Tiger 900 Rally Pro

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domingo, 16 de agosto de 2015

Viagem de bicicleta de Lisboa a Madri (900 km) – Portugal e Espanha - 27 Dez 2000 a 22 Jan 2001








A viagem de bicicleta de Lisboa a Madri aconteceu em um momento da vida bem específico e em circunstâncias diferentes das viagens anteriores. Morávamos havia um ano em Curitiba, e nesse período empreendemos o ousado projeto de comprar e montar uma casa pra chamar de nosso lar. O que quer dizer que, sob o ponto de vista financeiro, havia sido uma fase bem "desgastante".

Mari e eu ainda curtíamos aquele clima de recém casados e o meu entusiasmo pelas viagens outdoor me inquietava cada vez mais. Lembro que fiz uma espécie de trato comigo mesmo, na época em que estávamos pesquisando casa pra comprar, que aquele passo não me afastaria da efervescente paixão pelas viagens de bicicleta em particular, e por todas as outras em geral.

Assim, com o final do ano se aproximando (e com isso um período de férias), começamos a pensar no que fazer, e onde. Queria fazer uma viagem de bike no exterior com a Mari, para curtirmos juntos a brincadeira, mas estávamos com o orçamento bem apertado. De certa forma, escolhemos Portugal e Espanha por ser, na época, a passagem aérea mais barata pra Europa.

Usei a mesma bicicleta que havia trazido da Nova Zelândia dois anos antes, compramos uma bike semelhante pra Mari e começamos a por em prática nossos planos "mirabolantes".

A viagem em si foi bem diferente das outras que tinha feito. A começar pelo tempo predominantemente chuvoso que pegamos em grande parte do percurso, passando pelo fato de ter sido uma viagem a dois e também devido ao tipo de paisagens e "perfil" dos países que visitamos.

No final das contas foi uma experiência riquíssima, não só pelo que vivemos em solo luso-espanhol, mas também por termos feito uma viagem juntos, por ter com quem dividir os prazeres e dificuldades do caminho e por ter com quem rir e se divertir com as coisas bobas e simples do dia a dia. Olhando em retrospecto, acho que foi uma época bem feliz.

O projeto todo foi, de certa forma, um abuso do ponto de vista financeiro (não por ter sido exageradamente cara, mas em relação às nossas condições na ocasião). Se tivesse querido ser coerente e sensato não teria absolutamente comprado aquelas passagens aéreas e embarcado na brincadeira. Mas lembro que tinha a exata noção de que era preciso ter certa pressa com esses planos, e que se fosse esperar condições ideais pra fazer algo assim, jamais faria. 

Vendo de hoje, me parece que todas as contas foram pagas (a duras penas, mas foram), e as lembranças e alegrias de ter vivido mais essa história ainda perduram.

O texto transcrito abaixo foi escrito algumas semanas após o retorno, e conta um pouco o dia-a-dia dessa bela vivência.


Curitiba, Novembro de 2016.










Lisboa-Madri de bicicleta

  900 km de aventura








A senhora idosa sentada ao lado da Mari no avião fez uma cara de espanto quando soube que estávamos indo pra Lisboa pra pedalar de lá até Madri. Não exatamente pelo projeto de pedalar, mas por estarmos em pleno inverno europeu. E no meio do seu comentário em bom português “com sotaque português” alguma coisa me chamou a atenção: “mas lá chove muito nessa época...”  -  chove!? 

Bem, estávamos já quase chegando na terra dos nossos antepassados históricos, após meses de preparação, um monte de expectativa e uma vontade louca de pedalar e de esquecer do nosso mundo formatado em trabalho, pressões e correrias... "Não seria uma chuvinha qualquer que iria nos impedir", pensei.








Mas não era uma chuvinha qualquer... Assim que pousamos na capital lusitana, às oito e meia da manhã, olhei pela janelinha do avião e não acreditei no que estava vendo: ainda estava completamente escuro e havia um tempo de tempestade daqueles de não colocar o pé pra fora de casa. 

Nossos planos eram, basicamente, chegar no aeroporto, montar as bikes e sair pedalando pela cidade, calmamente, à procura de um bom hotel. De início, alterações: as bicicletas ficaram nas bolsas, pegamos um táxi para o hotel que achamos mais razoável no guia que tínhamos e passamos o resto do dia entocados no quarto, fazendo um ótimo exercício de resignação e auto-motivação.

