Tiger 900 Rally Pro

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domingo, 16 de agosto de 2015

Viagem de moto de Curitiba a Mendoza (Argentina) e trekking ao Campo Base do Aconcágua - 15 a 29 Nov 2011










Moto e montanha, a fórmula

4 dias de moto de Curitiba a Mendoza,
5 dias de trekking nas montanhas do Parque Provincial Aconcágua,
4 dias de moto de Mendoza a Curitiba.




Transpor o abismo que existe entre as ideias e a realidade nem sempre é fácil. Na sexta-feira, 11 de novembro, estava tudo mais ou menos pronto para mais um voo solo com a GS, com destino traçado para Mendoza, na Argentina. Mas um tempo de tempestade em toda a região sul mais o cansaço inevitável do ritmo de trabalho de segunda a sexta me fizeram adiar a partida. E já que estava querendo entrar numa de ser dono do meu tempo (pelo menos por alguns dias), desliguei a ansiedade e procurei aproveitar bem aquele intervalo não planejado.

Na terça-feira continuava chovendo sem parar. Resolvi partir do jeito que estava. Montei a bagagem na moto e me joguei na estrada. Partir é sempre aquela sensação meio incômoda de deixar um porto seguro para o desconhecido. Mais do que o porto, o duro mesmo é deixar as pessoas que se ama. Mas é o preço da brincadeira, e que sempre tem a sua compensação lá na frente, na hora de voltar pra casa.






Momento da partida





Nessa viagem tinha um roteiro e um cronograma bem definidos. A ideia era ir até Mendoza, aos pés da Cordilheira dos Andes, na Argentina, em quatro dias de viagem, e a partir de lá partir para um trekking ao acampamento base do Aconcágua, o que demandaria mais uns cinco ou seis dias, e de lá retornar ao Brasil.

O primeiro dia foi de chuva e frio. Imaginei que o tempo melhoraria no decorrer do dia, mas me enganei. Resolvi então parar um pouco antes do previsto, na simpática e acolhedora Erechim, no noroeste do Rio Grande do Sul.

No segundo dia o tempo abriu completamente num céu absolutamente azul e aquele sol esplendoroso, ainda mais se considerado em contraste ao dia anterior. Depois de Passo Fundo a estrada fica bem menos movimentada e mais interessante, com boas curvas, subidas e descidas e aquela paisagem bucólica do interior gaúcho. A pernada do dia terminou em Uruguaiana (conforme o previsto), no meio da tarde, já tendo que administrar um forte calor de trinta e tantos graus, mas nada que fosse problema.





No Rio Grande do Sul


















No dia seguinte pela manhã, aduana de entrada na Argentina e lá vamos nós para terras estrangeiras. E é incrível como a paisagem muda. Tudo plano, estradas retas e aquela paisagem com o horizonte a perder de vista. Passei por Paraná e Santa Fé, duas cidades grandes, uma de cada lado do Rio Uruguai, ligadas por um túnel sub fluvial, e tocamos no sentido oeste, com a intenção de chegar a Córdoba. Uma excelente auto-pista de mão dupla e absolutamente reta logo após essa cidades foi uma tentação, mas me contive na velocidade cruzeiro moderada de 120 a 140 km/h.

Passando por uma cidadezinha chamada San Francisco veio a primeira encrenca da viagem: fui parado pela Polícia e o Sr policial me veio com uma história de que eu tinha passado um sinal vermelho e que por isso teria que aplicar uma multa... “Tudo bem”, falei. Mas aí ele começou com um papo de que só o seu supervisor poderia oficializar a tal multa e que ele ia demorar muito para poder chegar até onde estávamos. Então entendi a jogada. Ainda resisti um pouco, mas depois de meia hora de blá blá blá resolvi encurtar a conversa e deixei com o pobre homem uma vergonhosa propina e segui meu rumo.

Chegando aos arredores de Córdoba, com o sol incidindo bem direto na viseira do capacete, achei que seria melhor passar da cidade e ficar numa cidadezinha menor, logo depois. Assim encerrei o longo dia de quase 900 km num hotelzinho simples, com a GS impassível como sempre e eu um tanto cansado, mas em paz.






Serra de Córdoba, Argentina





Pra fugir um pouco das infinitas retas das estradas da região decidi encarar uma serrinha – a Serra de Córdoba. Pouco depois da saída, no quarto dia de viagem, já estava no agradável ambiente de montanha, com uma inspiradora sequência de curvas, pouco movimento, temperatura agradável e muito à vontade com a situação. Assim, fui me divertindo com a brincadeira, sem pressa, curtindo o belo trecho.

