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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Maratona off road “1ª Maratona de Aventura da Serra Catarinense” – Urubici/SC - 31 Ago 2014





1ª Maratona de Aventura Serra Catarinense

     Muitos bilhões de anos depois do Big Bang esse ser humano aqui acorda às quinze pras cinco da manhã de um domingo num quarto de uma pousada na cidade de Urubici, em Santa Catarina, onde estou pra correr a assim chamada "Primeira Maratona de Aventura da Serra Catarinense", dali a poucas horas. Levanto meio sonolento e vou ao banheiro escovar os dentes, quando ouço um barulhinho no telhado que me dá uma pontada no coração (!!!) - chuva. A gente se inscreve pra uma prova como essa meses antes, e dentre tantas variáveis, o tempo, definitivamente, é uma grande e imprevisível loteria. Fazer o que?
     Vale lembrar que Urubici é nacionalmente conhecida por ser a cidade mais fria do país. Hummmmm... Uma maratona ao estilo corrida de montanha pra correr com chuva e frio com certeza não é uma combinação auspiciosa. Mas, como diz o ditado gaúcho: “não tá morto quem peleia, tchê!” Muita calma nessa hora.
     Como alguma coisa a título de desjejum e vou caminhando (debaixo de chuva, no escuro) ao local marcado pra pegar o ônibus. Lá estavam os demais malucos reunidos pra brincadeira - não mais do que uns quarenta. Todos com aquela cara de "putz, que encrenca..."
     O camarada da organização pede a palavra e faz alguns rápidos comentários sobre a prova, começando por afirmar que a prova não seria cancelada (parece que havia a esperança dessa saída honrosa no ar), e em seguida diz algo como: "não vou desejar boa sorte pra vocês porque quem treinou, treinou, quem não treinou não vai adiantar ter sorte." Pode parecer meio antipático, mas gostei desse cara! Curto e grosso. É isso aí! Nada de chororô.  Se não fez o dever de casa, agora vá lá fora arcar com as consequências!...
     Aí seguiu-se cerca de uma hora e meia de uma tediosa viagem de ônibus até o local da largada, e lá chegando, alguns minutinhos de ajuste do equipamento. Descubro então que a minha bolsa de água está vazando, além de ter sumido a pontinha do canudo que permitiria controlar o fluxo da água. Considerando o clima lá fora, acho que falta de água não vai ser um problema, e não dou muita bola pra esses detalhes. Mas, ainda assim, cato uma garrafa vazia de gatorade que estava jogada por ali, encho até a metade de água e jogo na mochilinha (vai que...).





     Uma das questões complicadas nessas situações é decidir como se equipar. Dentre várias possibilidades, decido correr com uma bermuda de lycra (do triathlon), polainas de compressão, calça de corrida de lycra (por cima de tudo - uma combinação inédita, mas a situação estava realmente crítica!), tênis, meia e duas camisas (uma das quais de manga comprida) desses tecidos tecnológicos que prometem maravilhas (além de boné e uma bandana nas orelhas), mais uma jaqueta de goretex que saquei da minha jaqueta de motociclismo, e como tal, não era exatamente feita pra correr, mas naquelas condições isso não era muito relevante.




     Às oito e meia alguém gritou um "três, dois, um, vai" debaixo de chuva e um bando de gente agasalhada e encapuzada até a alma saiu correndo feito autômato. Seja o que Deus quiser!... Nessas horas o melhor é mesmo começar o quanto antes.
     O começo é daquele jeito... Aquela sensação de que "esse negócio não vai dar certo". Mas aí penso: "estou bem alimentado, bem dormido, quase até bem treinado, e há fartura de oxigênio no ar... O que pode dar errado?" A rigor, talvez a questão não fosse exatamente essa e um monte de coisas poderia dar errado, mas não queria pensar nisso naquela hora.




     Sei que lá por dentro meus músculos, coração, pulmões, células, de alguma forma estão mais ou menos acostumados com o que está por vir, e eles vão achar o caminho pra gente fazer o que veio fazer aqui. Pelo menos assim espero.
     Lá pelo quilômetro dez, milagrosamente, parece que a chuva deu uma trégua, e começo a sentir que a jaqueta de goretex tá me esquentando demais. Então a tiro e a coloco na mochilinha de hidratação.




     O que me motivou a vir fazer essa prova foi a expectativa de uma paisagem muito bonita. Com a chuva e o tempo cinzento grande parte dessa promessa se viu comprometida. Mas é preciso ter olhos pra enxergar. E às vezes é bom flexibilizar um pouco nossos conceitos padronizados de beleza. O fato é que, mesmo debaixo de um tempo mal humorado, a paisagem e o ambiente à nossa volta era muito especial. Aquele clima bucólico, um tanto desolador, agravado por aquela paz típica de uma manhã chuvosa de domingo, o barulhinho da água correndo de inúmeros córregos e encostas dos morros, e o som ritmado dos passos na estrada de terra... Muito bacana.




