes aos próprios erros.” [pág 175]


“Ao se examinar a história de qualquer rede humana, é recomendável parar de vez em quando e olhar as coisas da perspectiva de alguma entidade real. Como se sabe se uma entidade é real? Muito simples – apenas pergunte a si mesmo: ‘Ela é capaz de sofrer?” Quando pessoas derrubam e incendeiam o templo de Zeus, Zeus não sofre. Quando o euro se desvaloriza, o euro não sofre. Quando um país é derrotado na guerra, o país na verdade não sofre. É só uma metáfora. Em contraste, quando um soldado é ferido em combate, ele sofre. Quando um camponês faminto não tem o que comer, ele sofre. Quando uma vaca é separada de seu bezerro recém-nascido, ela sofre. Isso é realidade.” [pág 184]


“Corporações, dinheiro e nações existem apenas em nossa imaginação. Nós os inventamos para nos servirem; por que chegamos a sacrificar nossas vidas a seu serviço?” [pág 185]


“Infelizmente, a fé cega nas histórias não raro acarretou a concentração dos esforços humanos em incrementar a glória de entidades ficcionais como deuses e nações, em vez de melhorar a vida de seres reais e sencientes.” [pág 186]


“Diz-se que Deus ajuda a quem se ajuda. É um modo indireto de dizer que Deus não existe, mas, se nossa crença n’Ele nos inspirar a fazer algo a nós mesmos – isso ajuda.” [pág 187]


“Religião é qualquer coisa que confira legitimidade sobre-humana a estruturas sociais humanas.” [pág 189]


“A modernidade é um contrato. (...) O contrato inteiro pode ser resumido numa única frase: humanos concordam em abrir mão de significado em troca de poder.” [pág 206]


“A cultura moderna rejeita a crença num grande plano cósmico. Não somos atores em qualquer drama maior do que a vida. A vida não tem roteiro, nem dramaturgo, nem diretor, nem produtor – tampouco significado.” [pág 207]


“Portanto o trato da modernidade oferece ao homem uma enorme tentação, aliada a uma ameaça colossal. A onipotência está diante de nós, quase ao nosso alcance, mas debaixo de nós se escancara o abismo do nada total.” [pág 208]


“Nunca chegaremos a um momento no qual o capitalismo dirá: ‘É isso aí. Você já cresceu bastante. Agora pode ir com calma’.” [pág 216]


“Não existe justiça na história. Quando ocorre uma catástrofe, o pobre sempre sofre mais do que o rico, mesmo que tenham sido os ricos os causadores da tragédia.” [pág 220]


“Todos as relações fixas e todos os antigos preconceitos são varridos para um lado, e novas estruturas tornam-se antiquadas antes de chegarem a se solidificar. E tudo o que é sólido se desmancha no ar.” [pág 224]


“Em nível individual somos inspirados a aumentar constantemente nossa renda e a elevar nosso padrão de vida. Mesmo se você estiver bem satisfeito com suas condições atuais, deve se empenhar por mais. Os luxos de ontem tornam-se as necessidades de hoje.” [pág 224]


“Assim, o capitalismo santificou o sistema voraz e caótico que cresce aos pulos e saltos, sem que ninguém entenda o que está acontecendo e para onde estamos correndo.” [pág 225]


“(...) o contrato moderno nos prometeu um poder sem precedentes – e a promessa foi mantida. E quanto ao preço? Em troca do poder, o trato moderno espera que abramos mão do significado.” [pág 225]


“A religião humanista cultua a humanidade (...). Enquanto tradicionalmente o grande plano cósmico emprestava um significado à vida humana, o humanismo inverte os papéis e espera que as experiências dos humanos deem significado ao grande cosmo.” [pág 228]


“Na ética, o lema dos humanistas é: ‘se lhe parece bem, faça-o’. Na política, o humanismo nos diz que ‘o eleitor está com a razão’. Na estética, para o humanismo ‘a beleza está nos olhos do observador’.” [pág 236]


