A viagem de bicicleta de Lisboa a Madri aconteceu em um momento da vida bem específico e em circunstâncias diferentes das viagens anteriores. Morávamos havia um ano em Curitiba, e nesse período empreendemos o ousado projeto de comprar e montar uma casa pra chamar de nosso lar. O que quer dizer que, sob o ponto de vista financeiro, havia sido uma fase bem "desgastante".
Mari e eu ainda curtíamos aquele clima de recém casados e o meu entusiasmo pelas viagens outdoor me inquietava cada vez mais. Lembro que fiz uma espécie de trato comigo mesmo, na época em que estávamos pesquisando casa pra comprar, que aquele passo não me afastaria da efervescente paixão pelas viagens de bicicleta em particular, e por todas as outras em geral.
Assim, com o final do ano se aproximando (e com isso um período de férias), começamos a pensar no que fazer, e onde. Queria fazer uma viagem de bike no exterior com a Mari, para curtirmos juntos a brincadeira, mas estávamos com o orçamento bem apertado. De certa forma, escolhemos Portugal e Espanha por ser, na época, a passagem aérea mais barata pra Europa.
Usei a mesma bicicleta que havia trazido da Nova Zelândia dois anos antes, compramos uma bike semelhante pra Mari e começamos a por em prática nossos planos "mirabolantes".
A viagem em si foi bem diferente das outras que tinha feito. A começar pelo tempo predominantemente chuvoso que pegamos em grande parte do percurso, passando pelo fato de ter sido uma viagem a dois e também devido ao tipo de paisagens e "perfil" dos países que visitamos.
No final das contas foi uma experiência riquíssima, não só pelo que vivemos em solo luso-espanhol, mas também por termos feito uma viagem juntos, por ter com quem dividir os prazeres e dificuldades do caminho e por ter com quem rir e se divertir com as coisas bobas e simples do dia a dia. Olhando em retrospecto, acho que foi uma época bem feliz.
O projeto todo foi, de certa forma, um abuso do ponto de vista financeiro (não por ter sido exageradamente cara, mas em relação às nossas condições na ocasião). Se tivesse querido ser coerente e sensato não teria absolutamente comprado aquelas passagens aéreas e embarcado na brincadeira. Mas lembro que tinha a exata noção de que era preciso ter certa pressa com esses planos, e que se fosse esperar condições ideais pra fazer algo assim, jamais faria.
Vendo de hoje, me parece que todas as contas foram pagas (a duras penas, mas foram), e as lembranças e alegrias de ter vivido mais essa história ainda perduram.
Vendo de hoje, me parece que todas as contas foram pagas (a duras penas, mas foram), e as lembranças e alegrias de ter vivido mais essa história ainda perduram.
O texto transcrito abaixo foi escrito algumas semanas após o retorno, e conta um pouco o dia-a-dia dessa bela vivência.
Curitiba, Novembro de 2016.
Lisboa-Madri de bicicleta
900 km de aventura
A
senhora idosa sentada ao lado da Mari no avião fez uma cara de espanto quando
soube que estávamos indo pra Lisboa pra pedalar de lá até Madri. Não exatamente
pelo projeto de pedalar, mas por estarmos em pleno inverno europeu. E no meio
do seu comentário em bom português “com sotaque português” alguma coisa me
chamou a atenção: “mas lá chove muito nessa época...” -
chove!?
Bem,
estávamos já quase chegando na terra dos nossos antepassados históricos, após
meses de preparação, um monte de expectativa e uma vontade louca de pedalar e
de esquecer do nosso mundo formatado em trabalho, pressões e correrias...
"Não seria uma chuvinha qualquer que iria nos impedir", pensei.
Mas
não era uma chuvinha qualquer... Assim que pousamos na capital lusitana, às
oito e meia da manhã, olhei pela janelinha do avião e não acreditei no que
estava vendo: ainda estava completamente escuro e havia um tempo de tempestade
daqueles de não colocar o pé pra fora de casa.