     Vamos correndinho, bem espaçados uns dos outros, já que a densidade demográfica de corredores era bem pequena. O caminho era basicamente uma estrada de terra, pedra e lama que insistia em ficar subindo e descendo os infinitos morros do caminho.
     A certa altura passa por mim um camarada numa dessas "motinhas pau velho", com uma dessas cestas amarradas atrás... Um trabalhador de algum sítio da região. E fico pensando se eu teria o mesmo despendimento pra colocar a minha big trail numa estradinha "ensaboada" como aquela.




     Em certos trechos a lama era tanta que nem as travas super-hiper-mega-plus aderentes do meu Salomon Speedcross davam jeito de segurar os escorregões e quase tombos, mas vamos tocando.





     Lá pelo quilômetro vinte e poucos, num trecho em que já estava bem sozinho (não havia ninguém no meu campo visual nem à frente, nem atrás), dou de cara com um touro dono de enormes chifres e cara de muito poucos amigos naquele andar meio assustado em minha direção... Hummmmm... Ok, a lógica é ele estar mais assustado comigo do que eu com ele. Por via das dúvidas já bolo uma rota de fuga por cima da cerca ao lado e continuo em frente. Felizmente o bichinho resolveu correr pro outro lado e eu não precisei fazer uso das minhas habilidades de pular cercas em desabalada carreira.





     No quilômetro vinte e cinco começou uma sequência de subidas íngremes e longas que colocou à prova toda aquela imagem que todo bom corredor busca construir de si próprio. Ok, sem problemas, é só continuar correndinho, devagar e sempre, um pezinho depois do outro...





     Acho que correr é estar sempre à busca de um estado de equilíbrio e de força que, a rigor, nunca se encontra. É preciso ser pelo menos um pouco otimista pra ser um bom corredor. Devo confessar que às vezes me passa pela cabeça o devaneio de correr sem me cansar, ou, dito de uma melhor forma, sem ansiedade, sem pressa de chegar, de sensação de esforço extremo. Esse é o "Santo Graal" do corredor. Um objetivo inerentemente inalcançável, mas necessário.



     E com esses pensamentos em mente vou eu correndo por morros e horizontes cada vez mais isolados e desolados, cada vez mais sozinho, mais cansado, e, agora, com um vento frio cortando as orelhas e gelando tudo. Mas já estou nos trinta e poucos, e, embora procure focar na respiração e em correr sem ansiedade de chegar logo, é bom estar cada vez mais próximo da chegada.




     Penso ainda que, nesse tipo de corrida, não se pode mesmo ter pena de si próprio. Aquele sentimento de "oh, que sofrido, tadinho de mim!..." Atitude e cabeça é tudo em corridas difíceis como essa.




     Quem olha de fora costuma pensar que o corredor "gosta de sofrer". Mas não é isso... Pelo menos não deve ser isso... Eu acho. A questão é que o sofrimento entra num contexto muito relativo. Ok, chega uma hora em que parece que tudo dói, em que as pernas não querem mais obedecer aos comandos da cabeça, mas mesmo nessa fase há também o prazer contraposto da respiração trabalhando com a sua melhor intensidade, de um sentimento de êxtase generalizado decorrente da "festa bioquímica" dentro do organismo, do puro prazer de estar fazendo algo movido pela mais pura força de vontade, pelo mais desnecessário dos motivos. Isso é sofrimento ou prazer?...




     No quilômetro trinta e nove parece que cheguei ao ponto mais alto da região! Não há mais morros a subir à vista. Tudo em volta é um horizonte de colinas e platôs a perder de vista. Sob os pés uma estrada de pura pedra, fazendo com que cada passo seja um ato de equilíbrio dinâmico. O céu continua cinza e o frio voltou a incomodar. A partir dali começa uma descida vertiginosa, que, antes de representar alívio, devido à acentuada inclinação, causa ainda mais dor muscular.




     Avisto a chegada do alto. Uma casa à beira da estrada com alguns carros e pessoas em volta. Vou chegando devagarinho. Morto de cansado, mas sentindo-me vivo com nunca. Quatro horas e quinze minutos depois da largada passo a linha de chegada e as poucas pessoas em volta batem palmas e me cumprimentam. Simples assim. Que posso eu querer mais da vida, pelo menos por hoje?














** Terminada a prova, vejo que fui o quarto corredor a chegar, e embora conceitualmente esse tipo de classificação seja muito relativa, é sempre bacaninha se sentir bem no “contexto”.


** A viagem de ida e volta entre Curitiba e Urubici, com uma pequena extensão a Porto Alegre após a prova, foi feita com a GS.



































Gratidão.


Força Sempre




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