Tiger 900 Rally Pro

Tiger 900 Rally Pro
Tiger 900 Rally Pro

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Corrida de montanha "Naventura Trail Ouro Fino" 30 k, Campo Largo-PR, 24 Fev 2018





(fotógrafa: Simone Seguro)




Treinar para chegar a uma prova como essa em condições de cumpri-la com certa dignidade e sem sofrer muito é mais ou menos como montar um quebra cabeça. É preciso ir encaixando as peças uma a uma, procurando aqui e acolá, tentando perceber qual das peças espalhadas no tabuleiro vai se encaixar naquele espaço vazio, e assim por diante.

Tudo para, na hora devida, estar com o corpo preparado como que para uma pequena batalha, sem, no entanto, estar cansado. Esse equilíbrio requer certa sabedoria, sobretudo quando se assume a responsabilidade pela fórmula, como venho fazendo há algum tempo. Ou seja, se algo desse errado, tinha que reclamar comigo mesmo...

Nos últimos tempos tenho pensado bastante sobre o que nos faz realmente fortes fisicamente, de tal maneira que sejamos capazes de manter e desenvolver uma capacidade motora que nos possibilite desempenhar algumas tarefas um pouco mais exigentes de vez em quando. De preferência sem grandes mudanças na rotina de treinamento.

Esse é um tema extremamente instigante e desafiador. E nada fácil. Na verdade, os componentes dessa equação são múltiplos e originários de diversos setores. Há o grande conjunto das habilidades propriamente físicas, dentro do qual se encaixam atributos muito além do que apenas força muscular. Cada vez mais estou consciente da importância, por exemplo, da flexibilidade, da consciência corporal e da mecânica dos movimentos, aspectos esses tão ou mais difíceis de serem desenvolvidos ou aprendidos quanto a capacidade mais óbvia de fazer força, ou a igualmente importantíssima capacidade cardiopulmonar.

Há também o grande conjunto das habilidades psicológicas ou emocionais. Ou seja, é preciso ter “cabeça”, como se diz comumente. Manter o "sangue frio" diante de turbulências e um certo distanciamento da realidade em volta fazem parte dessa virtude, além, ainda, de tentar enxergar a situação como se estivesse de um ponto de vista um pouco mais amplo do que esse instável espectro mental.

E, por fim, há o grande conjunto da força anímica, digamos assim. O que pode ser entendido como as razões, motivos e mistérios que nos movem à ação em determinada direção. É, talvez, a força que faz a equação funcionar, unindo e harmonizando as demais.

[Didático demais esse comentário?... Putz, também achei... rsrsrs]

O fato é que cheguei a essa prova tendo feito um pequeno ciclo de treinamento um pouco mais específico de apenas três semanas (além dos trinta anos antes disso... rsrsrs). Nesse curto período dei uma intensificada no volume e tentei intensificar a altimetria dos percursos, buscando também correr mais em ambientes rurais e terrenos acidentados, ao mesmo tempo em que mantive uns treininhos de bike (estrada), uma ou outra sessão de natação, alguns treinos de exercícios funcionais, uma pitada de Pilates, e, eventualmente, uma remadinha, pra mudar um pouco o foco. Será que daria certo?

Essa prova de corrida de montanha no belo Parque Ouro Fino, no município de Campo Largo, nos arredores de Curitiba, prometia ser dura. O prognóstico, em números, era de 30 km de distância, com 1345 m de altimetria acumulada. Ou seja, haveria muita subida!

O dia amanheceu claro e, excepcionalmente, sem previsão de chuva. Às oito horas em ponto foi dada a largada. 












É preciso esclarecer que corridas de montanha como essa não são exatamente uma corrida no sentido tradicional do termo, em que o normal é manter um ritmo estável e civilizado o tempo todo. Aqui a brincadeira se assemelha mais a uma espécie de “rally humano”, em que as dificuldades de progressão fazem parte do show.

Logo no começo, por volta do km 3, demos de cara com uma subida incrivelmente inclinada e intimidadora. Single track por dentro de uma mata fechada, morro acima. Passos curtos e constantes, corpo aquecendo rapidamente, e vamos tocando.












