Essa viagem nasceu de um convite do amigo Manoel Morgado, com quem havia feito o trekking ao Campo Base do Everest em 1996.
Ele foi o mentor e realizador dessa expedição, chamada de "I Travessia Fleury Atlântico ao Pacífico" - Fleury era o nome da empresa (laboratório farmacêutico) que patrocinou a viagem. A ideia era percorrer o trajeto entre Santos, em São Paulo, e Viña del Mar, no Chile, em diversas etapas de multi esportes - ciclismo, remo (caiaque duplo) e correndo. Pra isso ele convidou o experiente triatleta Romualdo Kubiak, que se dispôs a acompanha-lo no desafio. Eu entrei de convidado, apenas para o trecho entre Curitiba e Porto Alegre de bike. Os dois vieram de São Paulo, passaram por Curitiba, pedalamos juntos até Porto Alegre, e a partir de lá eles começaram a etapa de 400 km de remo na Lagos dos Patos, e eu voltei pra casa.
Os dias que passamos juntos foram muito divertidos, ainda que bastante duros. Acompanhando a equipe havia um carro de apoio - uma caminhonete Mitsubishi, conduzida pelo nosso fiel escudeiro Dedé Ramos. Com isso toda nossa bagagem ia no carro. Utilizamos bicicletas de estrada e fizemos todo o percurso pelo asfalto (acostamento das estradas, onde havia acostamento).
Essas foram as pernadas que fizemos:
1º dia: de Curitiba a Barra Velha - 186 km
2º dia: de Barra Velha a Florianópolis - 150 km
3º dia: de Florianópolis a Imbituba - 83 km
4º dia: de Imbituba a Araranguá - 130 km
5º dia: de Araranguá a Cidreira - 178 km
6º dia: de Cidreira a Porto Alegre - 124 km
Total pedalado: 850 km
(Curitiba, fevereiro de 2017)
Saída de casa, em Curitiba - Romualdo Kubiak, eu, Manoel Morgado
e nosso motorista, Dedé Ramos.
Os equipamentos.
O trio, sob chuva, gostando da brincadeira
Trecho do álbum original:
"No terceiro dia o tempo fechou geral: chuva de todos os lados, frio, estrada ruim, tráfego intenso de caminhões... O dia rendeu um pneu furado da bicicleta do Kubi (o único da viagem) e um pequeno acidente entre o Manoel e o Kubi, uma queda sem maiores consequências, mas que nos indicou que "a maré não estava pra peixe", o que nos fez decidir terminar o dia mais cedo, parando em Imbituba, com 80 km pedalados."
Conserto de um pneu furado.
Dia de chuva e frio.
Parada pra chupar umas tangerinas.
A pitoresca forma de amarrar as frutas.
Em algum lugar no Rio Grande do Sul.
Trecho do álbum original:
"Quinto dia de viagem: no trecho mais bonito daqueles dias, com estradas boas, ciclovia (!!!), tráfego razoável, simpáticas barraquinhas de guloseimas gauchescas, tempo bom... Quase perfeito, não é?... E um agressivo vento meio de lado, meio contra..."
P.S:
1) Alguns dias depois, durante a parte da remada em caiaque oceânico duplo pela Lagoa dos Patos, o Manoel e o Kubi se desentenderam, e o Kubi resolveu abandonar a expedição. O Manoel seguiu sozinho, com o carro de apoio e o motorista. A etapa seguinte previa correr 20 maratonas em 20 dias seguidos, cruzando a Argentina em direção ao Chile, mas após alguns dias o Manoel teve problemas de lesões decorrentes do esforço, e teve que ficar alguns dias se recuperando. Após isso resolveu continuar pedalando. No caminho ainda escalou o Aconcágua, e, conforme a proposta da expedição, chegou a Viña del Mar, no Oceano Pacífico, pedalando, algumas semanas mais tarde.
2) Apresentação:
ROMUALDO KUBIAK
"Triatleta de 55 anos de idade [na época dessa viagem], iniciou sua vida no esporte e nas competições aos 40 anos, quando aprendeu a nadar e começou a participar de provas de águas abertas, sendo que a distância mais longa foi percorrida no Rio Paraná, em 1991, no total de 70 km, que completou em pouco mais de 10 horas, sendo, aos 44 anos, o nadador mais velho entre os 25 participantes.
Nesse mesmo ano (1991) descobriu o triathlon, comprou sua primeira bicicleta de competição e começou a pedalar e a correr e, mesmo sem orientação técnica, obteve, desde o início, excelentes resultados.