“Quando a fonte do significado e da autoridade foi realocada do céu para os sentimentos humanos, toda a natureza do cosmo mudou. O universo exterior – até então enxameado de deuses, musas, fadas e demônios lendários – tornou-se um espaço vazio. O mundo interior - até então um enclave insignificante de paixões grosseiras – tornou-se profundo e rico além de qualquer medida.” [pág 239]


“Se eu acredito em Deus afinal, foi opção minha acreditar. Se meu interior me diz para acreditar em Deus - então eu acredito. (...) Assim, mesmo quando digo que acredito em Deus, a verdade é que tenho uma crença muito mais forte na minha voz interior.” [pág 239]


“Não se pode realmente experimentar algo se não se tem a sensibilidade necessária, e não se pode desenvolver a sensibilidade a não ser passando por uma longa sequência de experiências.” [pág 244]


“(...) O humanismo vê a vida como um processo gradual de mudança interior, que parte da ignorância e chega à iluminação por meio de experiências. O mais alto objetivo de uma vida humanística é desenvolver completamente seu conhecimento mediante uma grande variedade de experiências intelectuais, emocionais e físicas.” [pág 245]


“Durante milhares de anos, quando olhavam para a guerra, as pessoas viam deuses, imperadores, generais e grandes heróis. Mas nos últimos dois séculos, reis e generais foram empurrados para um lado e as luzes da ribalta passaram a destacar o soldado comum e suas experiências. Romances de guerra, como ‘Nada de novo no front’, e filmes de guerra, como ‘Platoon’, começam com um jovem e ingênuo recruta, que pouco sabe sobre si mesmo e sobre o mundo, mas carrega uma pesada carga de esperanças e ilusões. Acredita que a guerra é gloriosa, que nossa causa é justa, que o general é um gênio. Algumas semanas de uma guerra real – de lama, sangue e cheiro de morte – despedaçam suas ilusões, sucessivamente.” [pág 250]


“Na verdade, o humanismo compartilha a sina de toda religião bem sucedida, como o cristianismo e o budismo. Ao se espraiar e evoluir, fragmenta-se em diversas seitas conflitantes.” [pág 253]


“A evolução não parou com o Homo sapiens – ainda há um longo caminho a percorrer.” [pág 259]


“Existe inequivocamente uma hierarquia de experiências humanas. (...) Segundo os humanistas evolutivos, quem argumentar que todas as experiências humanas têm igual valor ou é um imbecil ou é um covarde.” [pág 266]


“Religião e tecnologia estão sempre dançando um tango delicado.” [pág 273]


“O que acontecerá com o mercado de trabalho quando a inteligência artificial suplantar humanos na maioria das tarefas cognitivas? Qual será o impacto político de uma nova classe massiva de pessoas economicamente inúteis? (...) O que acontecerá com a sociedade humana quando a biotecnologia nos permitir ter bebês projetados e abrir abismos sem precedentes entre ricos e pobres?” [pág 274]


“Os principais produtos do século XXI serão corpos, cérebros e mentes, e o abismo entre os que sabem operar a engenharia de corpos e cérebros e os que não sabem será muito maior do que aquele entre a Grã-Bretanha de Dickens e o Sudão do Mahdi. Na verdade, será maior do que a brecha entre o Sapiens e os neandertais.” [pág 278]


“As religiões tradicionais não oferecem uma alternativa real ao liberalismo. Suas escrituras nada têm a dizer sobre engenharia genética ou inteligência artificial. (...) Quando a engenharia genética e a inteligência artificial revelarem todo o seu potencial, o liberalismo, a democracia e os livres mercados poderão tornar-se tão obsoletos quanto facas de pedra lascada, fitas cassete, o islamismo e o comunismo.” [pág 280]


“Até onde vai o melhor de nosso entendimento científico, determinismo e aleatoriedade dividem o bolo entre eles, sem deixar uma só migalha para a ‘liberdade’. A palavra sagrada ‘liberdade’ acaba se revelando, assim como ‘alma’, um termo vazio que não carrega nenhum significado discernível. Livre-arbítrio só existe em histórias imaginárias inventadas pelos humanos. O derradeiro prego no caixão da liberdade é fornecido pela teoria da evolução. Assim como não pode se enquadrar na ideia de almas eternas, tampouco a evolução pode engolir a ideia de livre-arbítrio. (...) Segundo a teoria da evolução, todas as escolhas que os animais fazem refletem seu código genético.” [pág 287]