Nossos
planos eram, basicamente, chegar no aeroporto, montar as bikes e sair pedalando
pela cidade, calmamente, à procura de um bom hotel. De início, alterações: as
bicicletas ficaram nas bolsas, pegamos um táxi para o hotel que achamos mais
razoável no guia que tínhamos e passamos o resto do dia entocados no quarto,
fazendo um ótimo exercício de resignação e auto-motivação.
Era
a quinta-feira da última semana do século vinte. À noite demos
uma saidinha para uma caminhada pela cidade e decidimos que se o sol
aparecesse ao acordarmos na manhã seguinte sairíamos no sábado, com ou sem
chuva.
Na
sexta-feira fomos dar uma olhada na cara de Lisboa. Deu pra sentir o jeitão da
cidade: bastante formal, um tanto mal cuidada, um aspecto de coisas velhas,
marcadas pelo tempo. Visitamos os principais monumentos e nos impressionamos
com a antigüidade e a imponência dos mosteiros e igrejas medievais.
À
noite, no hotel, fomos montar as magrelas pra partir no dia
seguinte, e qual não foi nossa surpresa quando descobrimos o eixo traseiro de
uma das bicicletas totalmente entortado. Tentei todas as peripécias imagináveis
pra consertá-lo, mas não deu certo.
No
dia seguinte, dia de partir, perdemos a manhã inteira pra achar uma
bicicletaria que tivesse um eixo que coubesse na bike avariada.
Não foi um bom começo para um primeiro dia. Como se não bastasse, foi uma
dificuldade pra achar a saída de Lisboa: avenidas e estradas pra todo lado, um
mapa incompreensível, um céu cinzento e o tempo correndo. Depois de duas horas
de idas e voltas achamos nosso rumo e colocamos nossas máquinas de viajar na
direção de Sintra, pequena cidade turística a cinqüenta quilômetros da capital.
Passado
o sufoco inicial, o dia até que rendeu bem. Adaptamo-nos com facilidade ao peso
da bagagem e curtimos profundamente estar de novo na estrada, realizando um
projeto imaginado meses atrás, e incrivelmente (depois do trauma inicial) sem
chuva.
Chegamos
a Sintra no início da noite, sob um frio respeitável e bastante cansados do
“efeito primeiro dia”. Hospedamo-nos na casa de uma senhora moradora da cidade
e achamos isso o máximo: era uma casa construída em 1890, extremamente bem
cuidada, com todos os móveis e utensílios antigos igualmente bem conservados. E
a Dona Conceição, nossa anfitriã, também era muito simpática e receptiva.
O
dia seguinte seria o último do milênio, por isso resolvemos aproveitar o
aconchego da cidadezinha e da casa onde nos hospedamos para permitirmo-nos um
dia de descanso. Passamos o dia visitando as atrações de Sintra, como o
impressionante Palácio do Paço Real, uma construção com mais de mil anos,
pertencente à época dos mouros, que ainda conserva o mobiliário e os detalhes
góticos do séculos XV e XVI.
No
início do novo milênio estávamos no quarto, curtindo imensamente tão inusitada
situação, desejando ao mundo toda a paz, amor e sabedoria possível no novo
ciclo que se iniciava.
De
certa forma foi bom ter passado aquele significativo marco de contagem do
tempo. O começo de um novo ano (ainda que meramente conceitual) dava uma
agradável sensação de ânimo novo às coisas.
De
Sintra fomos para Torres Vedras, de olho no céu cinzento, com alguns chuviscos,
enfrentando estradas super movimentadas e estreitas, ventos fortes e um bonito
trecho à beira-mar, que facilmente compensou as dificuldades do caminho.
Nosso terceiro dia na estrada foi marcado por subidas íngremes, vilarejos bastante simpáticos e a constante ameaça de chuva, com o sol aparecendo entre as nuvens. Fomos parar em Alcobaça, pequena cidade dominada pelo imponente monastério e igreja de Santa Maria, construção do século XII que nos impressionou com suas enormes pilastras e pé direito muito alto.