Conquistado o topo desse primeiro grande morro, veio a descida, igualmente inclinada e acidentada. Divertido, mas altamente desgastante. Senti que esses primeiros dez quilômetros deixaram a musculatura bem comprometida. Por diversas vezes senti as pernas darem aquela falhada, ou uma tropeçada numa raiz ou pedra, o que já era um sinal de stress muscular evidente.









Um dos morros do percurso. 
Os pontinhos brancos na encosta são corredores.
Em vermelho, a inclinação.






Mais ou menos do km 11 ao 18 o percurso retornou às estradinhas de terra da região, o que contribuiu pra dar uma refrescada no aperto das trilhas e pra dar uma soltada no ritmo. 












Mas aí veio a temida subida do Morro da Palha. Uma encosta de inclinação super agressiva subindo em direção ao céu. Para se ter uma ideia, o topo desse morro é um tradicional ponto de decolagem de asa delta e paraglyding na região.










Em compensação, a vista lá de cima é belíssima. Enxerga-se um mar de morros estendendo-se no horizonte em todas as direções. Então era preciso descer, e aí veio o sofrimento dos quadríceps e dos joelhos pra frear o peso do corpo e a inércia do movimento, e, em consequência, a importância de usar bem todas as articulações e o relaxamento da musculatura pra amortecer esse esforço.

Por volta do km 23 percebi que estava enfrentando uma espécie de motim do sistema muscular. As pernas se recusavam a obedecer aos comandos mentais (na verdade, não conseguiam). Experimentei fazer pequenas caminhadas pra ver se saía daquele momento ruim, mas também não funcionou muito bem. Senti a respiração e o coração sobrando, e pouco dispostos a mudar um ritmo já confortável só porque as pernocas estavam cansadas.












Usei então uma velha “tática japonesa” de gritar um “bora, porra!” pra mim mesmo (aproveitando que não tinha ninguém em volta), espantei aquele início de revolta interna e voltei a encaixar, na marra, um ritmo relativamente decente.

Assim, meio hipnotizado por esse complexo de emoções e concentração nas passadas, os quilômetros foram passando, e, meio que de repente, estava de volta às bucólicas trilhas do Parque Ouro Fino, indicando que estava próximo do final.

Mais alguns minutos e lá estava o pórtico da linha de chegada, com as pessoas em volta aplaudindo e aquela festa boa de se ver nessas situações.

No final das contas, diria que o “feitiço” até que deu certo mais uma vez. Mas faltou um pouco mais do ingrediente “subidas íngremes” na fórmula do treinamento. Essas coisas não tem mágica nem atalhos. Ou se faz o que é preciso, ou se paga o preço. Essa é a regra do jogo.

Consultando a classificação, descobri que fiquei em 2º/10 na categoria 50-59 anos [14º/ 61 geral]. Pois é, já adentrei nessa nobre faixa etária, porque para fins de classificação nesse critério, as provas esportivas normalmente consideram a idade do atleta até o último dia do ano em questão. Como faço 50 anos em julho, me enquadraram na turma de cima [se fosse na categoria 40-49 anos teria ficado em 3º/19]. 
























Mas, como sempre digo, isso é o de menos. O que realmente importa é entender e fazer funcionar essa mágica equação de (tentar) se fazer forte, e de fazer (bem, tanto quanto possível) aquilo a que nos propomos.

Bom demais!














Tênis utilizado: Salomon LAB - simplesmente fantástico!







Altimetria









Dados da corrida registrados no Garmin Fenix:
o tempo corrido de prova foi de 4h 07 min.
Apesar do GPS não estar em modo de pausa automática,
por diversas vezes ele parou de registrar o movimento,
acredito que devido à velocidade muito baixa de deslocamento
nesses momentos.
Daí a diferença de tempo e distância em ralação
ao efetivamente realizado.
Como se vê, o ganho de altitude registrado foi de 1.521 m
(mais, portanto, do que o previsto pela organização da prova).







P.S.