Mas num determinado momento havia um caminhãozinho na minha frente a 30 km por hora, pista com faixa dupla e ninguém por perto... Quase instintivamente coloquei para o lado e ultrapassei-o, com toda a segurança, mas eis que logo à frente lá estava “La Policia”, numa típica “emboscada” dessas em que os caras ficam escondidos em lugares estratégicos. Mandaram parar e dessa vez não houve muita conversa. Pediram os documentos, conferiram e aplicaram a multa, honestamente e dentro da lei. A ordem era pra pagá-la num banco, num prazo de dez dias.

Passei então por uma localidade turística muito simpática chamada Mina Clavero, uma espécie de balneário de montanha, com muitas pousadas ajeitadinhas e restaurantes convidativos. Toquei em frente. Veio então um trecho bem desolado até a cidade de San Luís, onde encontrei a Ruta 7, que seguiu em pista dupla durante quase todo o percurso até Mendoza, onde cheguei por volta das seis da tarde.






Fachada de uma igreja em Mendoza





Terminada essa primeira etapa, era hora de pensar na próxima: o trekking ao Campo Base do Aconcágua. Passei o dia seguinte atrás de tirar a permissão no Departamento de Turismo, alugar alguns equipamentos, coordenar um local pra deixar a GS, preparar a mochila e coisa e tal.

No domingo, às onze horas da manhã, desembarcava de um ônibus na entrada do Parque Nacional Aconcágua e de imediato levei um susto com o frio glacial e o vento de tempestade que estava soprando. “Que frio é esse?!”, pensei. Logo em seguida começou a nevar. Mas aquele silêncio e aquelas montanhas gigantescas foram me envolvendo e me hipnotizando e a tranquilidade foi substituindo a apreensão. De repente (3 horas depois) chegava ao primeiro acampamento, Confluência (a 3400 m de altitude), satisfeitíssimo por estar fazendo o que imaginara na idealização da viagem.













Pra facilitar a logística do trekking contratei em Mendoza os serviços de acampamento e alimentação nesses pontos de apoio durante a caminhada. Dessa forma, tinha que carregar apenas itens de uso pessoal e segurança, ficando aliviado das preocupações com barraca e comida. Em Confluência os serviços foram muito bem prestados.






Acampamento Confluencia






Barraca dormitório no Acampamento Confluencia





Como estava na primeira semana da temporada, ainda havia pouco movimento de outros montanhistas e trekkers.

No segundo dia dessa fase fiz uma longa caminhada até a chamada Plaza Francia, de onde se avista a belíssima face sul do Monte Aconcágua. Foram cerca de três horas de ida, uma hora e pouco de descanso lá e depois o retorno pelo mesmo caminho para o acampamento de Confluência. Nesse trajeto acompanhei um guia peruano que estava conduzindo um senhor australiano de uns sessenta e poucos anos, cuja esposa havia permanecido no acampamento para descansar.












O guia peruano (em primeiro plano) e seu cliente australiano,
contemplando a face sul do Aconcágua











O terceiro dia foi marcado pela longa, bela, dura e solitária caminhada até o emblemático acampamento de Plaza de Mulas, campo base para a escalada do Monte Aconcágua. Caminhei o dia inteiro completamente sozinho. Foram quase nove horas de trekking. Dei muita sorte com o tempo. Foi um dia maravilhosamente ensolarado e luminoso.

































Grupo de trekkers/ montanhistas a caminho da Plaza de Mulas












Pouco antes de alcançar Plaza de Mulas (situada a 4300 m de altitude), comecei a sentir os indesejados efeitos nocivos da não adaptação à altitude. Um pouco de enjoo, dor de cabeça e leve tontura.


















As mulas que transportam cargas na montanha, 
daí o nome do Campo Base







Acampamento de Plaza de Mulas - Campo Base do Aconcágua






A paisagem em volta, no entanto, compensava facilmente o sacrifício. Belas e imponentes encostas nevadas subindo em direção ao céu, com um espetacular céu absolutamente azul por cima.

























Pra piorar meu mal estar, a barraca prevista para ser meu alojamento naquela noite havia acabado de ser montada, e estava com um insuportável e marcante cheiro de plástico que só fez piorar meu estado.

Foi uma noite bem difícil. Estava sozinho na barraca. Fez muito frio e passei muito mal. Por duas vezes tive que levantar às pressas com ânsia de vômito. Esse é o preço da falta de oxigênio decorrente da alta altitude, até o organismo se adaptar.

No dia seguinte, de acordo com meu planejamento e com as condições logísticas do serviço de apoio, até poderia ficar em Plaza de Mulas e curtir um pouco mais o icônico ambiente de alta montanha, mas resolvi não abusar da sorte, sob a forma da fantástica janela de tempo bom de que desfrutava, e também pra sair daquela difícil zona acima dos 4000 m, e decidi iniciar o retorno.


