O
dia seguinte amanheceu cinzento e chuvoso. Fomos conhecer o monastério por
dentro pra dar um tempo pra chuva passar, mas não adiantou. Às onze e meia
colocamos o pedal na estrada debaixo de uma chuvinha fina, e tomamos nosso
rumo. O tempo fechou geral: aspecto de tempestade, frio intenso, vento forte,
água da chuva, dos carros e caminhões que passavam do lado e das poças d'água
da estrada. Água de todos os lados, subidas íngremes e uma paisagem ainda assim
bonita, que nos acompanhou durante todo o dia.
Frio e chuva na estrada
Trecho do álbum de fotos original da viagem
Em frente ao santuário de Nossa Senhora de Fátima
Pedalar
debaixo de chuva naquele dia me fez pensar no que havia exatamente de tão ruim
naquela situação. Pensando bem, não era o que aparentemente parecia: o
desconforto da umidade, do frio, do equipamento molhado, o fato de quase não
poder fotografar. O que realmente incomodava era a “guerra mental”: o inútil
conflito da não aceitação de um fato simples e natural: estava chovendo. Fui a
fundo nessa investigação, e essa reflexão me ajudou a me conformar com a
situação. A Mari... bem, a Mari não precisava dessas análises. Ela estava
sempre bem, quase sem se importar com a chuva, com o frio e esses detalhes
“pouco significantes”.
Fátima é a cidade onde Nossa Senhora apareceu a três pastorinhos e a mais de setenta mil pessoas no dia 13 de outubro de 1917, após uma série de outras aparições e milagres que marcaram profundamente a vida da população local e, em conseqüência, de toda a comunidade católica.
Hoje
a cidade é um centro de peregrinação mundial e vive em função disso. Realmente
o astral de devoção e de reverência do lugar impressiona e cativa. O sino da
igreja tocando de hora em hora, o silêncio das ruas, as velas queimando no
local das oferendas, aliado ao clima chuvoso do inverno conferiam ao ambiente
um ar místico e introspectivo.
Como
queríamos conhecer bem a cidade e a sua história decidimos por nos conceder um
dia de descanso, e aproveitamos pra visitar o museu de cera (onde pudemos
realmente compreender os detalhes das aparições), o santuário e a igreja de
Nossa Senhora de Fátima, e para assistir à missa e dar mais atenção à nossa
espiritualidade.
No
outro dia o tempo resolveu nos impor um descanso forçado: amanheceu chovendo
torrencialmente. Os jornais da TV só falavam em enchentes, quedas de encostas e
construções, interrupções de estradas e previsão de mais chuva. Chegamos a
pensar seriamente em cancelar a viagem de bike, pegar um ônibus de
volta pra Lisboa e procurar algum lugar onde não estivesse chovendo tanto. Mas
decidimos tentar um pouco mais.
6
de janeiro: o dia amanheceu com aquela cara de ressaca, jeito de chuva, nuvens
passando rápido no céu. Antes de sair da cidade entramos num mercadinho pra
comprar um refil de gás para o nosso fogareiro, quando saímos, três minutos
depois, chuva! Tudo bem, esperamos um pouco, deu uma estiada, e
prosseguimos.
O
dia continuou assim, com chuvas ocasionais, dribladas em abrigos improvisados,
estradas interditadas (em que tivemos até que carregar as bicicletas e a
bagagem) e uma certa tensão no ar, exigindo alta dose de paciência e
força de vontade. Mas valeu a pena: no meio da tarde o tempo abriu, o sol e o
céu azul apareceram e o clima era aquele típico de pós tempestade, com
passarinhos cantando, cheiro de mato, estrada tranquila e paisagem bonita,
aliviando a apreensão inicial e fortalecendo as nossas convicções de
prosseguir.
Chegamos a Abrantes no início da noite, hospedamo-nos num hotel bastante simpático e tivemos uma boa noite de sono.
