Prazeres
e contratempos de uma voltinha de moto não planejada
Domingo,
duas da tarde. Sou assaltado por uma enérgica sensação de inquietude. Resolvo
dar vazão à demanda e sair pra dar uma voltinha de moto. Mas não apenas um
passeio de ir ali e voltar daqui a pouco. Precisava dar uma saída um pouco
maior. Decidi que iria pra algum lugar e voltaria no dia seguinte. Arrumei
minhas coisas, avisei à Mari e à Thaís que estava saindo e fui.
Rápida
parada no posto pra encher o tanque, calibrar os pneus e bora pra estrada!
Peguei a BR 376 sentido sul. Já a caminho de lugar nenhum, pensei em dar um
pulo em algum canto de alguma daquelas simpáticas cidadezinhas do interior de
Santa Catarina. Lembrei-me que algum tempo atrás havia estado numa pousada bem
simpática na pequena cidade de Doutor Pedrinho. Estabeleci então um objetivo!
Inseri
o destino no GPS e vi que a distância prevista era de cerca de 250 km. Hora
prevista de chegada: 18h 20min. ‘Beleza’.
Trânsito
meio pesado na estrada, um pouco pior do que o normal, certamente por conta da
volta do feriado da sexta-feira. Paciência. Vamos tocando.
Pouco
antes de Joinville infleti para uma estrada secundária que atravessava grandes
plantações de arroz. Um pouco menos de movimento e um pouco menos de pressa do
tráfego local sinalizaram que estava na direção do que procurava – outro ritmo.
Pouco
depois das seis horas escureceu. De repente, não mais do que de repente, me vi
numa estrada de terra, dentro da escuridão, em meio à poeira, levado pelas
indicações do fiel (e às vezes incerto) Garmin. Putz! Vamos lá! Podia voltar e
buscar outro caminho, mas resolvi ver onde aquilo ia dar. Funcionou. Poucos
quilômetros depois estava de volta à sensação de maior civilidade do asfalto.
Meia
hora mais tarde chegava ao destino previsto. Nem o posto de gasolina estava
aberto. Ninguém nas ruas. Só alguns poucos postes a iluminar as ruas desertas.
Procuro daqui e dali até achar uma placa indicando o caminho da tal pousada em
que pretendia ficar. Novamente uma estradinha de terra levava até o portão da
hospedaria, que, pra combinar com tudo em volta, estava fechado, com cadeado, e
tudo apagado lá dentro. Putz! Tudo bem...
Fiz
meia volta e retornei ao centro da pequena cidade. Resolvi voltar pra Timbó,
uma cidade um pouco maior cerca de 30 km distante. Já em plena noite, fui
curtindo as muitas curvas da estradinha e apreciando o clima de sossego do
ambiente em volta.
Chegando
a Timbó, busquei opções de hospedagem no GPS, selecionei uma e fui dar uma
olhada. Um hotel bem bacana, mas com um preço da diária acima do que gostaria
de gastar naquele momento. ‘Vou ver mais umas opções’. Parei num posto de
combustível, abasteci, pedi informações ao frentista e em seguida fui dar uma
olhada no hotel que ele recomendara. Normal o hotelzinho, mas numa rua muito
movimentada. Como ainda era cedo e estava uma noite bem agradável, resolvi
tocar pra próxima cidade, Pomerode, pra curtir um pouco mais a oportunidade de
pilotar sob o aconchego da escuridão.
Pomerode
é uma cidadezinha bem simpática. Também já havia passado por lá há algum tempo
numa viagem de bicicleta no Circuito do Vale Europeu. Até me lembrava de uma
pousada bem aconchegante na qual havia me hospedado naquela ocasião. Busquei-a
então no GPS e me dirigi para lá. Mas estava fechada. Ok, não tá morto quem peleia.