1) No mesmo evento houve também provas paralelas nas distâncias de 7, 15 e 50 km (esta sim para os fortes!... rsrsrs). Na prova de 50 km, entretanto, houve um problema na marcação do percurso (segundo a organização da prova, foi sabotagem), o que acabou causando o seu cancelamento (uma pena...).


2) Uma outra boa referência de nível de treinamento e condicionamento físico (além do desempenho na prova em si) é o impacto físico sentido no pós-prova. Nesse caso, vale dizer que ainda hoje (quatro dias depois) me lembro vividamente da brincadeira cada vez que vou subir ou descer escada... rsrsrs... Na forma de intensas "reclamações" musculares! Mas faz parte... Fora isso, tudo certo. 


3) Crédito das fotos: fotógrafos "Esporte na Foto", quando indicado. Demais: arquivo pessoal.







"Nada é impossível para o homem arrastado por uma persuasão íntima."

(Chateaubrand, O Gênio do Cristianismo)






Gratidão




Força Sempre








domingo, 25 de fevereiro de 2018

Passeio de moto, Campo Alegre-SC, 17 Fev 2018












Hoje saí pra dar uma voltinha de moto.

Segui sentido sul pela BR 376 até o entroncamento com a PR 281, onde infleti para a direita nessa estrada, na direção da cidadezinha de Tijucas do Sul. Trechinho bastante agradável, com aquele típico pouco movimento desses lugares mais retirados.

Alguns quilômetros adiante peguei uma estradinha de terra à esquerda, na direção geral sul, no sentido de Santa Catarina. Rodei cerca de 40 km nesse caminho de terra, curtindo a pilotagem envolvente desse tipo de terreno e a bucólica paisagem em volta – riozinhos aparecendo de vez em quando, morros e árvores estendendo-se no horizonte, uma ou outra casa de vez em quando.

Fui reencontrar o asfalto na entrada da pequena cidade de Bateias de Baixo, já no estado de SC. De lá, em mais alguns quilômetros estava na simpática Campo Alegre, ponto de passagem do Circuito das Araucárias de Cicloturismo, onde já estive em outras ocasiões, de bike e em passeios com o Troller.

Parei numa mercearia, tomei um caldo de cana, observando o pouco movimento local, e toquei em direção à Serra Dona Francisca, na direção da BR 101. Bacana também percorrer essa estrada, de paralelepípedo no trecho da serra, com muitas curvas e geografia atraente ao redor.

De volta à BR 101 (376) , virei à esquerda e retornei a Curitiba subindo a Serra do Mar em mais um percurso muito legal de pilotar, com curvas de média velocidade, intercaladas com retas e subidas que compõem, em conjunto, um cenário que cai como uma luva à ciclística e à dinâmica do motor boxer da GS. Pura diversão.

Estive pensando, durante esse rápido passeio, sobre a questão da atração que certos objetos tem sobre nós, e sobre o que se diz comumente de que o encanto de querer ter certas coisas se desfaz quando atingimos esse objetivo. Ora, lamento informar aos defensores dessa teoria que o meu caso particular com a GS é uma prova de que estão redondamente enganados.

Alimentei o sonho de ter uma moto dessas por muito tempo antes de “fazer a loucura” de torna-lo realidade. De lá pra cá já se vão mais de sete anos e devo dizer, a esse respeito, que minha satisfação em subir nessa máquina, liga-la e sair pra dar uma voada é tão viva quanto da primeira vez, com o adicional positivo de que, com o passar do tempo, vamos nos tornando cada vez mais íntimos e habituados um com o outro.

Se há algo nessa relação que desejaria que fosse melhor, é apenas o sentimento de que gostaria de estar rodando mais, viajando mais, fazendo mais, mas isso é antes um estímulo do que um pesar. Ainda imagino altas viagens e histórias a serem compostas com essa bela máquina, e, de uma forma que eu próprio talvez não compreenda, esses sonhos sempre tão atuais me mantém com esse gostinho bom de ter boas expetativas e planos para qualquer hora dessas.

Pode parecer besteira, e talvez seja mesmo, mas esses passeiozinhos curtos agregam um valor diferenciado ao dia. Uma vibração boa que ecoa também nos dias seguintes, e se conecta com outras vibrações, que, quando unidas como um quebra cabeça, talvez deem algum sentido ao conjunto como um todo.

