3.8 km swim
180 km bike
42.2 km run
O ano de 2008 representou a evolução da fórmula em termos de Ironman. Aproveitando o know how de três anos consecutivos na prova, entrei na brincadeira disposto a algo mais do que apenas chegar bem. Estava realmente com vontade de fazer o melhor tempo, a melhor prova, o melhor de mim. Estava inspirado naqueles dias.
Continuava treinando com a turma do João, a assessoria Zero Meia Um, e esse espírito de equipe também ajudou muito a criar um clima favorável ao desafio de buscar superar limites.
Essa prova marcou também pra mim uma revolução em termos de equipamento de ciclismo. Com muito custo havia conseguido adquirir, alguns meses antes, uma bicicleta específica de triathlon de bom nível - a bela Cérvelo P2C (preta e azul, com detalhes em branco), e estava muito contente em poder pedalar um equipamento bacana.
Deu quase tudo certo na prova. A "zebra" ficou por conta da natação, que teve um rendimento muito abaixo do esperado em função das condições do mar no momento. A etapa do ciclismo rendeu super bem, favorecida certamente pela tecnologia do conjunto bike e rodas de carbono. Na corrida fiz o que pude. Tudo estava indo muito bem até o ponto em que o ritmo deu uma quebrada. Mas resisti, recuperei e ainda fiz o melhor tempo nessa etapa de todas as minhas participações nessa prova.
No final das contas, acabei fazendo também o melhor tempo total de todas as vezes até então (e também seria o melhor das provas que ainda viriam, pelo menos até hoje [risos]).
Certamente é uma história pra relembrar com um discreto sorriso nos lábios...
Tempos da prova:
3,8 km de natação: 1h 27min
180 km de ciclismo: 5h 25min
42,2 km de corrida: 3h 38min
Tempo total: 10h 43min
Abaixo, um texto que escrevi alguns dias depois da prova, contando alguns detalhes da empreitada:
(Curitiba, Janeiro de 2017)
IRONMAN
2008
A
prova
Pra quem queria fazer a
prova em menos de onze horas – como eu queria – sair da água com uma hora e
vinte e sete minutos no cronômetro não foi exatamente entusiasmador. Ok, uma
vez que me entreguei, devo confessar: perdi de vez aquela inocência dos
primeiros tempos em que o mais importante era chegar, sentir-se bem,
divertir-se... Agora o mais importante é chegar, sentir-se bem, divertir-se e
“vencer” o tempo, ser mais rápido, mais forte, mais perfeito, mais
invulnerável! O espírito da “brincadeira” está justamente no limite, na
superação, no rompimento de padrões – de tempo, de capacidade, de domínio...
Fantástico
o envolvimento e o compromisso que um Ironman catalisa. Fantástica essa
capacidade da prova de deslocar o centro de atenção do dia-a-dia... Quem sabe
da própria vida, construída que é em um dia atrás do outro. Fantástica essa
proposta de represar quatro meses de treinamento em um momento: sete horas da
manhã do dia 25 de maio, um domingo.
Dessa
vez não estava frio como nos outros anos. Pelo contrário, estávamos no meio de
um mini verão nas terras catarinenses.
A semana anterior à prova
transcorreu com a correria inevitável dos ajustes finais, da viagem e dos
últimos treinos. Havia cerca de seis semanas encomendara numa loja aqui da
cidade um par de rodas de carbono de competição para a Cervélo P2 (a bicicleta)
– a última palavra em termos de tecnologia de rodas de ciclismo. “Pra variar”,
não chegou a tempo. Pedro, o dono da loja – que havia me garantido que chegaria
“em duas ou três semanas” -, pra minimizar o estrago, se dispôs a me emprestar
as rodas particulares dele, com um detalhe: encomendei rodas tipo clincher, que
usam pneus com câmara, mais tradicionais, e as dele eram do tipo tubular, que
usam pneus sem câmara, colado diretamente no aro. Cada tipo tem suas vantagens
e desvantagens, mas um “problema” do tubular é a troca em caso de furo. No
final das contas o tubular é até um pouco mais “rápido” que o clincher, mas se
furar é bem mais difícil trocar, e, além disso, a troca nunca fica igual ao
original – pra ficar perfeito só trocando numa oficina... Resumindo a história:
troquei as rodas na quinta-feira, véspera de viajar.