“Mas a pergunta-chave não é se papagaios e humanos são capazes de agir segundo seus desejos interiores – a questão é, para começar, se podem escolher esses desejos. (...) O que me faz embarcar em um trem de raciocínios e não em outro? Na estação que existe em meu cérebro, posso ser compelido por processos determinísticos a entrar num determinado trem de raciocínio, ou posso embarcar aleatoriamente. Mas não escolho ‘livremente’ os pensamentos (...)” [pág 288]


“Por que me ocorreu este pensamento específico? (...) Se realmente sou o senhor de meus pensamentos e minhas decisões, posso decidir não pensar sobre absolutamente nada durante os próximos sessenta segundos?” [pág 289]


“Experimentos realizados com o Homo sapiens indicam que, assim como os ratos, humanos também podem ser manipulados e que é possível criar ou extinguir sentimentos complexos como amor, raiva, medo e depressão (...)” [pág 290]


“(...) a noção de que você tem seu eu único, e que, portanto, é capaz de distinguir seus desejos autênticos do de outras vozes, é somente mais um mito liberal, desmascarado pela pesquisa científica mais recente.” [pág 294]


“Durante as últimas décadas, contudo, as ciências biológicas chegaram à conclusão de que a história liberal é pura mitologia. O único e autêntico eu é tão real quanto a alma eterna cristã, Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa. Se você olhar profundamente para dentro de si mesmo, a aparente unidade que consideramos óbvia se dissolve numa cacofonia de vozes conflitantes, nenhuma das quais é ‘meu verdadeiro eu’.” [pág 294]


“No entanto, o eu da experiência não se lembra de nada. Não conta histórias e raramente é consultado quando se trata de grandes decisões. Resgatar memórias, contar histórias e tomar grandes decisões são o monopólio de uma entidade muito diferente dentro de nós: o eu da narrativa. Esse eu (...) está eternamente ocupado fantasiando sobre o passado e fazendo planos para o futuro. Como todo jornalista, todo poeta e todo político, o eu da narrativa toma muitos atalhos, não narra tudo e comumente tece uma história apenas com pontos culminantes e os resultados finais.” [pág 298]


“(...)quanto mais nos sacrificamos em benefício de uma história imaginária, mais forte ela se torna, porque desesperadamente queremos dar um sentido ao sacrifício e ao sofrimento que causamos.” [pág 303]


“Sacerdotes descobriram esses princípios há milhares de anos. (...) Se você quiser que as pessoas acreditem em entidades imaginárias como deuses e nações, deve fazer com que sacrifiquem algo valioso. Quanto mais doloroso o sacrifício, maior a crença na existência do imaginário receptor do sacrifício. (...) caso contrário, como desculpar a própria estupidez? (...) A mesma lógica funciona igualmente na esfera econômica.” [pág 305]


“Não são somente os governos que caem nessa armadilha. Corporações de negócios frequentemente enterram milhões em empresas falidas, indivíduos privados agarram-se a casamentos disfuncionais e empregos sem futuro. Para o eu da narrativa, seria preferível continuar a sofrer no futuro para não ter de admitir que o sofrimento no passado foi totalmente destituído de sentido.” [pág 306]


“Vemos, então, que o eu também é uma história imaginária, assim como nações, deuses e dinheiro. Cada um de nós tem um sistema sofisticado que joga fora a maior parte de nossas experiências, guardando apenas algumas amostras selecionadas, misturando-as com fragmentos de filmes a que assistimos, romances que lemos, discursos que ouvimos e de nossos próprios devaneios. De todo esse emaranhado ele tece uma história aparentemente coerente sobre quem sou, de onde venho e para onde estou indo. Essa história me diz o que devo amar, a quem odiar e o que devo fazer comigo mesmo. Essa história pode até fazer com que eu sacrifique minha vida, se é isso que o enredo requer. Todos nós temos nosso gênero de história. (...) Mas, no fim, são apenas histórias.” [pág 307]