Chegamos a Abrantes no início da noite, hospedamo-nos num hotel bastante simpático e tivemos uma boa noite de sono.
E
então tivemos um dia fantástico: céu completamente azul, muito sol, paisagens
belíssimas, simpáticos vilarejos com suas casinhas brancas, os rebanhos de
ovelhas pastando com os sininhos tilintando campo afora. Realmente um dia
ideal, em que percorremos quase noventa quilômetros de estradas tranqüilas e
horizontes amplos, atravessando um pedaço da Europa que queríamos ver, longe da
agitação dos grandes centros.
No
final da tarde chegamos a Castelo de Vide, última cidade portuguesa do nosso
roteiro. Um bonito castelo do século XII domina a cidade do alto de um morro,
ainda mais bonito iluminado pela luz do sol poente e dos nossos sonhos se
transformando em realidade, bem ali, debaixo dos nossos pés.
Mari fazendo graça com a caça dos caras encostados no muro
O guia que usávamos alertava: “nos próximos dois dias de pedalada, infelizmente (ou felizmente, dependendo de como você vê a questão) você estará pedalando através de um território bastante desabitado, e cidades maiores e opções de acomodação são reduzidas.” De fato: o trecho que se seguiu foi bastante introspectivo.
Trecho do nosso guia
Cruzamos
a fronteira entre Portugal e Espanha curtindo uma profunda sensação de
satisfação e alegria, e pedalamos por uma paisagem de campos de pastagem,
morros suaves no horizonte, pouco movimento e aquela sensação gostosa de estar
à vontade com o que se está fazendo.
Entrando na Espanha
Nessa
ocasião o único cicloturista que encontramos na viagem passou por nós e seguiu
seu caminho solitário. Alcançamos o nosso objetivo daquele dia às cinco da
tarde, já quase noite e sob um frio intenso. Salorino, a cidadezinha espanhola
em que paramos, não tinha hotel, nem pensão, só algumas casas, igreja e algum
comércio. Pensamos em acampar num terreno qualquer, mas o frio nos
desestimulou. Pedindo informações sobre algum lugar em que poderíamos passar a
noite, nos indicaram a Prefeitura, e lá foi a Mari falar com o “alcade”,
que nos recebeu super bem e nos cedeu o alojamento da piscina municipal para
montarmos nosso “acampamento”. E assim passamos nossa noite improvisada dentro
dos sacos de dormir, satisfeitos por estarmos seguindo adiante.
Mas
o tempo fechou de novo, e voltamos a pedalar debaixo de chuva e muito frio,
driblando a umidade com sacos plásticos nos pés e nas mãos, transformando o
passeio em expedição, pedalando pra chegar (e chegar bem), contando os
quilômetros um a um. O dia cinzento me fez admirar ainda mais a minha parceira
de viagem e de vida: impressionante a disposição e a capacidade de manter o
astral elevado da Mari, ainda quando pedalando o dia inteiro debaixo de chuva,
em condições bem adversas. É fácil curtir as viagens, e a vida, quando
tudo está fantasticamente bem, mas manter o sorriso na cara quando as coisas
não estão como gostaríamos é uma virtude e tanto, rara e admirável.
Mari vestida pra guerra (muita chuva e frio)
Tive
tempo pra pensar ainda como, numa viagem desse tipo, os dias são tão diferentes
uns dos outros, e tão intensos. Parece que cada dia é uma história à parte,
único. “Ontem” parece que foi a muito tempo atrás, “hoje” parece eterno, um
tempo vivo, cheio de nuances, “amanhã" é sempre promissor e cheio de
expectativa. Entre reflexões e pedaladas cruzamos um fuso horário, perdemos uma
hora, e chegamos a Cáceres no começo da noite, molhados, cansados, e
satisfeitos como crianças.
Sentindo
a necessidade de dar uma parada, devido ao desgaste físico dos últimos dias,
resolvemos descansar por um dia. Dormimos até mais tarde, arrumamos as nossas
coisas e demos uma passeada pela cidade, sem compromisso, e aproveitamos pra
comprar luvas impermeáveis e grossas, resistentes à chuva e ao frio.