Acho que esse tipo de “brincadeira” se assemelha ao papel que a arte exerce em nossas vidas. Não precisamos realmente dessas coisas, no sentido estritamente utilitarista, mas são elas que, no final das contas, nos dão o brilho no olhar, um detalhe apenas num conjunto muito maior de aspectos mais pragmáticos. Mas talvez seja nesse tipo de detalhe que a vida ganhe graça e leveza pra ser tocada adiante.

Bom demais.














P.S

Até entendo e concordo, em parte, com esse discurso de certas linhas de pensamento filosófico de que essa atração pelo mundo material (em que os objetos são o símbolo máximo) só serve para nos aprisionar e causar sofrimento [esse é um dos ensinamentos mais importantes do budismo, por exemplo]. Mas vejo também, por outro lado, que talvez não seja bem assim.

Penso que o mundo material nos serve como plataforma de aprendizado espiritual, e como tal não deve ser simplesmente negado ou visto como um mal em si. O importante, creio, é ter clareza a respeito do valor e do momento de cada coisa, e buscar vive-las com a atenção e a maturidade devidas.

O fato é que somos seres muito peculiares, como que a meio caminho entre uma origem animal e uma essência divina, e essa dicotomia vive a causar esses eternos conflitos entre o que somos e o que gostaríamos de ser.

O meu entendimento da vida é que, infelizmente, não há soluções ou pareceres definitivos e absolutos sobre nada. Não há efetivamente o certo e o errado. O que há são caminhos, opções e possibilidades que vão se delineando e se tecendo umas às outras ao longo do tempo. Quem sabe “um dia” consigamos entender tudo de uma forma mais clara e consistente... Quem sabe um dia possamos olhar para trás e dizer, aliviados: “ah, então isso era assim... Agora entendo!”








O percurso do passeio: voltinha de 260 km






"Felipe lembrou o tapete que Cronsha lhe havia dado,
dizendo-lhe que ele dava uma resposta à sua pergunta
sobre o significado da vida; 
e, subitamente, a resposta lhe ocorreu.
Riu baixinho.

A resposta era óbvia: a vida não tem significado algum,
e o home não serve a fim algum.
É indiferente ele ter nascido ou não ter nascido,
estar vivo ou morto.
A vida é sem significado, e a morte, sem consequência.
O fracasso não tem importância, e o êxito não leva a nada.

Todavia, como no tapete persa, 
o artesão elabora seu desenho sem fim algum senão o prazer de seu senso estético,
assim pode um homem viver a sua vida.
Dos variados acontecimentos de sua existência, 
de seus feitos, sentimentos, pensamentos,
ele pode fazer um desenho, regular, caprichado, complicado e belo.

(William S. Maugham, Servidão Humana










[Cabe um cometário sobre o trecho de Servidão Humana, transcrito acima,
pois pode causar certo choque e imediata discordância.
Eu mesmo não concordo literalmente com as ideias do autor,
mas vistas de um ponto de vista poético, acho-as instigantes.
No final das contas, quem sabe?... rsrsrs]











Gratidão





Força Sempre










domingo, 11 de fevereiro de 2018

Viagem com o Troller pela Estrada Real, Minas Gerais, 29 a 31 Jan 2018










Pelos caminhos da Estrada Real

em parceria com Alexandre de Moraes




Aproveitando que fui a Minas Gerais pra participar da prova de Mountain Bike em Onça de Pitangui (relatada no post anterior), a convite do amigo Alexandre de Moraes, propus a ele reservar uns três ou quatro dias após o evento pra dar uma rodada pelas estradinhas de terra do interior mineiro com o Troller, a fim de curtir um pouco aquele clima rural e o cenário bucólico típico desses lugares.

A proposta foi alegremente recebida e aceita pelo Moraes, que propôs, em contrapartida, que percorrêssemos alguns trechos da Estrada Real próximos a BH. Comentou comigo que um amigo dele estava trabalhando num projeto de criação de um novo caminho, chamado “Caminho Religioso da Estrada Real” (CRER), e que seria interessante fazer esse percurso, que aparentemente atenderia ao que estávamos procurando.