Fiz o caminho de volta a Confluência, novamente em solitário por todo o dia, agora descendo o gigantesco vale, curtindo demais a sensação de estar naquele ambiente fantástico e me sentindo bem melhor com o avançar para altitudes mais civilizadas.













Cheguei de volta ao acampamento de Confluência no final do dia muito satisfeito com o rendimento da pernada e já sentindo certo pesar por estar terminando aquela fantástica vivência.












No quinto e último dia na montanha fiz o caminho de volta à entrada do Parque, e de lá mais alguns quilômetros até o vilarejozinho de Puente del Inca, de onde peguei o ônibus de volta a Mendoza.


















Ter feito esse trekking foi uma bela e memorável experiência. Além da contemplação e da curtição do ambiente de alta montanha, tive oportunidade também de conversar com vários escaladores e trekkers de diversos países, cada um com sua história e objetivos.

Foi bacana também constatar que os argentinos cuidam muito bem do Parque, que, pelo menos do que vi, está muito bem limpo e organizado, apesar, ou talvez por causa da taxa um tanto elevada para a brincadeira (cerca de 300 reais para o trekking de sete dias). Os guarda-parques são bem atenciosos e, pelo menos aparentemente, adequadamente preocupados com o que está acontecendo no seu quintal.

A beleza cênica das montanhas é indizível. Simplesmente maravilhosa. Efetivamente à altura (nos dois sentidos) da Cordilheira do Himalaia, com a vantagem de estar aqui do lado e de  ser bem mais organizado do que aquelas bandas orientais, apesar de que o Himalaia  tem nuances e uma simbologia que são absolutamente inigualáveis.

De volta a Mendoza constatei, com alívio, que a GS estava intacta e pronta pra encarar a estrada. Fiquei um dia em ritmo de descanso e reorganização e no outro iniciei o caminho de volta pra casa.

O retorno, em mais quatro dias de tempo bom e astral elevado, foi sem problemas e muito gratificante, pois contava com a satisfação do objetivo atingido e com o estímulo extra de estar voltando pra casa. Voltei basicamente pelo mesmo caminho, com algumas poucas alterações.











A GS, como esperado, foi fantástica, irrepreensível, perfeita.

O bom de rodar na Argentina, em comparação com o Brasil, é que as estradas por lá ainda conservam um fluxo de veículos razoável, quer dizer, não estão “entulhadas” de carros e caminhões como está a maioria das estradas no nosso país (isso quando não são completamente desertas em certos trechos). Em compensação é preciso lidar com as “diversas” polícias dos “hermanos”, o que, em comparação com o Brasil, também é contrastante – por aqui cruzei os três estados da nossa região sul e não fui parado nenhuma vez, nem se quer vi nenhum policial rodoviário em estado de alerta nos Postos da PRF. Uma situação que chega a ser um tanto preocupante pra quem sabe que, nesse tipo de ambiente, a fiscalização é a alma do negócio.












Enfim de volta a casa e à velha rotina, resta-me a satisfação de ter feito um passeio bacana, grandes lembranças e emoções vividas em apenas quinze dias, essa vontade louca de estar de volta logo a esse mundo encantador das viagens e explorações e uma imensa gratidão pela sorte e pela força.

           


(escrito em dezembro de 2011, atualizado em maio de 2017)







Agenda realizada:


Dia 1: Curitiba a Erechim - 462 km
Dia 2: Erechim a Uruguaiana - 631 km
Dia 3: Uruguaiana a Córdoba - 834 km
Dia 4: Córdoba a Mendoza - 637 km
Dia 5: Em Mendoza, organizando o trekking
Dia 6: Mendoza à Entrada do Parque (ônibus)/ Entrada do Parque a Confluência (3 horas de trekking)
Dia 7: Confluência a Plaza Francia, e de volta a Confluência (6 horas de trekking)
Dia 8: Confluência a Plaza de Mulas (8 horas de trekking)
Dia 9: Plaza de Mulas a Confluência (8 horas de trekking)
Dia 10: Confluência a Puente del Inca (3 horas de trekkimg)/ Puente del Inca a Mendoza (ônibus)
Dia 11: Em Mendoza, descansando e reorganizando
Dia 12: Mendoza a San Francisco - 762 km
Dia 13: San Francisco a Uruguaiana - 585 km
Dia 14: Uruguaiana a Aratiba - 675 km
Dia 15: Aratiba a Curitiba - 503 km
Total rodado: 5.089 km



















































"Um pássaro que voa como uma flecha,
procurando o ninho antes que a noite desça completamente - 
é como os que provaram a beleza e procuram abrigo até o outro dia,
na esperança de vê-la outra vez."
(Luiz Carlos Lisboa)










Gratidão

Força Sempre














Obs:
(1) Todas as fotos: arquivo pessoal
(2) Câmera utilizada: Panasonic Lumix







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