A
previsão do tempo infelizmente não se enganou: voltamos à estrada com chuva e
pudemos testar a eficiência das novas luvas. Mas, de alguma forma, apesar das
condições permanecerem difíceis, estávamos melhor adaptados ao equipamento e à
estrada, protegidos dentro de seis camadas de roupa, que conseguiram nos manter
aquecidos, garantindo um bom rendimento e muita diversão no trecho de cinqüenta
quilômetros que nos levou a Trujillo, nosso destino naquele dia.
A
cidadezinha caracteriza-se pela antiga igreja, situada na Plaza Mayor, na
qual a estátua equestre de Francisco Pizarro, conquistador do Peru e filho da
cidade, domina a cena. Hospedamo-nos num hotel legal, junto da tal praça, no
qual havia um bar bastante movimentado onde saboreamos uma tortilla bem
boa, um prato à base de batata, parecido com um purê.
Trecho do diário da viagem
O
tempo continuou nublado e frio, mas não choveu, e, além disso, fomos brindados
com uma etapa extremamente bonita: uma longa e suave subida de cinco
quilômetros, um interessante túnel, longa e suave descida, e a distância
passando rápido por baixo das nossas singelas máquinas, num percurso de setenta
e quatro quilômetros até Navalmoral, uma cidade um pouquinho maior do que as
anteriores, bastante urbanizada, sem grandes atrativos.
A
espessa névoa que limitou a visibilidade a poucas dezenas de metros, até quase
meio-dia, era um bom sinal: sol! Que satisfação voltar a pedalar debaixo do céu
azul depois de tantos dias cinzentos! E, apesar de dois pneus furados
(consertados sem problemas), o dia rendeu super bem, o tempo todo pedalando
pela auto-estrada E-90, com ótimo asfalto e quase
sem subidas e descidas, contribuindo para
estabelecermos nossa maior velocidade média até então. Chegamos no nosso
objetivo no meio da tarde, e como era um sábado, havia uma multidão passeando
pelas calçadas, curtindo a tranqüilidade
à beira-rio, num clima altamente pacífico.
Trecho do diário da viagem
Pedindo
informações para um senhor na rua comecei a pensar na infinidade de histórias
de vida que cada uma daquelas pessoas tinha: cada um era um mundo à parte
do grande mundo, cada rosto era um caminho diferente... Pensando e sonhando
terminamos mais um dia, já com aquela sensação de estar mais para o final do
que para o começo da viagem.
“As
pernas da Carolina não são grossa nem são fina...” – não tinha a mínima ideia de
onde a Mari tirava tantas canções “surrealistas”, o fato é que nosso repertório
musical estava a mil, embalando nossas pedaladas por terras fantásticas, agora
novamente em estrada secundária, com pouco movimento e muito horizonte, num dia
absolutamente azul e luminoso.
As
incontáveis plantações de oliveiras nos encantaram. Num certo local,
desembarcamos das bicicletas e fomos ver de perto como o pessoal colhia as
pequenas olivas. A Mari até ajudou na colheita por algum tempo, provamos o
fruto e tivemos um bom papo com os alegres espanhóis.
As bonitas plantações de oliveiras, de onde se extrai as olivas
(Mari ajudando na colheita)
Mais à frente uma cena me tocou: passando por um povoado, um homem dirigindo um trator, à distância, num gesto espontâneo e despretensioso, estende a mão e nos cumprimenta. Na realidade esse tipo de coisa acontecia freqüentemente no dia-a-dia da nossa viagem, mas por algum motivo aquela vez me fez pensar na grandiosidade daquele gesto simples: a mais pura consideração entre dois seres humanos completamente desconhecidos e distantes – um ideal de relacionamento.
Cantando
e pedalando chegamos à última cidade do nosso roteiro antes de Madri: Toledo –
“cidade turística, capital visigótica da Espanha, caracteriza-se por seus
campanários e torres no alto de uma montanha diferente e ao lado do Rio Tejo (o
mesmo de Lisboa)” [1].
