A viagem à Nova Zelândia, em janeiro de 1999, foi muito especial sob diversos aspectos. Em particular, pela fase da vida que vivia. Havia acabado de passar dois anos servindo em Boa Vista-RR, e estava indo, naquele ano, cursar a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais no Rio de Janeiro.
Havia me casado recentemente, em novembro do ano anterior, e a Mari estava, nessa época, em Cuba, realizando um curso de mestrado programado havia já algum tempo. Ou seja, era uma fase de mudanças e novos desafios.
Eu estava entusiasmado com a recente viagem de bicicleta no Canadá (em agosto de 1998), e estava numa vibração boa de um certo "senso de urgência" com relação às minhas ideias e projetos.
A viagem em si também foi muito marcante. A Nova Zelândia tem um "astral" muito bacana, e é muito bonito, muito instigante. Me senti muito bem lá. O fato de estar sozinho também foi muito bom. Serviu pra eu ficar à vontade, pra fazer o meu ritmo, pra esquecer dos "perrengues" que me esperavam na volta ao Brasil, algumas semanas adiante, etc.
Diferente da viagem anterior (ao Canadá), no entanto, dessa vez o "formato" foi outro: em vez de alugar a bicicleta, comprei uma lá e, ao final, trouxe-a para o Brasil. Nessa viagem a exigência física também foi bem maior, fazendo com que eu tivesse que tirar forças do nada pra compensar a falta de preparo e de traquejo com a bike, consequência de dois anos praticamente sem pedalar em Boa Vista.
Diferente da viagem anterior (ao Canadá), no entanto, dessa vez o "formato" foi outro: em vez de alugar a bicicleta, comprei uma lá e, ao final, trouxe-a para o Brasil. Nessa viagem a exigência física também foi bem maior, fazendo com que eu tivesse que tirar forças do nada pra compensar a falta de preparo e de traquejo com a bike, consequência de dois anos praticamente sem pedalar em Boa Vista.
Além de tudo isso estava numa época de grande efervescência de ideias interiores e formação (ou reformulação) de valores pessoais. Lia Hermann Hesse como se estivesse lendo minhas próprias palavras, ao par de outros autores que me fizeram grande companhia naqueles tempos (alguns trechos nas imagens abaixo retratam um pouco dessas ideias).
O texto a seguir foi escrito alguns meses após o retorno, e retrata bem minha alegria e meu sentido de realização com a viagem.
(Curitiba, Outubro de 2016)
1400 km de bicicleta do outro lado do mundo
"Entrar no
primeiro dia do ano embarcando para uma viagem solo pra pedalar na Nova Zelândia foi uma forma quase ritualística
de começar uma nova fase.
Como será
a vida num país lá na Oceania? Quase perdido do outro lado do mundo, sem
fronteiras com países vizinhos, longe dos holofotes do mundo...?
A proposta da viagem tinha um quê de diferente, de inesperado, e a expectativa começou a ser atendida já no exótico voo São Paulo – Auckland: uma verdadeira viagem no tempo que fez o 2 de janeiro desaparecer do meu calendário, resultado de uma rota aérea transpolar combinada com uma diferença de fuso horário de 16 horas em relação ao Brasil.
Ainda
tentando entender o que tinha acontecido cheguei à “terra da grande nuvem
branca” (significado do nome nativo da Nova Zelândia – Aotearoa) num pacato domingo pós ressaca de ano novo, e no dia
seguinte saí em campo pra pesquisar as condições de execução das idéias que
tinha na cabeça: comprar uma bicicleta, equipá-la e percorrer o país no sentido
geral norte-sul no decorrer do mês à frente.
Visual de Auckland à noite, da varanda do hostel em que me hospedei.
Auckland,
apesar de não ser a capital do país, é sua maior cidade, concentrando cerca de
um terço dos três milhões de kiwis (nome
carinhoso dado aos neozelandeses), e, ao contrário do que se pode imaginar
inicialmente, é uma metrópole de primeiro mundo, com a vantagem de preservar um
astral jovem e leve, principalmente à beira-mar.
Assim, não foi nada difícil encontrar variadas e ótimas opções tanto de bicicletas quanto de equipamentos, e após olhar em várias lojas fiquei na dúvida entre uma autêntica bike de turismo e a já conhecida mountain bike.