Após muitas vitórias em provas de triathlon de curta e média distância, concluiu, aos 50 anos, o seu primeiro Ironman, a prova mais longa desse esporte, com 3,8 km de natação. 180 km de ciclismo e 42 km de corrida, tendo completado todas as oito provas das quais participou, obtendo o primeiro lugar em três delas.
Detém o melhor tempo (10 horas e 57 minutos) e a melhor colocação entre todos os brasileiros acima de 50 anos que já participaram do Ironman do Havaí, o Campeonato Mundial desse tipo de prova, que já está em sua vigésima terceira edição."
[O Kubi foi uma verdadeira inspiração para a minha intensa dedicação ao triathlon e ao Ironman, nos anos seguintes.]
Trechos do diário de bordo do Manoel, publicado no seu blog à época:
"21 de setembro - de Curitiba a Florianópolis
Esses dois últimos dias foram longos e difíceis, mas muito gostosos. Agora estamos em três ciclistas e isso ajuda um pouco, pois o rodízio de quem vai na frente é dividido por três, com mais tempo de descanso para cada um. Além disso, a companhia do Assis foi super bem vinda.
A saída de Curitiba foi tensa, como estão sendo todos os trechos dentro de cidades grandes. Depois disso a estrada estava boa e seguimos com relativa facilidade até a descida da serra. Muitas subidas e descidas, mas nada muito difícil. Veio então a descida para o litoral e pudemos curtir 25 km de muita velocidade e adrenalina. A média horária na descida foi de 66 km/ hora!
Apesar de nada de errado ter ocorrido, sabíamos que um pneu furado nesta velocidade poderia significar um acidente muito sério. Depois de dias sendo os veículos mais lentos da estrada, finalmente estávamos ultrapassando os caminhões mais lentos. Esse dia foi extremamente longo. Acabamos fazendo 185 km, a mais longa distância de bike da minha vida. Mesmo nos treinos mais longos na Rodovia dos Bandeirantes não fizemos mais do que 180 km.
Dormimos em Barra Velha, uma pequena cidade de praia no litoral de Santa Catarina, em um bom hotel, como prêmio ela longa jornada do dia.
À noite testei pela primeira vez o nosso telefone por satélite Globalstar, falando com a Celma, e ele funcionou perfeitamente. Ele será muito importante na Lagoa dos Patos para podermos nos comunicar com o carro de apoio para combinar o encontro, para pegar mais mantimentos. Também é de importância fundamental para nossa segurança em caso de emergência, pois não há outro meio de comunicação no lado leste da lagoa.
No dia seguinte seguimos por mais 150 km até Florianópolis, onde ficamos na casa de um outro amigo, o Clóvis, que se mudou pra cá há seis meses vindo de São Paulo. Desde o começo do dia pegamos chuva, e o que é pior, a previsão é de chuva até Porto Alegre. Apesar disso o dia foi tranquilo com estrada plana e vento, pela primeira vez, a favor.
A chegada em Florianópolis foi muito emocionante pra mim, já que passei muitas férias aqui, na minha adolescência, quando meu pai morava aqui. Apesar de muito ter mudado nesse anos, ainda reconheço muitos lugares na cidade, e passar ao lado da ponte Hercílio Luz foi um prêmio após dois dias de pedal forte. E, nessa nossa aventura, vencer cada etapa é o maior dos prêmios."
"24 de setembro - de Florianópolis a Porto Alegre, final da primeira etapa
Escrevo esse boletim do hotel em Porto Alegre aonde chegamos a poucas horas. Foi muito emocionante pra mim chegar no Gasômetro, área do porto que foi transformada em área de lazer. Em fevereiro, voltando do Aconcágua, vim a Porto Alegre pra obter informações sobre a Lagoa dos Patos, e perguntando para os amigos aqui, me disseram que o Gasômetro seria o local ideal para a chegada em Porto Alegre e também saída para a parte do caiaque.
Hoje, muitos meses depois, muitos treinos, muito trabalho de organização, muitas alegrias, estou novamente aqui depois de ter cumprido a primeira etapa da travessia, de São Paulo a Porto Alegre de bicicleta, exatos 1256 km de muita diversão, mas também de muito esforço, muita dor e muito vento contra.
Então, vou contar um pouco como foram esses quatro últimos dias de Florianópolis até aqui.
Saímos de Florianópolis com chuva e frio depois de uma noite gelada. A previsão dizia que iria chegar a 3 graus à noite e a impressão que deu é que realmente fez isso mesmo. A estrada piorou muito e entrou um vento sul que iria nos acompanhar até Porto Alegre. Nesse dia ele estava particularmente forte. Nós, que vínhamos fazendo uma média de 29 km/h sem muito esforço, lutávamos para manter 23.