Trecho do guia de viagem
O
ritmo e a cidade sugeriam um dia de descanso, e aproveitamo-lo pra conhecer os
detalhes da famosa e belíssima cidade histórica. Impressionamo-nos
particularmente com a Catedral – “exemplo glorioso da arquitetura gótica
espanhola, construída entre os séculos XIII e XVI. Como muitas da Espanha,
a cidade cresceu à sua volta. Elevando-se por uma torre de 91 metros, tem cinco
naves e dezenas de capelas” [2].
Realmente
uma obra fantástica! Visitar esta igreja, e inúmeras outras na cidade, nos fez
pensar na questão do tempo: hoje em dia temos a sensação de que, por exemplo,
dez anos é um tempo enorme; mas o que representa esse tempo em cinco séculos,
ou em mil anos. Interessante ver uma ponte e imaginar que há mais de mil anos
ela está lá, com o rio correndo entre seus pilares...
Mari se divertindo com cenas de Toledo
Comparando com a escalada de uma montanha, restava chegar ao topo. Setenta quilômetros nos separavam de Madri. Foi com um estranho misto de alegria e tristeza que montamos a bagagem nas bikes para o último trecho. Mas é preciso seguir o caminho. O charme do dia não esteve na movimentada auto-estrada nem no céu cinzento carregado de nuvens, mas tão somente na satisfação interna de estar chegando e conquistar um objetivo. Vimo-nos em Madri por volta das cinco da tarde, mais bem adaptados ao intenso tráfego e às inúmeras ruas do que nossa expectativa julgou razoável supor.
Trecho do diário da viagem
Chegando em Madri
Tivemos,
pela primeira vez na viagem, certa dificuldade pra achar um hotel que aceitasse
as nossas bikes. A maioria deles fica em prédios antigos, sem
garagem ou qualquer coisa parecida, com corredores estreitos e instalações
pequenas, mas muito bem cuidadas. A fria recepção nos alertou logo: estávamos
numa “cidade grande”.
Passado
esse pequeno contratempo inicial tratamos de curtir Madri. Tivemos muito boa
impressão da cidade. Entre outras atrações, passamos praticamente um dia
inteiro só no museu do Prado – famoso no mundo inteiro, abriga uma coleção
notável desde o período gótico, passando pela Renascença e por antigos mestres
espanhóis, especialmente Murillo, El Greco, Goya e Velázques. O aspecto moderno
da cidade, aliado aos muito bem conservados prédios antigos, com suas fachadas
ricamente trabalhadas, conquistam o visitante e permitem-no usufruir o melhor
do Velho e do Novo Mundo.
No
nosso terceiro dia na capital resolvemos dar uma escapada do urbanismo
madrileno: pegamos um trem e fomos conhecer uma estação de esqui numa
cidadezinha nas montanhas ao norte. Puerto Navacerrada foi a descoberta do
“tesouro no fim da trilha”. Muita neve e uma paisagem de não tirar o dedo do
botão de clicar da máquina fotográfica.
Mari se divertindo na neve, em Puerto Navacerrada
Voltamos
lá no dia seguinte e o sol e o céu completamente azul, contrastando com a neve
branco brilhante, foram nosso grande presente depois de tanta chuva e tempo
adverso. Entusiasmamo-nos até pra arriscar algumas horas na pista de esqui
- negócio bonito de ver na televisão, mas bem difícil de aprender assim
de repente.
E
então o nosso tempo estava terminando. De Madri voltamos pra Lisboa de trem,
curtindo uma inusitada viagem de dez horas num camarote com um beliche e
algumas pequenas comodidades, embalados pelo balanço do trem e pelas recentes
lembranças de um tempo tão único em nossas vidas.
Trecho do diário da viagem
De
todas as experiências (externas e internas) vividas, a que mais nos cativou a
foi o fato de ter feito a viagem. Exatamente: simplesmente ter realizado um sonho.