Assim, não foi nada difícil encontrar variadas e ótimas opções tanto de bicicletas quanto de equipamentos, e após olhar em várias lojas fiquei na dúvida entre uma autêntica bike de turismo e a já conhecida mountain bike.
Acabei decidindo pelo estilo e pela afinidade
da ‘mountain’, fechando negócio numa GT de quadro de alumínio, 21 marchas,
pneus originais trocados por outros específicos para estrada (lisos e de maior
capacidade de pressão), e os acessórios básicos necessários (caramanhola,
bagageiro, espelho retrovisor, etc.).
Caricatura num cartão postal brincando com os cicloturistas
e as inúmeras ovelhas existentes no país.
Um lance legal dessa compra foi que o mecânico
da loja em que adquiri a bike já havia estado no Brasil, e era casado com uma
brasileira. Ele ligou pra ela para nos falarmos– e aí é aquela velha história:
falar com um brasileiro lá do outro lado do mundo é como falar com um velho
conhecido.
Trecho do diário da viagem.
Na quarta-feira
estava tudo pronto e decidi partir no dia seguinte. E partir é sempre um
momento meio estranho: satisfação, incerteza, cuidado com cada pequeno detalhe.
Estava me orientando por um livro de cicloturismo – “New Zealand by bike”, e de acordo com a rota escolhida o primeiro dia foi marcado pela saída da área metropolitana de Auckland seguida por estradas secundárias muito agradáveis e pouco movimentadas – o que foi ótimo para me adaptar melhor à mão inglesa das estradas, em que anda-se no lado esquerdo da via.
Cento e doze quilômetros me
levaram ao vilarejo de Miranda, onde passei a noite num excelente camping com
piscina de águas termais e tudo mais.
Estava me orientando por um livro de cicloturismo – “New Zealand by bike”, e de acordo com a rota escolhida o primeiro dia foi marcado pela saída da área metropolitana de Auckland seguida por estradas secundárias muito agradáveis e pouco movimentadas – o que foi ótimo para me adaptar melhor à mão inglesa das estradas, em que anda-se no lado esquerdo da via.
O livro que me serviu como guia.
No dia
seguinte foi preciso estar com o mapa à mão o tempo todo para me orientar nas
inúmeras estradas que cruzavam o caminho que levava a Cambridge, o próximo
objetivo. As estradas estreitas e tortuosas se revelaram cortando uma paisagem
de campos verdes e pequenas fazendas iluminadas por um sol e um céu azul
fantásticos, quase desviando a atenção do tráfego intenso de carros.
Camping em que fiquei em Cambridge.
Saindo de Cambridge na manhã do
outro dia a bike começou a apresentar um problema de desregulagem do câmbio.
Parei então numa cidadezinha chamada Te Awamatu pra fazer uns ajustes e o
mecânico (e dono) da bicicletaria local foi muito bacana: regulou as marchas na
hora, não cobrou nada e ainda puxou o maior papo, dando várias dicas de locais
interessantes para visitar.
Motivado pelo entusiasmo do recente amigo resolvi fazer umas alterações nos planos e sair do roteiro previsto no meu guia, e fui parar naquele dia em Waitomo Caves, uma pequena e bonita estância turística famosa por suas inúmeras cavernas.
Motivado pelo entusiasmo do recente amigo resolvi fazer umas alterações nos planos e sair do roteiro previsto no meu guia, e fui parar naquele dia em Waitomo Caves, uma pequena e bonita estância turística famosa por suas inúmeras cavernas.
Trecho do diário da viagem.
Cena na estrada: camarada pastorando as ovelhas com o quadriciclo.
Depois de uma noite bem dormida, com sonhos intensos e instigantes, o dia foi de uma pedalada altamente introspectiva, cruzando campos de
pastagens, colinas verdes, fazendas de gado e muita ovelha, num trecho de mais
de cem quilômetros sem passar por nenhuma cidade, só paisagem e pedal até as
quatro horas da tarde, quando alcancei a pequena cidade de Taumarunui, onde
fiquei aquele dia.
Comecei a perceber então que todas as cidades eram pequenas, que no interior do país não havia quase ninguém, que as localidades que o meu guia indicava “pop: 60” não era sessenta mil habitantes, como por algum motivo eu havia pensado inicialmente, mas apenas sessenta pessoas mesmo!
Visual de uma das cidadezinhas do caminho.