Era a quinta-feira da última semana do século vinte. À noite demos uma saidinha para uma caminhada pela cidade e decidimos que se o sol aparecesse ao acordarmos na manhã seguinte sairíamos no sábado, com ou sem chuva. 

Na sexta-feira fomos dar uma olhada na cara de Lisboa. Deu pra sentir o jeitão da cidade: bastante formal, um tanto mal cuidada, um aspecto de coisas velhas, marcadas pelo tempo. Visitamos os principais monumentos e nos impressionamos com a antigüidade e a imponência dos mosteiros e igrejas medievais.













À noite, no hotel, fomos montar as magrelas pra partir no dia seguinte, e qual não foi nossa surpresa quando descobrimos o eixo traseiro de uma das bicicletas totalmente entortado. Tentei todas as peripécias imagináveis pra consertá-lo, mas não deu certo. 

No dia seguinte, dia de partir, perdemos a manhã inteira pra achar uma bicicletaria que tivesse um eixo que coubesse na bike avariada. Não foi um bom começo para um primeiro dia. Como se não bastasse, foi uma dificuldade pra achar a saída de Lisboa: avenidas e estradas pra todo lado, um mapa incompreensível, um céu cinzento e o tempo correndo. Depois de duas horas de idas e voltas achamos nosso rumo e colocamos nossas máquinas de viajar na direção de Sintra, pequena cidade turística a cinqüenta quilômetros da capital.

Passado o sufoco inicial, o dia até que rendeu bem. Adaptamo-nos com facilidade ao peso da bagagem e curtimos profundamente estar de novo na estrada, realizando um projeto imaginado meses atrás, e incrivelmente (depois do trauma inicial) sem chuva. 











Chegamos a Sintra no início da noite, sob um frio respeitável e bastante cansados do “efeito primeiro dia”. Hospedamo-nos na casa de uma senhora moradora da cidade e achamos isso o máximo: era uma casa construída em 1890, extremamente bem cuidada, com todos os móveis e utensílios antigos igualmente bem conservados. E a Dona Conceição, nossa anfitriã, também era muito simpática e receptiva.

O dia seguinte seria o último do milênio, por isso resolvemos aproveitar o aconchego da cidadezinha e da casa onde nos hospedamos para permitirmo-nos um dia de descanso. Passamos o dia visitando as atrações de Sintra, como o impressionante Palácio do Paço Real, uma construção com mais de mil anos, pertencente à época dos mouros, que ainda conserva o mobiliário e os detalhes góticos do séculos XV e XVI. 

No início do novo milênio estávamos no quarto, curtindo imensamente tão inusitada situação, desejando ao mundo toda a paz, amor e sabedoria possível no novo ciclo que se iniciava.

De certa forma foi bom ter passado aquele significativo marco de contagem do tempo. O começo de um novo ano (ainda que meramente conceitual) dava uma agradável sensação de ânimo novo às coisas. 

De Sintra fomos para Torres Vedras, de olho no céu cinzento, com alguns chuviscos, enfrentando estradas super movimentadas e estreitas, ventos fortes e um bonito trecho à beira-mar, que facilmente compensou as dificuldades do caminho. 













































     Nosso terceiro dia na estrada foi marcado por subidas íngremes, vilarejos bastante simpáticos e a constante ameaça de chuva, com o sol aparecendo entre as nuvens. Fomos parar em Alcobaça, pequena cidade dominada pelo imponente monastério e igreja de Santa Maria, construção do século XII que nos impressionou com suas enormes pilastras e pé direito muito alto.





Trecho do diário da viagem




Igreja de Santa Maria, em Alcobaça




O dia seguinte amanheceu cinzento e chuvoso. Fomos conhecer o monastério por dentro pra dar um tempo pra chuva passar, mas não adiantou. Às onze e meia colocamos o pedal na estrada debaixo de uma chuvinha fina, e tomamos nosso rumo. O tempo fechou geral: aspecto de tempestade, frio intenso, vento forte, água da chuva, dos carros e caminhões que passavam do lado e das poças d'água da estrada. Água de todos os lados, subidas íngremes e uma paisagem ainda assim bonita, que nos acompanhou durante todo o dia. 