Particularmente num tempo em que parece ser cada vez mais desafiante
desligarmo-nos do nosso mundo cercado de aparente conforto por todos os lados.
Particularmente numa viagem em que houve tantos desafios bem nítidos: o clima,
as exigências do dia-a-dia no Brasil, a (falta de) grana. Numa época em
que é tão fácil achar motivos pra desistir dos planos. “Fazer” – a força e o
poder de apenas “fazer”!
Além
das fotos, dos ensinamentos e das inúmeras lembranças, fica a intenção e a
esperança de que possamos estar de volta em breve a uma dessas estradas desse
nosso mundo. Quem sabe nos encontremos por aí...
Curitiba, Março de 2001.
[1] Guia
Frommer’s - Europa a $50 por dia - Pág
651
[2] Guia
Frommer’s - Europa a $50 por dia - Pág
651
- Relatório de gastos diários com alojamento, alimentação e diversos:
DIAS
|
DATA
|
GASTOS em US$
|
||||||
Aloj
|
Alim
|
Div
|
Total
|
Média
|
||||
1º
|
Portugal
|
Dez
2000
|
27 Qua
|
-
|
R$ 16,70
|
R$ 8,50
|
12,60
|
12,60
|
2 º
|
28 Qui
|
60,24
|
6,27
|
21,92
|
88,43
|
50,52
|
||
3º
|
29 Sex
|
60,24
|
30,19
|
15,57
|
106,00
|
69,01
|
||
4º
|
30 Sáb
|
38,55
|
16,62
|
16,63
|
71,80
|
69,71
|
||
5º
|
31 Dom
|
38,55
|
18,96
|
-
|
57,51
|
67,27
|
||
6º
|
Janeiro
2001
|
1º Seg
|
36,15
|
13,11
|
-
|
49,26
|
64,27
|
|
7º
|
02 Ter
|
26,51
|
13,20
|
-
|
39,71
|
60,76
|
||
8º
|
03 Qua
|
24,10
|
5,59
|
5,78
|
35,47
|
57,60
|
||
9º
|
04 Qui
|
24,10
|
27,27
|
23,52
|
74,89
|
59,52
|
||
10º
|
05 Sex
|
24,10
|
8,38
|
-
|
32,48
|
56,82
|
||
11º
|
06 Sáb
|
38,07
|
7,23
|
4,34
|
49,64
|
56,16
|
||
12º
|
07 Dom
|
48,19
|
16,18
|
-
|
54,17
|
56,85
|
||
13º
|
Espanha
|
08 Seg
|
-
|
5,43
|
-
|
5,43
|
52,89
|
|
14º
|
09 Ter
|
34,27
|
20,02
|
5,71
|
60,00
|
53,40
|
||
15º
|
10 Qua
|
34,27
|
34,58
|
19,62
|
88,47
|
55,74
|
||
16º
|
11 Qui
|
33,61
|
22,56
|
-
|
56,17
|
55,76
|
||
17º
|
12 Sex
|
18,12
|
7,22
|
-
|
25,34
|
53,98
|
||
18º
|
13 Sáb
|
14,15
|
32,18
|
-
|
46,33
|
53,55
|
||
19º
|
14 Dom
|
33,40
|
2,41
|
-
|
35,81
|
52,62
|
||
20º
|
15 Seg
|
33,40
|
31,12
|
11,32
|
75,84
|
53,78
|
||
21º
|
16 Ter
|
32,83
|
11,80
|
-
|
44,63
|
53,34
|
||
22º
|
17 Qua
|
37,36
|
41,05
|
4,30
|
82,71
|
54,68
|
||
23º
|
18 Qui
|
37,36
|
14,43
|
19,81
|
71,60
|
55,41
|
||
24º
|
19 Sex
|
37,36
|
25,50
|
20,03
|
82,89
|
56,55
|
||
25º
|
20 Sáb
|
37,36
|
6,41
|
67,52
|
111,29
|
58,75
|
||
26º
|
21 Dom
|
59,48
|
7,14
|
24,27
|
90,89
|
59,98
|
||
27º
|
22 Seg
|
-
|
6,38
|
6,00
|
12,38
|
58,22
|
||
TOTAL
|
-
|
861,77
|
439,58
|
270,59
|
1571,94
|
55,92
|
- Relatório de dados de distância percorrida, tempo em movimento, velocidade média e velocidade máxima:
DIAS
|
DATA
|
CICLO-COMPUTADOR
|
|||||
Dst
|
Tm
|
Av
|
Mx
|
||||
1º
|
Portugal
|
Dez
2000
|
27 Qua
|
-
|
-
|
-
|
-
|
2 º
|
28 Qui
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
3º
|
29 Sex
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
4º
|
30 Sáb
|
50,0
|
3 57
|
12,6
|
N.A.