Comecei a perceber então que todas as cidades eram pequenas, que no interior do país não havia quase ninguém, que as localidades que o meu guia indicava “pop: 60” não era sessenta mil habitantes, como por algum motivo eu havia pensado inicialmente, mas apenas sessenta pessoas mesmo!
Paisagem na "janela" da minha bicicleta...
Vinte
quilômetros (de subida!) depois de deixar a isolada Taumarunui o pneu traseiro
furou. Sem problemas! Era só trocar. Foi o que fiz, mas ao montar o pneu na
roda percebi que ele estava com um pequeno rasgo na sua lateral (o que causou o
furo da câmara). Precisava então trocá-lo rapidamente, mas eu não tinha um
reserva. Pedalei devagar até uma vilazinha próxima, Owhango, deixei a bike num
posto de gasolina, peguei uma carona e voltei a Taumarunui pra comprar outro
pneu. Na volta peguei outra carona, desta vez com duas senhoras muito
simpáticas, que me deram várias informações do que valia a pena ver no caminho,
e no final a que estava dirigindo me convidou pra ficar na casa dos pais dela
em Wellington – “Eles gostam de conhecer gente diferente” – ela me disse. Até
que aquele probleminha do pneu não foi de todo ruim. Sem mais perda de tempo
substituí o pneu avariado e recomecei a pedalar. Já era quase uma hora da
tarde.
Mas o dia rendeu bem a partir daí, com paisagens belíssimas numa região praticamente desabitada, longas retas e descidas suaves, fechando o dia na simpática Ohakune, curtindo uma singular sensação de bem estar e satisfação ao contemplar o céu tranqüilo, encostado na cabana do camping em que me instalei.
Mas o dia rendeu bem a partir daí, com paisagens belíssimas numa região praticamente desabitada, longas retas e descidas suaves, fechando o dia na simpática Ohakune, curtindo uma singular sensação de bem estar e satisfação ao contemplar o céu tranqüilo, encostado na cabana do camping em que me instalei.
Trecho de "Nova Era", de Luiz Carlos Lisboa.
Cabana em que pernoitei em Ohakune.
De
Ohakune segui em direção a Wanganui, uma cidade já um pouco maior no litoral. O
caminho foi gratificante: longas e acentuadas descidas, horizontes amplos, paisagens
de tirar o fôlego. Numa parada encontrei um casal de neozelandeses fazendo um
giro de 90 km de bike, uma “voltinha” de um dia – o legal é que ele tinha uns
sessenta anos, e ela um pouco menos. Exemplos...
Trecho de um dos livros de Hermann Hesse.
Em
Wanganui decidi cobrir a próxima etapa até a capital Wellington de ônibus,
porque era um trecho muito movimentado e não tão interessante, e era mais
inteligente ganhar tempo pra Ilha do Sul, que era, segundo todas as
informações, mais bonita. Destaque para o motorista do ônibus, exemplo do perfil
sempre solícito e simpático dos neozelandeses, com a maior boa vontade com a
bike, em dar informações e em me deixar no local em que pedi no centro de
Wellington – atitudes que valorizam um povo. Aproveitei o resto do dia pra
comprar e instalar um bagageiro e mochilas frontais na bike, para distribuir
melhor a bagagem, que estava pesando demais atrás.
Trecho de "Nova Era", de Luiz Carlos Lisboa.
Liguei pra minha amiga da carona na estrada e ela me levou pra casa dos pais, extremamente simpáticos e
curiosos. Conversamos bastante e eles me
passaram todas as dicas da Ilha do Sul, a próxima etapa da viagem. Foi uma
experiência interessantíssima, conhecer por dentro e de perto o lar de uma
autêntica família neozelandesa, com todos os formalismos e regras tipicamente
ingleses – parecia cena de filme.
No dia seguinte, no café da manhã, a senhora
mãe da minha amiga me disse: “You are in the news. Bad news!” – Era a crise do real que havia estourado no
Brasil, crise econômica mais uma vez, pra variar...
Painel em azulejos numa praça de Christchurch.
Trecho do diário da viagem.
No hostel em Christchurch, planejando a segunda parte da viagem.
Segui pra Arthur’s Pass, uma
aconchegante vila no alto das montanhas, em direção ao lado oeste da Ilha, numa
viagem de trem considerada como das mais bonitas do mundo, em que gastei mais
de um rolo de filme da máquina fotográfica.