Assim, reunimos as informações disponíveis e no dia seguinte à prova partimos para o nosso passeio, sem saber exatamente o que iríamos encontrar.

O ponto inicial do percurso foi o Santuário Nossa Senhora da Piedade, distante cerca de 100 km de BH. O local, muito bonito, fica no topo de uma imponente montanha com paisagens a perder de vista no horizonte. 












A partir de lá começamos a seguir as indicações do CRER, passando por cidadezinha como Penedia, Caeté, Santa Bárbara e Brumal, indo parar, já no final da tarde, no isolado Santuário do Caraça.












O caminho revelou-se bem o que estávamos querendo: estradinhas de terra divertidas, paisagens campestres extremamente inspiradoras e aqueles vilarejos típicos do interior aparecendo, de vez em quando, ao final de uma subida ou depois de uma curva da estrada.











Mas nos deparamos também com a dificuldade de navegação e deficiência de sinalização do caminho, que prometia estar todo demarcado por totens de concreto com placas indicativas, mas na prática nos vimos, por algumas vezes, no meio do nada, diante de uma bifurcação em que não havia qualquer sinalização, obrigando-nos a decidir pelas evidências da direção geral, ou por qual parecia ser a estrada principal ou até pela pura intuição. Algumas vezes deu certo, outras não (rsrsrs).












Mas mesmo quando “errávamos” o caminho continuávamos a nos divertir com as paisagens e com a dinâmica do Troller enfrentando com desenvoltura as encrencas em que o metíamos. Dentro de um carro, com um belo motor à disposição sob o capô, situações assim não chegam a ser um problema, mas imagino um ciclista ou um caminhante (que são, a rigor, o foco principal do CRER) descobrindo, quilômetros adiante, que tomou o caminho errado numa encruzilhada lá atrás... Não deve ser nada agradável.










No meio da tarde o tempo, que já vinha cinzento desde de manhã, fechou numa chuva intensa e decidida, derrubando galhos, formando fortes corredeiras na estrada e dificultando bastante a visão à frente.






















O Santuário do Caraça, onde pernoitamos nesse dia, é um oásis de tranquilidade e sossego no meio de uma região com densa mata e muitas elevações em volta.

“Situada nos municípios de Catas Altas e Santa Bárbara, com 11.233 hectares, é uma propriedade da Província Brasileira da Congregação da Missão. O Caraça – como comumente é chamado – é um ‘centro de espiritualidade e missão, de cultura e educação, de conservação ambiental, lazer e turismo’”. [transcrito do site: http://www.santuariodocaraca.com.br]



"Aos que chegam:
boas vindas, muita alegria.
Aos que ficam:
paz, saúde e harmonia.
Aos que partem:
boa viagem, com as bênçãos da Virgem Maria.
Você está no célebre Colégio do Caraça.
Casa religiosa. 
Lugar de oração - silêncio - solidão - santidade.
Entre no clima."

(dizeres numa placa, à entrada do Santuário do Caraça)













Tendo sido por muito tempo um renomado colégio de padres, é um local que inspira à introspecção e ao silêncio. Instalamo-nos em um dos quartos do complexo, de cuja janela se enxergava, ao longe, os muitos morros cobertos de densa floresta e nenhum barulho em volta. Puro luxo.











Há um costume por lá de colocar, no começo da noite, pedaços de carne na varanda em frente à igreja, e esperar que o lobo venha degustar o atrativo prato. Acabamos não vendo o comentado evento, mas, como de costume, o tal lobo compareceu à badalada sessão fotográfica, para alegria dos hóspedes presentes.













Tiramos a manhã seguinte pra dar uma caminhada em torno do Santuário e visitar a igreja e o museu. Vimos que há muitas opções de trilhas de caminhada de diversos níveis de dificuldade e distância na região, remetendo à possibilidade de um eventual retorno pra vivenciar especificamente essas oportunidades. 