Numa
bicicleta vários fatores contribuem para torná-la mais ou menos veloz. Melhor
seria dizer todos os fatores. Desde o tipo do tecido da luva que se usa até o
material de que é feito o quadro. Dois fatores são determinantes: o peso e a
resistência ao vento. Poderíamos dizer, grosso modo, que a bicicleta em si, ou
seja, quadro, guidão e componentes representam apenas a metade do caminho da
equação da velocidade. As rodas são a outra metade. Lógico que outros fatores
também contam muito: como o capacete, a posição do ciclista e, como não poderia
deixar de ser: perna! Força! Watts de potência nos pedais.
As
rodas de competição estavam calçadas com pneus de 19 mm de largura (ainda mais
finos que os de treino), calibrados com 150 libras por polegada
quadrada, o que, somado ao perfil mais alto do aro, deixou a bike mais instável
e agressiva. Era preciso estar cem por cento ligado pra reagir rápido às
empurradas laterais do vento e às reações mais impacientes da máquina às
imperfeições do asfalto.
Mas,
voltando às sete horas do 25 de maio: a entrada na água foi festiva! Uma das
partes mais chatas do treinamento são esses dias finais, em que se reduz demais
o ritmo de treinamento e a ansiedade aumenta na proporção inversa. Nessas
horas, o que a gente mais quer é começar logo.
Diferente
também de outras oportunidades, dessa vez o ritmo encaixou praticamente de
imediato, sem aquela dificuldade inicial... Sinal de bom condicionamento. Mas
havia alguma coisa de estranho... a sensação de tempo dentro d’água fica
completamente modificada em relação à dimensão terrena. Experimente nadar vinte
minutos sem parar numa piscina, e observe como a sensação é de que foi um tempo
muito maior. Estava me sentindo bem na água. Confiante, tranqüilo, adaptado,
mas aquelas bóias estavam demorando pra chegar... Na primeira, quando me dei
por conta, estava a pelo menos 50 metros à direita, já na altura de
contorná-la. Ao terminar a primeira volta, de 2100 metros , olhei pro
relógio e vi que estava com o tempo de 41 minutos e alguma coisa (mais ou menos
dentro do previsto, mas meio alto assim mesmo).
Errei
também a orientação pra segunda bóia grande, também pelo menos uns 50 metros . E na chegada,
onde também havia duas bóias por entre as quais tínhamos que passar, lá estava
eu longe das duas... O resultado foi um decepcionante uma hora e 27 minutos
quando pus o pé na areia e olhei pro relógio – a pior marca de natação dos
quatro Ironman (já cheguei a fazer uma hora e 8 em 2006!...), o que não significa
que estou nadando pior... Depois de terminada a prova o comentário geral foi
com relação às condições difíceis da água. O tempo de todo mundo foi um pouco
ou muito acima da expectativa, devido, segundo os entendidos, às correntes
marítimas do momento. Bem que eu achei que estava demorado demais aquele negócio...
Tempo
da natação à parte, o fato é que ainda tinha muito chão pela frente, e nenhum
tempo a perder. Fiz umas contas rápidas e percebi que o objetivo de concluir em
menos de onze horas ainda era possível, contanto que fizesse tudo direitinho
dali pra frente.
Saí
pro pedal com mais vontade do que o habitual, devido a esse pequeno atraso da
água. E o ritmo também encaixou de imediato. Logo estava rodando do jeito que é
divertido rodar: rápido.
Fechei
a primeira volta de 90 km
em duas horas e quarenta minutos. Em torno de 34 km/h de média. A segunda
volta rendeu tão bem quanto a primeira. A média caiu pouco. Em nenhum momento
senti aquela sensação de que estava ficando pesado. E fechei os 180 km com 33,5 km/h de média. 5
horas e 25 minutos (e, felizmente, nenhum problema com os pneus ou com as
rodas. Pelo contrário: só alegria pedalar com um equipamento de ponta!).
Nesse
ano, montei por conta própria meu “plano de hidratação e suplementação”. E fiz
modificações em relação às outras vezes: no ciclismo não usei power gel (essa foi
a principal mudança). Alimentei-me de pão com queijo, banana in natura, batata
cozida e power bar, alternando essas opções sem uma ordem pré-estabelecida,
sempre a cada meia hora, tentando manter uma certa naturalidade nesse processo.