Como pretendesse reiniciar a pedalada só no dia seguinte, aproveitei a tarde livre pra fazer um trekking pelas belíssimas montanhas ao redor: “escalaminhei” um monte próximo chamado Avalanche Peak - duas horas de subida, uma hora de contemplação, duas horas de descida, mil metros de ascensão, 1840m de altitude – uma verdadeira purificação de alma.
Folheto de propaganda do trem "Tranz Alpine".
Embarcando no trem em Christchurch.
Desembarcando em Arthurs Pass.
Como pretendesse reiniciar a pedalada só no dia seguinte, aproveitei a tarde livre pra fazer um trekking pelas belíssimas montanhas ao redor: “escalaminhei” um monte próximo chamado Avalanche Peak - duas horas de subida, uma hora de contemplação, duas horas de descida, mil metros de ascensão, 1840m de altitude – uma verdadeira purificação de alma.
Trecho do diário da viagem.
As montanhas vistas do Avalanche Peak, em Arthurs Pass.
Mas então
já era hora de voltar ao que interessava: pedalar. Que dia fantástico! Sol, céu
azul, montanhas, rios, e descidas quase intermináveis. O único problema do dia
foi mais uma câmara furada devido ao desgaste do pneu, dessa vez trocado sem
problemas (tinha um pneu reserva).
Cheguei a Hokitika às quatro e meia da tarde, fechando mais um dia de mais de cem quilômetros, tendo enfrentado um vento contra no final que me fez temer pela sua continuidade nos próximos dias. O magnífico pôr do sol na praia às dez horas da noite (!) foi um daqueles momentos mágicos de comunhão com a Vida que nos emociona e nos liberta do “contexto” ...
Cheguei a Hokitika às quatro e meia da tarde, fechando mais um dia de mais de cem quilômetros, tendo enfrentado um vento contra no final que me fez temer pela sua continuidade nos próximos dias. O magnífico pôr do sol na praia às dez horas da noite (!) foi um daqueles momentos mágicos de comunhão com a Vida que nos emociona e nos liberta do “contexto” ...
Comecei a percorrer a bela e
deserta costa oeste da Ilha do Sul agora já perfeitamente integrado ao momento.
Esse tipo de viagem tem dessas coisas. Precisa de um certo tempo pra se
desligar da insegurança e das dúvidas tão comuns no nosso dia-a-dia e, como
costumo dizer, “tirar os pés do chão”. É um estado de espírito: o tempo toma
uma dimensão diferente, o dia é apenas dia, a noção de dia da semana perde o
significado; o espaço se modifica, cem quilômetros de estrada é diversão para o
dia inteiro, é a história de um dia inteiro, cada metro existe, cada detalhe do
caminho, cada mudança do vento, do sol, do céu... E a gente é invadido por um
sutil e poderoso sentimento de invulnerabilidade – a fórmula mágica dos caminhos certos.
Bobinas de feno ao longo do caminho.
Harihari foi a próxima parada,
uma pequena vila à beira da estrada onde cheguei no início da tarde, montei
minha barraca e curti a inspiração de “Sidarta” (livro) embaixo de uma
acolhedora árvore.
Trecho do diário da viagem.
Acampamento em que pernoitei à beira do caminho.
No trecho seguinte, apesar de
ter sido um dia curto de 75 km, senti muito o cansaço das pernas e uma dor nos tendões da perna direita que me
acompanhava havia alguns dias. Em Franz Josef
me instalei num albergue e fui conhecer o famoso glaciar local, um “rio”
gigantesco de gelo que forma uma paisagem espetacular com a natureza em volta.
Caminhei bastante e tirei várias fotos.
O fantástico glaciar Franz Josef.
Mesmo ponto da foto anterior, para o outro lado.
O Glaciar Franz Josef, um pouco mais distante.
Fox Glacier, uma simpática
cidadezinha de vocação turística devido ao glaciar de mesmo nome nas suas
vizinhanças, foi a próxima parada. Era pra ser um dia curto e fácil de 30 km,
se não fossem as inúmeras subidas e descidas da estrada, que mais parecia uma montanha
russa, somando quase quinhentos metros de ascensão. À tarde fui conhecer o
glaciar e depois o famoso lago Matheson, acrescentando mais alguns km ao
odômetro.