As descidas eram como retas, as retas como subidas e as subidas eram como um suplício. A estrada virou pista única e o acostamento era extremamente irregular, deixando a pedalada ainda mais pesada.
Pela primeira vez senti realmente que precisava de toda minha disposição e garra pra continuar pedalando e não querer parar e esperar até que as condições melhorassem. Ali estava a diferença entre uma viagem de bicicleta e um desafio. Tínhamos um cronograma a seguir, uma data pra chegar em Porto Alegre e uma meta de 150 km por dia. Não queríamos quebrar isso na primeira dificuldade, mas a tentação foi muito forte. E resistimos.
Após o almoço foi ainda mais difícil sair do restaurante debaixo de um super toró e seguir pedalando. Desde que começamos o dia, sabíamos que não conseguiríamos cumprir os 150 km e que teríamos que compensar nos dias seguintes, mas fizemos o máximo que conseguimos.
Devido ao frio que congelava as mãos e prejudicava nossa concentração eu acabei batendo na roda traseira da bici do Assis e caí, levando comigo o Kubi, que estava logo atrás. Por sorte não vinha nenhum caminhão ou carro atrás de mim! Ralei-me um pouco e o Kubi também. mas nada sério, apenas um aviso de que a situação estava realmente crítica. Às 16:30, encharcados, exaustos e gelados, resolvemos parar. Tínhamos feito apenas 83 km.
No dia seguinte o tempo estava lindo, um céu azul sem uma nuvem, um típico dia de inverno, mas o vento continuava o mesmo, forte e contra. Seguimos pedalando o dia todo sempre com um grande esforço, mas sem a chuva e sem o frio conseguimos fazer 130 km. Psicologicamente estávamos testando toda nossa determinação.
A próxima etapa foi muito mais fácil, pois a estrada melhorou muito. Atravessamos a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul e saímos da BR 101 e pegamos a estrada inter praias, que liga Torres a Cidreira. Bom acostamento, sem caminhões e creio que também já estávamos mais acostumados com o vento e com a média horária baixa. Também a paisagem melhorou bastante e com isso o dia passou muito mais tranquilo. Eu também tinha uma grande motivação extra, a Celina estava em Tramandaí, me esperando pra passar três dias comigo. Fizemos 178 km e o moral subiu consideravelmente. Com exceção de dois pneus furados na bici do Kubi nada de mau aconteceu.
Dormimos em Cidreira, uma gostosa cidadezinha de praia, e hoje tivemos um dia curto, de apenas 119 km, e estávamos na frente do Rio Guaíba, prontos pra começar a próxima etapa. Ou quase prontos, pois ao checar o caiaque descobrimos duas rachaduras no casco, devido ao transporte no carro. Essa era uma preocupação que tínhamos desde o começo, pois o caiaque tem um pouco mais de seis metros de cumprimento e o apoio no carro é razoavelmente pequeno. Ficamos um pouco chateados, mas acho que esse tipo de coisa é quase esperado em um projeto dessa envergadura.
Vamos levar agora o caiaque pra consertar e esperamos poder estar na água dentro de dois dias. Vamos aproveitar esse tempo pra organizar os mantimentos e fazer uma pequena viagem de reconhecimento até mostardas, uma pequena cidade às margens da Lagoa dos Patos, que usaremos como apoio na viagem de caiaque. Então teremos três noites na mesma cama, o que é uma coisa rara nessa travessia. Uma parada até que bem vinda.
Porto Alegre mara então o fim da primeira etapa e o começo da parte mais desconhecida pra nós. Nem eu nem o Kubi temos grande experiência em caiaque oceânico e isso torna a próxima parte da travessia uma aventura ainda mais saborosa. Mal posso esperar pra começar!"
"24 de setembro - de Florianópolis a Porto Alegre, final da primeira etapa
Escrevo esse boletim do hotel em Porto Alegre aonde chegamos a poucas horas. Foi muito emocionante pra mim chegar no Gasômetro, área do porto que foi transformada em área de lazer. Em fevereiro, voltando do Aconcágua, vim a Porto Alegre pra obter informações sobre a Lagoa dos Patos, e perguntando para os amigos aqui, me disseram que o Gasômetro seria o local ideal para a chegada em Porto Alegre e também saída para a parte do caiaque.