E gatorade a cada quinze minutos, ou menos, e água de vez em quando. Para a
corrida previ usar apenas power gel, à medida de um a cada 30 a 40 minutos, mais,
logicamente, hidratação com gatorade a cada 2,5 km (nos postos de
hidratação).
Saí
pra correr me sentindo muito bem. Sem nem mesmo aquela costumeira sensação
inicial de travamento das pernas. Nem parecia que tinha uma maratona pela
frente, exatamente às duas horas e quatro minutos da tarde.
Estabeleci
o ritmo constante e firme de menos de cinco minutos por quilômetro logo de
saída. Mais ou menos no quilômetro seis cruzei com o Marne. Conversamos um
pouco sobre como cada um estava, sobre os companheiros da equipe, e, como
estava com uma passada melhor, segui em frente. Cruzei os
primeiros dez quilômetros com 48 minutos e alguma coisa no cronômetro, mesmo
com as temíveis subidas desse trecho. Estava realmente me sentindo muito bem.
Mantive esse ritmo com total domínio da situação até mais ou menos o quilômetro
28 a 30,
quando a “brincadeira” começou a ficar um pouquinho mais difícil.
No quilômetro
32 estava “no inferno”. Havia perdido o ritmo de cinco minutos por quilômetro,
já não estava me sentindo forte nem com domínio de nada. Na realidade cometi um
erro que eu próprio não entendi como, e que cobrou o preço: saí pra correr com
quatro sachês de power gel (um em cada bolso da bermuda e do top), o que seria
(e foi) suficiente até o km 21, onde deveria pegar os outros quatro na sacola
de necessidades especiais a que se tem acesso nesse ponto. Não sei por que não
peguei os power gel no ponto de acesso da tal sacola. Acho que, em parte porque
estava me sentindo muito bem (estava mesmo quase eufórico), e em parte porque o
staff não estava com a minha sacola na mão quando eu passei, e acho que não
quis parar pra pedir que procurassem o meu número... O fato é que usei três
sachezinhos daqueles até o 21, e daí pra frente mais nenhum. A situação ficou
difícil.
No
km 34 estava com as luzes vermelhas piscando e alarmes soando nos meus
controles internos. Será que eu ia quebrar faltando tão pouco? Tomei o power
gel que me restava, meio a força, porque já não estava com vontade de tomar
nada, e “güentei firme”. Funcionou. Recuperei! No 36 estava melhor, voltando a
desenvolver e com um pouco mais de ânimo. No 39 alcancei a Tati (da categoria
40-44 anos), nossa companheira de equipe, que fez vários treinos com a gente, e
fomos nos revezando e dando força um pro outro até o final.
E
assim foi que me vi nos cinqüenta metros finais, a Mari e a Thaís de mãos dadas
comigo, cruzando o pórtico de chegada, com o relógio marcando 10 horas e 43
minutos (3 horas e 38 minutos na maratona).
Fantástico!
Exausto, mas absolutamente realizado neste aspecto.
Concluir
uma prova dessas é fechar uma etapa. Lógico que depois de tanta concentração e
dedicação a gente corre o risco de achar o dia-a-dia meio sem graça... mas esse
ligeiro descompasso também faz parte do processo. Exatamente como escalar: o
cume é o clímax. Mas a vida tem que continuar depois disso. É preciso
desescalar e voltar ao vale. É lógico também que sempre haverá outros cumes a
serem conquistados. E essa é a graça da brincadeira.
É isso. Para sempre forte.
Obs: Dos
mais de 1200 atletas de 44 diferentes países que largaram, fui o 719º a sair da
água. No ciclismo fiz o 242º melhor tempo. A corrida foi a 118º melhor. A classificação
geral final foi 208º (de 1182 que chegaram em até 17 horas). Na categoria 35-39
anos masculina fui o 56º (de 253).
(Brasília, 1º de junho de 2008)
Turminha dura na queda da Zero Meia Um -
Marne, Gilson, Toígo e o coach João Carlos
(com os filhos do Marne e a Thaís ali no meio)
Minha torcedora mais fiel, um pouco antes da largada
Momentos antes da largada
Foi!!
Saindo para o passeio de bike
Corridinha pra fechar a brincadeira
Feito!
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