Seguiu-se então um longo e
introspectivo dia de quase 130 km até Haast Village. A estrada atravessava uma
região belíssima, sem nenhuma cidade, praticamente desabitada. Acho que foi um
dos trechos mais bonitos da viagem, com praias alucinantes, muita floresta e
muito vento contra.
Haast é uma vilazinha no meio do nada, onde a estrada inflete novamente para o leste e abandona a costa. É uma região de uma beleza primitiva, intocada, silenciosa, com aquele sugestivo aspecto de fim de mundo, mas no bom sentido, apenas como se dali pra frente não tivesse mais nada.
Haast é uma vilazinha no meio do nada, onde a estrada inflete novamente para o leste e abandona a costa. É uma região de uma beleza primitiva, intocada, silenciosa, com aquele sugestivo aspecto de fim de mundo, mas no bom sentido, apenas como se dali pra frente não tivesse mais nada.
Trecho do álbum de fotos.
O espetacular mar da costa oeste da Ilha do Sul, na região de Haast Village.
Encontrei com vários
cicloturistas nessa região, de várias nacionalidades, cada um ao seu estilo. Um
inglês me contou que estava viajando
havia dois meses e que ia ficar mais um, e a sua estratégia era pedalar leve,
ou seja, sem barraca, sem comida, apenas com o mínimo indispensável, usando
sempre a boa estrutura das cidades do caminho. Um outro sujeito usava um
sistema de bagagem que achei bastante interessante: em vez de carregar a
bagagem na bike ele puxava um carrinho onde ia sua mochila com toda a tralha –
um dia eu testo esse esquema...
O livro-guia que eu estava consultando advertia pra “pauleira” que era o trecho entre Haast e Makarora, pra
onde me dirigia. A dificuldade era por conta do Haast Pass, o ponto mais alto
das montanhas dos Alpes do Sul que a estrada atravessava, com 564 m de
altitude. O livro dizia ainda que era “muito mais fácil” transpô-lo de leste
para oeste do que ao contrário, como eu estava fazendo. Havia alguns dias eu estava pensando naquele
monte de subida.
A serra realmente era íngreme, mas não muito longa. Desafiante
mesmo foi a ventania que eu encontrei no caminho: um furioso vento exatamente
contra, me obrigando a fazer malabarismos pra me equilibrar na magrela. Nos trechos mais íngremes eu
tinha que pedalar em ziguezague, na marcha super-leve, metro a metro,
centímetro a centímetro. Até no trecho final do dia, depois de passar o ponto
mais alto, em uns trechos de descidas suaves, era preciso pedalar forte. Era
inacreditável! Chegar ao camping em Makarora, nada mais que algumas casas à
beira da estrada, foi o prêmio. Músculos quentes, exaustão física, “euforia
bioquímica” pós esforço, satisfação e autoconfiança plenas!
Visual do caminho, em algum lugar na Ilha do Sul.
O cansaço apareceu mesmo no
outro dia, quando voltei à estrada em direção a Wanaka. Apesar da paisagem
deslumbrante dos lagos Wanaka e Hawea a pedalada rendeu pouco: muito esforço,
pouca velocidade, a atenção o tempo todo no odômetro e no mapa (verificando
distâncias). O tempo maravilhoso elevou o moral e, sem nenhuma pressa alcancei
o destino do dia às três da tarde.
Wanaka agradou de primeira: uma
agradabilíssima e pequena cidade à beira do lago de mesmo nome onde parece que
as pessoas vivem em função de se divertir. Pra qualquer lado que se olhe tem alguém patinando, fazendo ski aquático, voando de parapente rebocado, jet ski, mochila nas
costas indo ou voltando de alguma caminhada, e ‘até pedalando’...
Gostei tanto
do lugar e do albergue em que estava que resolvi me dar um dia de folga: fiquei
o dia seguinte lagarteando ao sol, depois fui dar umas voltas de bici pela região, tomei um banho de
lago, li um pouco. Uma decisão acertada ter ficado por lá, valeu muito.
E de repente estava no último
dia da viagem. De Wanaka a Queenstown foram 120 km de paisagens enebriantemente
belas, estradas cortando canyons, acompanhando rios, fazendas de frutas, sol,
céu azul, horizontes amplos, energia percorrendo o corpo, lavando a alma. De volta aquela sensação de invulnerabilidade, de
poder tudo, de “tudo bem”!