Frio e chuva na estrada



Pretendíamos chegar a Fátima naquele dia. Por questões pessoais, Fátima era um objetivo muito importante pra Mari. Essa motivação extra nos deu força pra enfrentar as adversidades do tempo e atingir o objetivo no meio da tarde, completamente molhados e cansados, mas tranquilos e satisfeitos.





Trecho do álbum de fotos original da viagem




Em frente ao santuário de Nossa Senhora de Fátima




Pedalar debaixo de chuva naquele dia me fez pensar no que havia exatamente de tão ruim naquela situação. Pensando bem, não era o que aparentemente parecia: o desconforto da umidade, do frio, do equipamento molhado, o fato de quase não poder fotografar. O que realmente incomodava era a “guerra mental”: o inútil conflito da não aceitação de um fato simples e natural: estava chovendo. Fui a fundo nessa investigação, e essa reflexão me ajudou a me conformar com a situação. A Mari... bem, a Mari não precisava dessas análises. Ela estava sempre bem, quase sem se importar com a chuva, com o frio e esses detalhes “pouco significantes”.








     Fátima é a cidade onde Nossa Senhora apareceu a três pastorinhos e a mais de setenta mil pessoas no dia 13 de outubro de 1917, após uma série de outras aparições e milagres que marcaram profundamente a vida da população local e, em conseqüência, de toda a comunidade católica. 






Mari realizando suas preces




Hoje a cidade é um centro de peregrinação mundial e vive em função disso. Realmente o astral de devoção e de reverência do lugar impressiona e cativa. O sino da igreja tocando de hora em hora, o silêncio das ruas, as velas queimando no local das oferendas, aliado ao clima chuvoso do inverno conferiam ao ambiente um ar místico e introspectivo.














Como queríamos conhecer bem a cidade e a sua história decidimos por nos conceder um dia de descanso, e aproveitamos pra visitar o museu de cera (onde pudemos realmente compreender os detalhes das aparições), o santuário e a igreja de Nossa Senhora de Fátima, e para assistir à missa e dar mais atenção à nossa espiritualidade. 










No outro dia o tempo resolveu nos impor um descanso forçado: amanheceu chovendo torrencialmente. Os jornais da TV só falavam em enchentes, quedas de encostas e construções, interrupções de estradas e previsão de mais chuva. Chegamos a pensar seriamente em cancelar a viagem de bike, pegar um ônibus de volta pra Lisboa e procurar algum lugar onde não estivesse chovendo tanto. Mas decidimos tentar um pouco mais.











6 de janeiro: o dia amanheceu com aquela cara de ressaca, jeito de chuva, nuvens passando rápido no céu. Antes de sair da cidade entramos num mercadinho pra comprar um refil de gás para o nosso fogareiro, quando saímos, três minutos depois, chuva! Tudo bem, esperamos um pouco, deu uma estiada, e prosseguimos. 










O dia continuou assim, com chuvas ocasionais, dribladas em abrigos improvisados, estradas interditadas (em que tivemos até que carregar as bicicletas e a bagagem) e uma certa tensão no ar,  exigindo alta dose de paciência e força de vontade. Mas valeu a pena: no meio da tarde o tempo abriu, o sol e o céu azul apareceram e o clima era aquele típico de pós tempestade, com passarinhos cantando, cheiro de mato, estrada tranquila e paisagem bonita, aliviando a apreensão inicial e fortalecendo as nossas convicções de prosseguir.









     Chegamos a Abrantes no início da noite, hospedamo-nos num hotel bastante simpático e tivemos uma boa noite de sono.

E então tivemos um dia fantástico: céu completamente azul, muito sol, paisagens belíssimas, simpáticos vilarejos com suas casinhas brancas, os rebanhos de ovelhas pastando com os sininhos tilintando campo afora. Realmente um dia ideal, em que percorremos quase noventa quilômetros de estradas tranqüilas e horizontes amplos, atravessando um pedaço da Europa que queríamos ver, longe da agitação dos grandes centros. 










No final da tarde chegamos a Castelo de Vide, última cidade portuguesa do nosso roteiro. Um bonito castelo do século XII domina a cidade do alto de um morro, ainda mais bonito iluminado pela luz do sol poente e dos nossos sonhos se transformando em realidade, bem ali, debaixo dos nossos pés.