|
||
5º
|
31 Dom
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
6º
|
Janeiro
2001
|
1º Seg
|
56,6
|
4 00
|
14,1
|
43,5
|
|
7º
|
02 Ter
|
72,3
|
5 00
|
14,4
|
43,0
|
||
8º
|
03 Qua
|
39,3
|
3 24
|
11,5
|
40,0
|
||
9º
|
04 Qui
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
10º
|
05 Sex
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
11º
|
06 Sáb
|
71,5
|
5 19
|
13,4
|
42,0
|
||
12º
|
07 Dom
|
81,8
|
6 39
|
12,3
|
48,5
|
||
13º
|
Espanha
|
08 Seg
|
( 66,0 )
|
N.A.
|
N.A.
|
N.A.
|
|
14º
|
09 Ter
|
64,7
|
5 30
|
11,7
|
44,5
|
||
15º
|
10 Qua
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
16º
|
11 Qui
|
49,7
|
4 10
|
11,9
|
42,5
|
||
17º
|
12 Sex
|
74,0
|
5 35
|
13,2
|
44,0
|
||
18º
|
13 Sáb
|
71,0
|
4 33
|
15,6
|
39,0
|
||
19º
|
14 Dom
|
83,1
|
5 46
|
14,4
|
53,0
|
||
20º
|
15 Seg
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
21º
|
16 Ter
|
77,0
|
4 57
|
15,5
|
47,0
|
||
22º
|
17 Qua
|
( ao
todo: 13 dias pedalando)
|
|||||
23º
|
18 Qui
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
24º
|
19 Sex
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
25º
|
20 Sáb
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
26º
|
21 Dom
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
27º
|
22 Seg
|
-
|
-
|
-
|
-
|
||
TOTAL
|
-
|
857,0
|
-
|
-
|
-
|
- Relatório geral de gastos:
ENERGIA FINANCEIRA -
TOTAL GERAL
|
|||
ITEM
|
R$
|
US$
|
%
|
PASSAGENS (aérea, férrea e terrestre)
|
4720,
|
-
|
51.4
|
ALIMENTAÇÃO /
ALOJAMENTO / DIVERSOS
|
3140,
|
1570,
|
34.2
|
PRESENTES
E LEMBRANÇAS
|
66,
|
-
|
0.7
|
FOTO
|
217,
|
-
|
2.4
|
GASTOS
EXTRAS durante a viagem
|
246,
|
123,
|
2.6
|
COMPRAS
DIVERSAS antes da viagem
|
800,
|
-
|
8.7
|
TOTAL GERAL
(~)
|
9200,
|
-
|
100
|
CÂMBIO à época da viagem (aproximado)
|
US$ 1,00 = R$ 2,00 |
US$ 1,00 = 207$50 (escudos – Portugal)
|
US$ 1,00 = 176,00
PTS (pesetas – Espanha)
|
- Livro-guia de viagens de bike na Europa, que utilizamos para montar nosso roteiro:
- Todas as fotos foram tiradas por nós. Agora digitalizadas para esta plataforma.
Gratidão
Força Sempre
Nenhum comentário:
Postar um comentário