Nos últimos quilômetros bateu aquela sensação
estranha de estar chegando: satisfação misturada já com saudade, com pesar por
estar encerrando uma vivência tão fantástica, tão rara de conseguir fazer.
Mas como não tem jeito, “o rio tem que seguir em direção ao mar”, fui pedalando
devagar chegando em Queenstown, curtindo uma silenciosa e indizível sensação de
vitória e felicidade.
Trecho do diário da viagem.
Queenstown é uma bonita e
movimentada cidade às margens do lago Wakatipu. É também um centro turístico e
de esportes radicais pra todos os gostos, desde passeios em lanchas de
propulsão a jato por rios dentro de canyons até salto livre de pára-quedas com
um instrutor, desde trilhas radicais de bike ou de moto até o famoso bungy
jump. Aliás foi aqui que esse ‘esporte’ foi inventado.
Como tinha ainda algum
tempo livre antes do retorno ao Brasil, fiquei na área por alguns dias e “tive que” conferir de perto esse negócio de
se jogar de uma ponte amarrado por um elástico nas pernas. Ouvindo falar assim,
de longe, dá mesmo a impressão de que o negócio é meio maluco, mas me
impressionei com a competência e a qualidade do trabalho em torno da atividade
- existe uma verdadeira indústria em torno disso. É bacana ver uma coisa tão
simples ser feita com tanto capricho e propriedade.
Depois de participar de mais
algumas atividades a la kiwi tive que
“colocar os pés no chão” de novo, pegar o avião e “ganhar de volta” o dia que
havia perdido um mês atrás.
Mas essas viagens não terminam
assim, quando se embarca num avião. Elas ficam com a gente como vivência, pra
sempre. E por mais afazeres e obrigações que o dia-a-dia da vida me imponha,
está sempre aqui do lado, ao alcance da memória, esse tempo mágico passado numa
terra distante chamada Nova Zelândia."
(Curitiba, Maio de 2000)
** Planilha diária de gastos (com alojamento/ alimentação/ diversos/ total do dia e média geral) e dados de distância/ tempo rodado/ velocidade média e máxima:
DIAS
|
DATA
|
GASTOS em R$
|
CICLO-COMPUTADOR
|
||||||||
Aloj
|
Alim
|
Div
|
Total
|
Média
|
Dst
|
Tm
|
Av
|
Mx
|
|||
1º
|
1º Sex
|
-
|
2,00
|
-
|
2,00
|
2,00
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
2 º
|
2 Sáb
|
-
|
-
|
-
|
-
|
N.A.
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
3º
|
3 Dom
|
13,30
|
12,46
|
11,69
|
37,45
|
N.A.
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
4º
|
4 Seg
|
15,40
|
9,52
|
23,87
|
48,79
|
22,1
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
5º
|
5 Ter
|
13,30
|
49,64
|
16,77
|
79,71
|
33,6
|
31,9
|
2:11:38
|
14,5
|
39,5
|
|
6º
|
6 Qua
|
13,30
|
18,31
|
24,40
|
56,01
|
37,30
|
5,4
|
0:33:57
|
9,5
|
38,5
|
|
7º
|
7 Qui
|
8,40
|
10,50
|
-
|
18,90
|
34,70
|
112,5
|
5:49:28
|
19,3
|
46,5
|
|
8º
|
8 Sex
|
6,30
|
16,80
|
1,40
|
24,50
|
33,40
|
108,0
|
5:48:25
|
18,5
|
45,0
|
|
9º
|
9 Sáb
|
11,90
|
12,71
|
-
|
24,61
|
32,40
|
75,6
|
4:23:23
|
17,2
|
48,0
|
|
10º
|
10 Dom
|
11,20
|
19,15
|
-
|
30,35
|
32,20
|
104,6
|
5:37:50
|
18,6
|
61,0
|
|
11º
|
11 Seg
|
11,90
|
21,25
|
13,30
|
46,55