                                          Mari fazendo graça com a caça dos caras encostados no muro       






















     O guia que usávamos alertava: “nos próximos dois dias de pedalada, infelizmente (ou felizmente, dependendo de como você vê a questão) você estará pedalando através de um território bastante desabitado, e cidades maiores e opções de acomodação são reduzidas.” De fato: o trecho que se seguiu foi bastante introspectivo. 





Trecho do nosso guia





Cruzamos a fronteira entre Portugal e Espanha curtindo uma profunda sensação de satisfação e alegria, e pedalamos por uma paisagem de campos de pastagem, morros suaves no horizonte, pouco movimento e aquela sensação gostosa de estar à vontade com o que se está fazendo. 






Entrando na Espanha




Nessa ocasião o único cicloturista que encontramos na viagem passou por nós e seguiu seu caminho solitário. Alcançamos o nosso objetivo daquele dia às cinco da tarde, já quase noite e sob um frio intenso. Salorino, a cidadezinha espanhola em que paramos, não tinha hotel, nem pensão, só algumas casas, igreja e algum comércio. Pensamos em acampar num terreno qualquer, mas o frio nos desestimulou. Pedindo informações sobre algum lugar em que poderíamos passar a noite, nos indicaram a Prefeitura, e lá foi a Mari falar com o “alcade”, que nos recebeu super bem e nos cedeu o alojamento da piscina municipal para montarmos nosso “acampamento”. E assim passamos nossa noite improvisada dentro dos sacos de dormir, satisfeitos por estarmos seguindo adiante.




Trecho do diário da viagem




Mas o tempo fechou de novo, e voltamos a pedalar debaixo de chuva e muito frio, driblando a umidade com sacos plásticos nos pés e nas mãos, transformando o passeio em expedição, pedalando pra chegar (e chegar bem), contando os quilômetros um a um. O dia cinzento me fez admirar ainda mais a minha parceira de viagem e de vida: impressionante a disposição e a capacidade de manter o astral elevado da Mari, ainda quando pedalando o dia inteiro debaixo de chuva, em condições bem adversas. É fácil curtir as viagens, e a vida, quando tudo está fantasticamente bem, mas manter o sorriso na cara quando as coisas não estão como gostaríamos é uma virtude e tanto, rara e admirável.





Mari vestida pra guerra (muita chuva e frio)




Tive tempo pra pensar ainda como, numa viagem desse tipo, os dias são tão diferentes uns dos outros, e tão intensos. Parece que cada dia é uma história à parte, único. “Ontem” parece que foi a muito tempo atrás, “hoje” parece eterno, um tempo vivo, cheio de nuances, “amanhã" é sempre promissor e cheio de expectativa. Entre reflexões e pedaladas cruzamos um fuso horário, perdemos uma hora, e chegamos a Cáceres no começo da noite, molhados, cansados, e satisfeitos como crianças.








Cáceres é uma cidade de médio porte, rica em arquitetura e história, onde os castelos, muros e torres medievais evidenciam o passado ilustre da localidade. Uma das coisas mais interessantes da cidade é a grande quantidade de pelicanos, presentes em todos os telhados, com o seu característico som estalado preenchendo as ruas movimentadas e estreitas do lugar. 












Sentindo a necessidade de dar uma parada, devido ao desgaste físico dos últimos dias, resolvemos descansar por um dia. Dormimos até mais tarde, arrumamos as nossas coisas e demos uma passeada pela cidade, sem compromisso, e aproveitamos pra comprar luvas impermeáveis e grossas, resistentes à chuva e ao frio.

A previsão do tempo infelizmente não se enganou: voltamos à estrada com chuva e pudemos testar a eficiência das novas luvas. Mas, de alguma forma, apesar das condições permanecerem difíceis, estávamos melhor adaptados ao equipamento e à estrada, protegidos dentro de seis camadas de roupa, que conseguiram nos manter aquecidos, garantindo um bom rendimento e muita diversão no trecho de cinqüenta quilômetros que nos levou a Trujillo, nosso destino naquele dia. 

A cidadezinha  caracteriza-se pela antiga igreja, situada na Plaza Mayor, na qual a estátua equestre de Francisco Pizarro, conquistador do Peru e filho da cidade, domina a cena. Hospedamo-nos num hotel legal, junto da tal praça, no qual havia um bar bastante movimentado onde saboreamos uma tortilla bem boa, um prato à base de batata, parecido com um purê.