Santuário do Caraça ao fundo
(Crédito da foto: Moraes)




A arquitetura e acervo artístico local também são dignos de nota e de apreciação. É, enfim, um belo local de visitação e contemplação.




































































Depois do almoço retornamos à estrada. Já na saída tivemos dificuldade em achar o começo do caminho de terra que deveríamos seguir, mas depois de perguntar a um e outro e procurar um pouco, encontramos.

O tempo continuava chuvoso e, com isso, a estrada estava bastante enlameada. Passamos por um antigo aqueduto de pedra, depois ao lado de uma bonita linha de trem e novamente por típicas cidadezinhas do interior, como Catas Altas, ao pé de um belo maciço montanhoso e, logicamente, com uma antiga e imponente igreja no centro.























Uma simpática agência bancária







Na praça central do município de Catas Altas













Seguimos batendo cabeça pra encontrar os totens do CRER, que ora estavam presentes e ora desapareciam. Passamos por uma barragem onde descobrimos que o caminho proposto não dava acesso a carros (obrigando-nos a procurar um caminho alternativo), e logo em seguida pela cidadezinha de Morro D’Água Quente.













Enfrentamos trechos de estrada bem íngremes e um tanto acidentados, nos quais carros comuns talvez tivessem alguma dificuldade em transitar, em particular naquela condição chuvosa. Com o tempo bem fechado, a sensação em certos momentos era de ainda maior isolamento do que talvez fosse na realidade, o que, de certa forma, era bastante sugestivo.












Chegamos ao nosso destino do dia, a famosa Ouro Preto, já no comecinho da noite, debaixo de muita chuva. Sob tráfego intenso e as típicas ruas apertadas da histórica cidade, não foi uma chegada muito tranquila. Pra complicar ainda mais a brincadeira, ao entrar numa ruazinha que dava acesso à pousada em que ficaríamos, demos de cara com uma daquelas descidas de paralelepípedo de inclinação máxima, muito comuns na cidade. Dei uma pisadinha no freio e senti o Troller deslizando fora de controle ladeira abaixo (Pois é, nessas horas faz falta um tal de dispositivo ABS!). Caramba!! Aquela situação não ia terminar bem se não fizesse alguma coisa rapidamente. Com muita calma engatei a primeira marcha e deixei o motor fazer o papel que os freios não estavam dando conta de fazer. Felizmente deu certo. Chegamos inteiros ao final daquele tobogã (e ainda voltei de ré, no modo 4x4 reduzido, até a tal pousada em que deveríamos ficar! Ufa!).








Ouro Preto





O dia seguinte amanheceu igualmente chuvoso e cinzento, complicando um pouco nossos planos de dar uma caminhada pela cidade pra apreciar sua bela arquitetura e muitas e históricas igrejas. Ainda assim, saímos para um rápido passeio a pé, em que pudemos ver um pouco das obras de mestres da arte como o Aleijadinho, além das típicas igrejas que ocupam praticamente cada esquina.















"Aqui jazem os restos do irmão I. F/C.
falecido a 21 de julho de 1880
orai por ele"
Lápide no chão, em frente à porta de uma das igrejas de Ouro Preto













De volta à estrada, encontramos, de cara, um trecho que não pudemos percorrer, através do Parque Estadual Itacolomi, que se encontrava interditado à visitação em função do surto de febre amarela. De nada adiantou argumentar com o rapaz da portaria que éramos vacinados e que estávamos tentando percorrer o CRER, que passava por dentro do parque.

A alternativa foi achar uma outra estradinha de terra que contornava a área interditada. Após algumas idas e vindas e perguntas e respostas a moradores locais achamos a tal estradinha e nos metemos nela. Mas não era bem uma estrada, e sim uma trilha, que se transformou, em poucos metros, numa picada acidentada e fechada. Logo nos deparamos com um obstáculo rochoso em forma de degrau, acrescido de lama, buracos, valas em volta, chuva vindo de cima e nenhum sinal de que qualquer veículo havia passado por ali. Pensamos em voltar, mas “vai que” seja só esse ponto de dificuldade e depois a trilha melhore... rsrsrs (sempre essa inocência perigosa...). 