|
33,50
|
88,6
|
5:03:48
|
17,5
|
55,5
|
|
12º
|
12 Ter
|
10,50
|
15,23
|
7,00
|
32,73
|
33,50
|
110,2
|
5:53:03
|
18,7
|
61,0
|
|
13º
|
13 Qua
|
-
|
6,83
|
-
|
6,83
|
31,40
|
11,0
|
1:10:43
|
9,5
|
27,1
|
|
14º
|
14 Qui
|
11,90
|
9,87
|
2,10
|
23,87
|
30,90
|
10,8
|
1:08:06
|
9,4
|
25,1
|
|
15º
|
15 Sex
|
11,90
|
20,12
|
3,50
|
35,52
|
31,20
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
16º
|
16 Sáb
|
10,50
|
17,25
|
3,82
|
31,57
|
31,20
|
7,8
|
0:35:32
|
13,0
|
28,2
|
|
17º
|
17 Dom
|
5,60
|
10,50
|
5,32
|
21,42
|
30,60
|
113,55
|
6:16:48
|
18,0
|
56,5
|
|
18º
|
18 Seg
|
5,25
|
20,20
|
22,09
|
47,54
|
31,60
|
77,5
|
3:53:49
|
19,9
|
60,0
|
|
19º
|
19 Ter
|
11,20
|
22,79
|
1,40
|
35,39
|
31,80
|
75,0
|
4:03:01
|
18,6
|
46,0
|
|
20º
|
20 Qua
|
11,20
|
15,16
|
-
|
26,36
|
31,50
|
46,81
|
3:07:23
|
15,0
|
51,0
|
|
21º
|
21 Qui
|
6,30
|
18,66
|
-
|
24,96
|
31,20
|
126,5
|
6:34:21
|
19,2
|
62,0
|
|
22º
|
22 Sex
|
5,95
|
12,43
|
-
|
18,38
|
30,60
|
82,2
|
5:17:38
|
15,5
|
57,0
|
|
23º
|
23 Sáb
|
11,90
|
11,90
|
-
|
23,80
|
30,30
|
71,9
|
4:15:18
|
16,8
|
58,0
|
|
24º
|
24 Dom
|
11,90
|
28,29
|
22,71
|
62,90
|
31,70
|
35,4
|
2:03:41
|
17,1
|
52,0
|
|
25º
|
25 Seg
|
14,00
|
9,38
|
-
|
23,38
|
31,30
|
118,7
|
6:03:29
|
19,5
|
60,0
|
|
26º
|
26 Ter
|
14,00
|
9,52
|
3,68
|
27,20
|
31,20
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
27º
|
27 Qua
|
14,00
|
11,87
|
2,10
|
27,97
|
31,10
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
28º
|
28 Qui
|
14,00
|
15,93
|
19,15
|
49,08
|
31,70
|
28,89
|
2:08:14
|
13,4
|
37,0
|
|
29º
|
29 Sex
|
14,00
|
13,02
|
3,19
|
30,21
|
31,70
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
30º
|
30 Sáb
|
11,90
|
12,50
|
12,39
|
36,79
|
31,80
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
31º
|
31 Dom
|
-
|
12,56
|
8,33
|
20,89
|
31,50
|
-
|
-
|
-
|
-
|
|
TOTAL
|
-
|
301,
|
466,
|
208,
|
975,
|
31,50
|
1442
|
82:00
|
-
|
-
|
ENERGIA FINANCEIRA
- TOTAL GERAL
|
||||
Item
|
R$
|
Parcial
1
|
Parcial
2
|
|
Passagens de ida e volta
|
2290,
|
3270,
|
4490,
|
|
Alimentação/ alojamento / diversos
|
980,
|
|||
Equipamento / compras diversas
|
1220,
|
|||
Passagens
internas na nz
|
320,
|
810,
|
||
Foto
|
130,
|
|||
Presentes e lembranças
|
120,
|
|||
Just fun
|
240,
|
|||
TOTAL GERAL
|
5300
|
|||
Observação: os valores deste diário estão considerando o câmbio do início da viagem, quando 1 US dólar valia aproximadamente 1,26 real. Em meados de janeiro o real sofreu uma super desvalorização, e para comprar 1 dólar americano passou a ser necessário em torno de 1,90 real (talvez um pouco mais). Algumas compras da viagem foram feitas com cartão de crédito, consequentemente os valores sofreram o reajuste correspondente. O dólar americano valia, naquela época, cerca de 1,80 dólar neo zeo-zelandês.
** Em outubro de 1999, a edição nº 125 da Revista "Bici Sport" publicou uma reportagem de quatro páginas sobre a viagem:
A reportagem da "Bici Sport".
A reportagem da "Bici Sport".
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