“Qual é, então, o sentido da vida? O liberalismo sustenta que não devemos esperar que uma entidade externa nos forneça algum sentido pré-fabricado. Em vez disso, todo eleitor, cliente e observador individual deveria usar seu livre-arbítrio para dar sentido não somente à sua vida, mas a todo o Universo. As ciências biológicas abalaram o liberalismo, alegando que o indivíduo livre é tão somente uma história ficcional fabricada por um conjunto de algoritmos bioquímicos. (...) O eu da narrativa tenta impor ordem a esse caos urdindo uma história interminável. (...) Porém, por mais convincente e tentadora que essa história possa ser, essa história é uma ficção. Cruzados medievais acreditavam que Deus e o céu tinham dado a suas vidas um significado. Liberais modernos acreditam que escolhas livres individuais é que dão sentido à vida. Todos são igualmente delírios.” [pág 307]


“A questão mais importante na economia do século XXI pode bem ser o que fazer com todas as pessoas supérfluas. O que os humanos conscientes farão quando tivermos algoritmos não conscientes e sumamente inteligentes para fazer quase tudo melhor? [pág 321]


“Diz-se com frequência que a arte nos oferece nosso último e definitivo (e exclusivamente humano) santuário. (...) É difícil, porém, conceber um motivo pelo qual a criação artística estaria imune aos logaritmos. (...) Segundo as ciências biológicas, arte é o produto não de algum espírito encantado ou de uma alma metafísica, e sim de algoritmos orgânicos que reconhecem padrões matemáticos.” [pág 327]


“O problema crucial não é criar novos empregos. É criar novos empregos nos quais o desempenho dos humanos seja melhor que o dos algoritmos. (...) Seria extremamente difícil para os humanos controlar um sistema mais esperto que eles mesmo.” [pág 330]


“O movimento ‘Quantified Self’, o ‘Eu quantificado’, alega que o eu consiste em nada mais do que padrões matemáticos. Esses padrões são tão complexos que a mente humana não consegue compreendê-los. Assim, se você quiser seguir o velho adágio e conhecer a si mesmo, não perca tempo em filosofia, meditação ou psicanálise; sistematicamente, colete dados biométricos e deixe que algoritmos os analisem e que lhe digam quem você é e o que deveria fazer. O lema do movimento é “autoconhecimento por meio de números.” [pág 334]

Comentário: isso já ocorre de forma totalmente aceita e disseminada, por exemplo, na medicina e, em grande parte, nos esportes - em que os atletas substituem sua percepção pessoal pela análise de dados fornecidos por medidores de potência, frequencímetros e outros tipos de computadores.


“O liberalismo entrará em colapso no dia em que o sistema me conhecer melhor do que eu mesmo me conheço. O que é menos difícil do que pode parecer, uma vez que a maioria das pessoas não se conhece realmente muito bem.” [pág 342]


“No século XXI há mais probabilidade de que o indivíduo se desintegre suavemente por dentro do que brutalmente esmagado por fora. (...) Nesse processo, será revelado que o indivíduo não é senão uma fantasia religiosa. A realidade será uma malha de algoritmos bioquímicos e eletrônicos, sem fronteiras bem definidas, e sem centros de controle individuais.” [pág 348]


“Mas o que vai acontecer depois que o progresso tecnológico tornar possíveis a reformatação e a reconfiguração dos próprios desejos que alimentamos?” [pág 366]


“A recomendação humanista de ouvir a voz interior arruinou muitas vidas, ao passo que a dosagem certa da substância química certa melhorou significativamente o bem-estar e os relacionamentos de muitos. (...) Em vez de dar ouvidos a essas vozes interiores destrutivas, poderia ser uma boa ideia fazê-las se calar.” [pág 367]