Trecho do diário da viagem




O tempo continuou nublado e frio, mas não choveu, e, além disso, fomos brindados com uma etapa extremamente bonita: uma longa e suave subida de cinco quilômetros, um interessante túnel, longa e suave descida, e a distância passando rápido por baixo das nossas singelas máquinas, num percurso de setenta e quatro quilômetros até Navalmoral, uma cidade um pouquinho maior do que as anteriores, bastante urbanizada, sem grandes atrativos.
















A espessa névoa que limitou a visibilidade a poucas dezenas de metros, até quase meio-dia, era um bom sinal: sol! Que satisfação voltar a pedalar debaixo do céu azul depois de tantos dias cinzentos! E, apesar de dois pneus furados (consertados sem problemas), o dia rendeu super bem, o tempo todo pedalando pela auto-estrada E-90, com  ótimo  asfalto  e quase  sem  subidas  e descidas,   contribuindo para estabelecermos nossa maior velocidade média até então. Chegamos no nosso objetivo no meio da tarde, e como era um sábado, havia uma multidão passeando pelas calçadas,   curtindo   a   tranqüilidade   à beira-rio, num clima altamente pacífico. 




Trecho do diário da viagem











Pedindo informações para um senhor na rua comecei a pensar na infinidade de histórias de vida que cada uma daquelas pessoas tinha: cada um era um mundo à parte do grande mundo, cada rosto era um caminho diferente... Pensando e sonhando terminamos mais um dia, já com aquela sensação de estar mais para o final do que para o começo da viagem.




















“As pernas da Carolina não são grossa nem são fina...” – não tinha a mínima ideia de onde a Mari tirava tantas canções “surrealistas”, o fato é que nosso repertório musical estava a mil, embalando nossas pedaladas por terras fantásticas, agora novamente em estrada secundária, com pouco movimento e muito horizonte, num dia absolutamente azul e luminoso. 













As incontáveis plantações de oliveiras nos encantaram. Num certo local, desembarcamos das bicicletas e fomos ver de perto como o pessoal colhia as pequenas olivas. A Mari até ajudou na colheita por algum tempo, provamos o fruto e tivemos um bom papo com os alegres espanhóis. 






































As bonitas plantações de oliveiras, de onde se extrai as olivas 
(Mari ajudando na colheita)




Mais à frente uma cena me tocou: passando por um povoado, um homem dirigindo um trator, à distância, num gesto espontâneo e despretensioso, estende a mão e nos cumprimenta. Na realidade esse tipo de coisa acontecia freqüentemente no dia-a-dia da nossa viagem, mas por algum motivo aquela vez me fez pensar na grandiosidade daquele gesto simples: a mais pura consideração entre dois seres humanos completamente desconhecidos e distantes – um ideal de relacionamento.

Cantando e pedalando chegamos à última cidade do nosso roteiro antes de Madri: Toledo – “cidade turística, capital visigótica da Espanha, caracteriza-se por seus campanários e torres no alto de uma montanha diferente e ao lado do Rio Tejo (o mesmo de Lisboa)” [1]








Trecho do guia de viagem











O ritmo e a cidade sugeriam um dia de descanso, e aproveitamo-lo pra conhecer os detalhes da famosa e belíssima cidade histórica. Impressionamo-nos particularmente com a Catedral – “exemplo glorioso da arquitetura gótica espanhola, construída entre os séculos XIII e XVI. Como muitas da Espanha, a cidade cresceu à sua volta. Elevando-se por uma torre de 91 metros, tem cinco naves e dezenas de capelas” [2]







Trecho do guia de viagem





Realmente uma obra fantástica! Visitar esta igreja, e inúmeras outras na cidade, nos fez pensar na questão do tempo: hoje em dia temos a sensação de que, por exemplo, dez anos é um tempo enorme; mas o que representa esse tempo em cinco séculos, ou em mil anos. Interessante ver uma ponte e imaginar que há mais de mil anos ela está lá, com o rio correndo entre seus pilares...










Mari se divertindo com cenas de Toledo




       Comparando com a escalada de uma montanha, restava chegar ao topo. Setenta quilômetros nos separavam de Madri. Foi com um estranho misto de alegria e tristeza que montamos a bagagem nas bikes para o último trecho. Mas é preciso seguir o caminho. O   charme  do  dia  não  esteve  na movimentada auto-estrada nem no céu cinzento carregado de nuvens, mas tão somente na satisfação interna de estar chegando e conquistar um objetivo. Vimo-nos em Madri por volta das cinco da tarde, mais bem adaptados ao intenso tráfego e às inúmeras ruas do que nossa expectativa julgou razoável supor.