Fizemos o Troller escalar o degrau, à base de tração 4x4 e marcha reduzida, e seguimos mais alguns metros até nos convencer de que havíamos nos metido numa fria. A trilha se transformava quase num single track, íngreme e acidentado, impossível de prosseguir. Fizemos meia volta, não sem certa dificuldade, e retornamos à estrada principal. Pelo menos a tentativa serviu pra provar as habilidades trogloditas do Troller, e para acrescentar momentos de tensão e diversão ao nosso passeio (rsrsrs).





















Seguimos alternando trechos de asfalto com trechos de terra (ou melhor, lama), tentando nos orientar ora pelos totens, ora pelas indicações da planilha que o amigo do Moraes havia nos passado, ora pelo Google Maps, passando por cidadezinhas perdidas no meio do nada e sempre debaixo de chuva, ora forte, ora moderada.







 Vilarejo no caminho










Em uma das curvas da estrada demos de cara com a visão impressionante da barragem rompida da empresa Samarco, em Mariana, ocorrido em 5 de novembro de 2015. Um cenário de devastação que, sob um céu cinzento carregado de nuvens pareceu ainda mais aterrador. E ali foi só a origem do problema. Imagino a destruição que deve ter sido causada no caminho daquela avalanche de lama e resíduos que assolou todo o vale abaixo! Realmente lamentável!






O local da barragem rompida da empresa Samarco, em Mariana 





O destino proposto do dia era a cidade de Conselheiro Lafayete, onde pensávamos fazer nosso último pernoite para, no dia seguinte, retornar a BH. Acontece que o caminho foi se revelando cada vez mais urbano e menos interessante, alternando muitos trechos de asfalto com poucos de terra (que eram os mais bacanas), além de que estava cada vez mais difícil achar os tais marcos do CRER.











Em uma das tentativas de seguir por um trecho de terra, já próximo a Conselheiro Lafayete, novamente nos vimos numa trilha intransitável naquelas condições, com o Troller deslizando na lama escorregadia, com barrancos perigosos dos lados, buracos, pedras e todo tipo de encrenca. Achamos por bem abortar a tentativa e prosseguir por caminho mais seguro.














Chegando a Conselheiro, no final da tarde, fizemos um estudo de situação do trecho que percorreríamos no dia seguinte, até a cidade de Congonhas (que seria o ponto final do nosso trajeto), e, analisando o que já havíamos feito e a adversidade das condições climáticas disponíveis, achamos que estava de bom tamanho a brincadeira, e decidimos retornar à base (“belzonte”).

No caminho ainda demos uma entradinha em Congonhas pra visitar uma das mais famosas obras de Aleijadinho, “Os doze profetas”, um belo conjunto de esculturas em pedra-sabão feitas entre 1794 e 1804, localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, uma imponente igreja situada no alto de uma elevação de onde se enxerga toda a cidade, formando um cenário inspirador.



























 Obra de Aleijadinho, dentro das capelas 
ao redor do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas













No final das contas, valeu demais o nosso pequeno voo, que nos proporcionou, como recompensa, oportunidades raras e valiosas de sentir o cheiro de mato molhado, de ouvir os riozinhos correndo por debaixo das pontes de madeira, o cantar dos pássaros, o silêncio dos lugares mais isolados, de contemplar o céu carregado de nuvens cinzas, anunciando chuva iminente, de curtir a disposição inabalável do Troller em encarar as adversidades do caminho, de observar o ritmo devagar das cidadezinhas do interior, a simplicidade das pessoas, as paisagens novas e inesperadas se abrindo a cada curva da estrada, e por aí vai.








Marco da Estrada Real






Mas, mais do que isso, essa curta janela de tempo valeu mesmo foi pela oportunidade de convívio com meu grande amigo Moraes, amizade sincera que já conta mais de três décadas de boas histórias, sonhos, alguma ralação nos tempos acadêmicos, algumas dificuldades no caminho da vida e muita afinidade de alma e de assuntos de interesse.