“Exatamente porque a tecnologia está avançando tão rápido, porque parlamentos e ditadores estão tão sobrecarregados de dados que não conseguem processá-los com rapidez suficiente, os políticos da atualidade estão pensando numa escala muito menor que seus predecessores um século atrás. (...) no início do século XXI a política está desprovida de grandes visões. Governar tornou-se meramente administrar. Gerencia-se um país, sem lidera-lo.” [pág 379]


“Há quem acredite que alguém está no comando, afinal. Não políticos democratas ou déspotas autocratas, e sim uma pequena panelinha de bilionários que secretamente governam o mundo. Entretanto, essas teorias da conspiração nunca funcionam porque subestimam a complexidade do sistema.” [pág 386]


“Se o gênero humano é realmente um sistema único de processamento de dados, qual é seu output? Para os dataístas, seria a criação de um sistema de processamento de dados ainda mais eficiente, chamado internet de todas as coisas. Uma vez cumprida essa missão, o Homo sapiens desaparecerá.” [pág 383]


“O Homo sapiens é um algoritmo obsoleto.” [pág 384]


“O indivíduo está se tornando um pequeno chip dentro de um sistema gigantesco que, na realidade, ninguém entende. (...) Esse implacável fluxo de dados desencadeia invenções e rupturas que ninguém planeja, controla ou compreende.” [pág 388]


“À medida que o sistema de processamento de dados se torna onisciente e onipotente, a conexão com o sistema se torna a fonte de todo significado. Humanos querem se fundir no fluxo de dados porque, quando você é parte desse fluxo, você é parte de algo muito maior que você mesmo. (...) De que adianta fazer ou experimentar qualquer coisa se ninguém souber disso, e se isso não contribuir para a troca global de informações?” [pág 388]


“De acordo com o humanismo, as experiências ocorrem dentro de nós e devemos encontrar em nosso interior o significado de tudo o que acontece, impregnando desse modo o Universo de significado. Os dataístas acreditam que experiências não tem valor se não forem compartilhadas e que não precisamos – na verdade não podemos – encontrar significado em nosso interior. [pág 389]


“Para que escrever alguma coisa que mais ninguém vai ler?” [pág 389]


“De onde vêm esses grandes algoritmos? Esse é o mistério do dataísmo. Assim como, de acordo com o cristianismo, nós humanos não somos capazes de compreender Deus e seu plano, da mesma maneira o dataísmo afirma que o cérebro humano não pode abranger os novos senhores algorítmicos. (...) Cada membro entende somente uma parte do quebra cabeça e ninguém entende o algoritmo como um todo.” [pág 395]


“O algoritmo-semente pode de início ser desenvolvido por humanos, aí ele cresce, segue o próprio caminho e vai aonde humanos nunca foram antes – até onde nenhum humano pode segui-lo.” [pág 395]


“(...) a ampliação dos nossos horizontes pode ser um tiro no pé, por nos fazer ficar mais confusos e inativos do que antes. Com tantos cenários e possibilidades, a quais deveríamos prestar atenção? O mundo está mudando com inigualável rapidez e estamos inundados por quantidades impossíveis de dados, de ideias, de promessas e de ameaças.” [pág 398]


“No passado, a censura funcionava bloqueando o fluxo de informação. No século XXI ela o faz inundando as pessoas de informação irrelevante. Não sabemos mais a que prestar atenção e frequentemente passamos o tempo investigando e debatendo questões secundárias. Em tempos antigos ter poder significava ter acesso a dados. Atualmente ter poder significa saber o que ignorar. Assim, de tudo o que acontece em nosso mundo caótico, no que devemos nos concentrar?” [pág 398]


“Esses três processos suscitam três questões-chave (...): 1. Será que os organismos são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? 2. O que é mais valioso – a inteligência ou a consciência? 3. O que vai acontecer à sociedade, aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?” [pág 399]







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Fica aqui o convite aos amigos que se sentirem instigados por essas ideias a expressarem sua opinião a respeito, seja no espaço de comentários abaixo, ou, no melhor dos cenários, num encontro pessoal pra bater um papo sobre esses e outros temas. Vamos lá?








(fonte da imagem: Google)