Trecho do diário da viagem





Chegando em Madri




Tivemos, pela primeira vez na viagem, certa dificuldade pra achar um hotel que aceitasse as nossas bikes. A maioria deles fica em prédios antigos, sem garagem ou qualquer coisa parecida, com corredores estreitos e instalações pequenas, mas muito bem cuidadas. A fria recepção nos alertou logo: estávamos numa “cidade grande”.













Passado esse pequeno contratempo inicial tratamos de curtir Madri. Tivemos muito boa impressão da cidade. Entre outras atrações, passamos praticamente um dia inteiro só no museu do Prado – famoso no mundo inteiro, abriga uma coleção notável desde o período gótico, passando pela Renascença e por antigos mestres espanhóis, especialmente Murillo, El Greco, Goya e Velázques. O aspecto moderno da cidade, aliado aos muito bem conservados prédios antigos, com suas fachadas ricamente trabalhadas, conquistam o visitante e permitem-no usufruir o melhor do Velho e do Novo Mundo.



Mari no Museu do Prado














A bela arquitetura de Madri




Trecho do diário da viagem




No nosso terceiro dia na capital resolvemos dar uma escapada do urbanismo madrileno: pegamos um trem e fomos conhecer uma estação de esqui numa cidadezinha nas montanhas ao norte. Puerto Navacerrada foi a descoberta do “tesouro no fim da trilha”. Muita neve e uma paisagem de não tirar o dedo do botão de clicar da máquina fotográfica. 





Mari se divertindo na neve, em Puerto Navacerrada






























Trecho do diário da viagem




Voltamos lá no dia seguinte e o sol e o céu completamente azul, contrastando com a neve branco brilhante, foram nosso grande presente depois de tanta chuva e tempo adverso. Entusiasmamo-nos até pra arriscar algumas horas na pista de esqui -  negócio bonito de ver na televisão, mas bem difícil de aprender assim de repente.




Segundo dia em Puerto Navacerrada, desta vez com sol e céu azul






































E então o nosso tempo estava terminando. De Madri voltamos pra Lisboa de trem, curtindo uma inusitada viagem de dez horas num camarote com um beliche e algumas pequenas comodidades, embalados pelo balanço do trem e pelas recentes lembranças de um tempo tão único em nossas vidas.








Trecho do diário da viagem




De todas as experiências (externas e internas) vividas, a que mais nos cativou a foi o fato de ter feito a viagem. Exatamente: simplesmente ter realizado um sonho. Particularmente num tempo em que parece ser cada vez mais desafiante desligarmo-nos do nosso mundo cercado de aparente conforto por todos os lados. Particularmente numa viagem em que houve tantos desafios bem nítidos: o clima, as exigências do dia-a-dia no Brasil, a (falta de) grana. Numa época em que é tão fácil achar motivos pra desistir dos planos. “Fazer” – a força e o poder de apenas “fazer”!

Além das fotos, dos ensinamentos e das inúmeras lembranças, fica a intenção e a esperança de que possamos estar de volta em breve a uma dessas estradas desse nosso mundo. Quem sabe nos encontremos por aí...







Curitiba, Março de 2001.







[1] Guia Frommer’s  -  Europa a $50 por dia  -  Pág 651
[2] Guia Frommer’s  -  Europa a $50 por dia  -  Pág 651













  • Relatório de gastos diários com alojamento, alimentação e diversos:



DIAS
DATA
GASTOS  em  US$
Aloj
Alim
Div
Total
Média
Portugal
Dez  2000
27  Qua
-
R$ 16,70
R$  8,50
12,60
12,60
2 º
28  Qui
60,24
6,27
21,92
88,43
50,52
29  Sex
60,24
30,19
15,57
106,00
69,01
30  Sáb
38,55
16,62
16,63
71,80
69,71
31  Dom
38,55
18,96
-
57,51
67,27
Janeiro  2001
1º     Seg
36,15
13,11
-
49,26
64,27
02   Ter
26,51
13,20
-
39,71
60,76
03   Qua
24,10
5,59
5,78
35,47
57,60
04   Qui
24,10
27,27
23,52
74,89
59,52
10º
05   Sex
24,10
8,38
-
32,48
56,82
11º
06   Sáb
38,07
7,23
4,34
49,64
56,16
12º
07   Dom
48,19
16,18
-
54,17
56,85
13º
Espanha
08   Seg
-
5,43
-
5,43
52,89
14º
09   Ter
34,27
20,02
5,71
60,00
53,40
15º
10   Qua
34,27
34,58
19,62
88,47
55,74
16º
11   Qui
33,61
22,56
-
56,17
55,76
17º
12   Sex
18,12
7,22
-
25,34
53,98
18º
13   Sáb
14,15
32,18
-
46,33
53,55
19º
14   Dom
33,40
2,41
-
35,81
52,62
20º
15   Seg
33,40
31,12
11,32
75,84
53,78
21º
16   Ter
32,83
11,80
-
44,63
53,34
22º
17   Qua
37,36
41,05
4,30
82,71
54,68
23º
18   Qui
37,36
14,43
19,81
71,60
55,41
24º
19   Sex
37,36
25,50
20,03
82,89
56,55
25º
20   Sáb
37,36
6,41
67,52
111,29
58,75
26º

21   Dom
59,48
7,14
24,27
90,89
59,98
27º
22   Seg
-
6,38
6,00
12,38
58,22
TOTAL

-
861,77
439,58
270,59
1571,94
55,92






  • Relatório de dados de distância percorrida, tempo em movimento, velocidade média e velocidade máxima:


DIAS
DATA
CICLO-COMPUTADOR
Dst
Tm
Av
Mx
Portugal
Dez  2000
27  Qua
-
-
-
-
2 º
28  Qui
-
-
-
-
29  Sex
-
-
-
-
30  Sáb
50,0
3 57
12,6
N.A.
31  Dom
-
-
-
-
Janeiro  2001
1º     Seg
56,6
4 00
14,1
43,5
02   Ter
72,3
5 00
14,4
43,0
03   Qua
39,3
3 24
11,5
40,0
04   Qui
-
-
-
-
10º
05   Sex
-
-
-
-
11º
06   Sáb
71,5
5 19
13,4
42,0
12º
07   Dom
81,8
6 39
12,3
48,5
13º
Espanha
08   Seg
( 66,0 )
 N.A.
N.A.
N.A.
14º
09   Ter
64,7
5 30
11,7
44,5
15º
10   Qua
-
-
-
-
16º
11   Qui
49,7
4 10
11,9
42,5
17º
12   Sex
74,0
5 35
13,2
44,0
18º
13   Sáb
71,0
4 33
15,6
39,0
19º
14   Dom
83,1
5 46
14,4
53,0
20º
15   Seg
-
-
-
-
21º
16   Ter
77,0
4 57
15,5
47,0
22º
17   Qua
( ao  todo:   13   dias   pedalando)
23º
18   Qui
-
-
-
-
24º
19   Sex
-
-
-
-
25º
20   Sáb
-
-
-
-
26º

21   Dom
-
-
-
-
27º
22   Seg
-
-
-
-
TOTAL

-
857,0
-
-
-






  • Relatório geral de gastos:


ENERGIA  FINANCEIRA   -   TOTAL  GERAL
ITEM
R$
US$
%
PASSAGENS    (aérea, férrea e terrestre)
4720,
-
51.4
ALIMENTAÇÃO  /  ALOJAMENTO  /  DIVERSOS
3140,
1570,
34.2
PRESENTES E LEMBRANÇAS
66,
-
0.7
FOTO
217,
-
2.4
GASTOS EXTRAS durante a viagem
246,
123,
2.6
COMPRAS DIVERSAS antes da viagem
800,
-
8.7
TOTAL  GERAL  (~)
9200,
-
100







CÂMBIO à época da viagem (aproximado)

 US$ 1,00  =  R$ 2,00

US$ 1,00 =  207$50 (escudos – Portugal)
US$ 1,00 = 176,00 PTS (pesetas – Espanha)






  • Livro-guia de viagens de bike na Europa, que utilizamos para montar nosso roteiro:









  • Todas as fotos foram tiradas por nós. Agora digitalizadas para esta plataforma.





























Gratidão



Força Sempre






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