(Crédito da foto: Moraes)




Devíamos viver mais momentos assim, com amigos, em outros lugares e contextos e outras atividades. No fundo, no fundo, somos mesmo seres que se completam nas relações que criamos, nos laços humanos que tecemos, nos caminhos que compartilhamos. As memórias são mais fortes quando podem ser retomadas em conjunto com outrem. Fica aqui, portanto, o convite. Vamos nos conectar, e criar juntos!

Bom demais, meu grande amigo Moraes! Que venham outras!








Assista no link abaixo a um pequeno vídeo com algumas cenas da viagem:









p.s.

1) Acho que a maior dificuldade do passeio ficou por conta da navegação/ orientação no caminho pretendido. Gastamos muita energia, atenção e tempo com esse processo. Reconheço que talvez tenha faltado uma preparação prévia mais cuidadosa nesse sentido, mas também nos falta, como cultura, uma abordagem mais profissional e eficiente nessa área. Lembro que na viagem que fiz às montanhas rochosas, no Canadá, há vinte anos, podia comprar em qualquer lojinha de conveniência mapas cartográficos dos parques nacionais ao redor, com todas as especificações e orientações de inúmeras trilhas nas redondezas. Mapas coloridos, em papel plastificado, com uma impressão de primeira qualidade. Nós, aqui no Brasil, “em pleno século XXI”, continuamos amadores nesse sentido. É verdade que o Google Maps e o GPS e os seus tracklogs fantásticos vieram trazer luz a essa escuridão, mas nem sempre se encontra o que se precisa nesse labirinto de informações, sem falar que a grande maioria dos dados disponíveis é de usuários que os compartilham, e não de órgãos oficiais, que deveriam assumir pelo menos parte da responsabilidade nessa história. 




2) Pelo que entendi, o chamado “Caminho Religioso da Estrada Real (CRER)” é uma nova proposta de percurso rural baseada na Estrada Real, mas não exatamente esse conhecido caminho. Parece que a ideia é dar uma temática religiosa ao roteiro, tornando-o uma rota mais de peregrinação do que propriamente turística. Esse projeto ainda está sendo montado, pelo que vimos por lá, mas seria conveniente deixar claro, na sua proposta, as semelhanças e diferenças para o projeto original da Estrada Real, a fim de não causar confusão entre um e outro.




3) Sobre a fotografia aérea nessa viagem: em duas ocasiões, no Santuário da Piedade e no Santuário do Caraça, ao decolar o drone pra fazer algumas fotos e filmagens aéreas, de imediato apareceu um funcionário do lugar avisando que não era permitido tirar fotos aéreas no local, alegando que era necessário ter autorização da ANAC ou que iria “comprometer a privacidade e sossego” dos demais visitantes. Pra encurtar esse comentário, digo apenas que é lamentável esse tipo de postura restritiva que começa a se criar em torno do voo com drones. É aquele velho conceito de que é mais fácil proibir do que criar normas de convivência que permitam um relacionamento harmônico entre as partes envolvidas. O velho preconceito contra o novo. A velha cultura do “não pode”, ou do “é perigoso”! Mas o tempo e a evolução das coisas haverão de pacificar essa questão. Vamos ver como isso vai amadurecer... Além dessas limitações humanas, teve também as imposições da natureza, em forma da constante chuva que insistiu em cair quase o tempo todo. Por algumas vezes cheguei a preparar pra decolar (e uma vez já estava até voando) e tive que abortar em função do retorno da chuvinha teimosa. Difícil essa brincadeira de fotografia aérea (rsrsrs).








(Crédito da foto: Moraes)







"Damon e Pítias, dois filósofos pitagóricos do tempo do tirano Dionísio,
tornaram-se célebres pela amizade que os ligava.
Condenado à morte, Pítias pediu ao déspota um prazo
para arrumar as coisas de sua família,
e Damon ofereceu-se para morrer no lugar de seu amigo
caso este não voltasse em tempo.
No dia do suplício, Pítias se apresentou.
Dionísio, tocado de tanta mútua lealdade,
indultou o condenado e pediu aos dois amigos
que o aceitassem para formarem, juntos, um grupo de três."

(Petit Larousse Universal)












Gratidão




Força Sempre






Obs:

Todas as fotos: arquivo pessoal (exceto quando indicado o contrário).