Hoje, muitos meses depois, muitos treinos, muito trabalho de organização, muitas alegrias, estou novamente aqui depois de ter cumprido a primeira etapa da travessia, de São Paulo a Porto Alegre de bicicleta, exatos 1256 km de muita diversão, mas também de muito esforço, muita dor e muito vento contra.
Então, vou contar um pouco como foram esses quatro últimos dias de Florianópolis até aqui.
Saímos de Florianópolis com chuva e frio depois de uma noite gelada. A previsão dizia que iria chegar a 3 graus à noite e a impressão que deu é que realmente fez isso mesmo. A estrada piorou muito e entrou um vento sul que iria nos acompanhar até Porto Alegre. Nesse dia ele estava particularmente forte. Nós, que vínhamos fazendo uma média de 29 km/h sem muito esforço, lutávamos para manter 23.
As descidas eram como retas, as retas como subidas e as subidas eram como um suplício. A estrada virou pista única e o acostamento era extremamente irregular, deixando a pedalada ainda mais pesada.
Pela primeira vez senti realmente que precisava de toda minha disposição e garra pra continuar pedalando e não querer parar e esperar até que as condições melhorassem. Ali estava a diferença entre uma viagem de bicicleta e um desafio. Tínhamos um cronograma a seguir, uma data pra chegar em Porto Alegre e uma meta de 150 km por dia. Não queríamos quebrar isso na primeira dificuldade, mas a tentação foi muito forte. E resistimos.
Após o almoço foi ainda mais difícil sair do restaurante debaixo de um super toró e seguir pedalando. Desde que começamos o dia, sabíamos que não conseguiríamos cumprir os 150 km e que teríamos que compensar nos dias seguintes, mas fizemos o máximo que conseguimos.
Devido ao frio que congelava as mãos e prejudicava nossa concentração eu acabei batendo na roda traseira da bici do Assis e caí, levando comigo o Kubi, que estava logo atrás. Por sorte não vinha nenhum caminhão ou carro atrás de mim! Ralei-me um pouco e o Kubi também. mas nada sério, apenas um aviso de que a situação estava realmente crítica. Às 16:30, encharcados, exaustos e gelados, resolvemos parar. Tínhamos feito apenas 83 km.
No dia seguinte o tempo estava lindo, um céu azul sem uma nuvem, um típico dia de inverno, mas o vento continuava o mesmo, forte e contra. Seguimos pedalando o dia todo sempre com um grande esforço, mas sem a chuva e sem o frio conseguimos fazer 130 km. Psicologicamente estávamos testando toda nossa determinação.
A próxima etapa foi muito mais fácil, pois a estrada melhorou muito. Atravessamos a divisa de Santa Catarina com o Rio Grande do Sul e saímos da BR 101 e pegamos a estrada inter praias, que liga Torres a Cidreira. Bom acostamento, sem caminhões e creio que também já estávamos mais acostumados com o vento e com a média horária baixa. Também a paisagem melhorou bastante e com isso o dia passou muito mais tranquilo. Eu também tinha uma grande motivação extra, a Celina estava em Tramandaí, me esperando pra passar três dias comigo. Fizemos 178 km e o moral subiu consideravelmente. Com exceção de dois pneus furados na bici do Kubi nada de mau aconteceu.
Dormimos em Cidreira, uma gostosa cidadezinha de praia, e hoje tivemos um dia curto, de apenas 119 km, e estávamos na frente do Rio Guaíba, prontos pra começar a próxima etapa. Ou quase prontos, pois ao checar o caiaque descobrimos duas rachaduras no casco, devido ao transporte no carro. Essa era uma preocupação que tínhamos desde o começo, pois o caiaque tem um pouco mais de seis metros de cumprimento e o apoio no carro é razoavelmente pequeno. Ficamos um pouco chateados, mas acho que esse tipo de coisa é quase esperado em um projeto dessa envergadura.
Vamos levar agora o caiaque pra consertar e esperamos poder estar na água dentro de dois dias. Vamos aproveitar esse tempo pra organizar os mantimentos e fazer uma pequena viagem de reconhecimento até mostardas, uma pequena cidade às margens da Lagoa dos Patos, que usaremos como apoio na viagem de caiaque. Então teremos três noites na mesma cama, o que é uma coisa rara nessa travessia. Uma parada até que bem vinda.
Porto Alegre mara então o fim da primeira etapa e o começo da parte mais desconhecida pra nós. Nem eu nem o Kubi temos grande experiência em caiaque oceânico e isso torna a próxima parte da travessia uma aventura ainda mais saborosa. Mal posso esperar pra começar!"
Gratidão
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