Mais
uma tentativa: um hotel com um nome alemão bem sugestivo. Cheguei lá e o local
era acolhedor. No alto de uma colina, totalmente silencioso, jardim bem
cuidado. Uma moça simpática me atendeu. Mas o preço era ainda mais alto do que
o do hotel chique de Timbó. Agradeci e caí fora. Na verdade, quase cedi. Mas ainda
era cedo e ainda não estava cansado o suficiente pra arregar para um preço um
pouco mais alto do que queria. Talvez, no fundo, no fundo, quisesse mesmo era
continuar cavalgando meu belo cavalo mecânico, não sei bem...
Retornei
ao centro da cidade pensando no que fazer: procurar outra opção por ali ou
voltar à estrada. Dei uma fuçada no GPS, fiz uns cálculos mentais e já que
estava uma bela noite e estava bem à vontade com a situação, resolvi tocar em
frente. ‘Vou-me embora pra Joinville. Lá sou amigo do rei.’ E bora pra estrada!
Pilotar
à noite tem um duplo viés: a sensação boa de estar num mundo diferente do
diurno e, ao mesmo tempo, a sensação um tanto tensa de domínio da situação um
pouco menor do que se tem em plena luz. Tudo fica um pouco mais difuso,
concentrado no facho do farol a iluminar o estreito ângulo à frente. Curtir o
ronco grave do boxer da GS entre as pernas nesse clima de mistério que a noite
inspira é bem instigante e altamente motivador. É incrível o potencial de
prazer dessa máquina sobre rodas!
Por
volta das dez horas estava em Joinville, de volta ao ritmo acelerado dessas
cidades que se desacostumaram a dormir. Cheguei a pensar em fazer uma rápida
parada e tocar direto de volta pra casa, mas achei que uma noite numa cama
diferente faria bem à minha inquietude inicial.
Joinville
tem pra mim o impagável gosto de volta ao passado, já que morei lá por cinco
anos no começo da década de 90. Circular por algumas de suas ruas tem o efeito
inevitável de trazer à tona lembranças e emoções vividas naquela época. Boas
memórias! Interessante esse poder que o passado tem de nos inspirar esse
sentimento de saudade, de perda, de página virada. Sentimento bom, ao mesmo
tempo que um tanto melancólico.
Parei
numa lanchonete e fiz um rápido lanche. Fui então para um hotel que imaginava
que atenderia à minha expectativa de qualidade e preço. Hotel bacaninha, cheio
de estilo. Ao perguntar o preço, o cara da recepção falou: “um-cinco-nove, mais
3% de ISS, mais dezenove de garagem”. Engraçado esse nosso mundo moderninho. O sujeito me vêm com “um-cinco-nove” como se fosse um eufemismo para cento e
cinquenta e nove. E ainda tem a malandragem de separar o preço de um imposto do
preço total. Quase fiz meia volta e caí fora, mas achei que estava de bom
tamanho o meu passeio naquele momento, além de sacar que não ia adiantar muito
ficar correndo atrás de outras opções pra encaixar a equação perfeita de
custo-benefício. Relaxei e encerrei a brincadeira. Quase onze da noite. 404 km
rodados. Estava devidamente “remediado” para uma boa noite de sono.
No
dia seguinte cumpri os 130 km de volta para as alturas de Curitiba em
uma hora e pouco, num trecho conhecido e bem divertido da BR 101, subindo a
Serra do Mar. Cheguei em casa em tempo de pegar o almoço...
Às
vezes me cobro que esses passeios são meras sensações, traços pueris num mundo
de ilusões. Mas o que não é vão nesse nosso mundo material cheio de arestas? Se
é pra ser meio sem sentido, que pelo menos o seja de forma divertida. Sim,
talvez seja meio artificioso, mas de alguma forma parece que mantém o
equilíbrio da equação, essencialmente dinâmica, assim como a vida.
"Obcecados por contos de fadas,
passamos a vida procurando uma porta mágica e um reino perdido."
(Eugene O'Neill)
Gratidão
Força Sempre
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