Lembro-me que no início da adolescência me ocorreu uma questão que ocupou minhas reflexões por algum tempo: por que existe um mundo? E como seria se não houvesse nada... Quer dizer, nada mesmo. Com o passar do tempo e o natural surgimento de outras demandas (mais pragmáticas), esses devaneios ficaram adormecidos.
Muitos anos depois, em algum momento do começo de 2013, vi, por acaso, uma resenha de um livro numa revista que me chamou a atenção. Tratava-se de um trabalho de um autor chamado Jim Holt, que se debruçara justamente naquela questão que me ocorrera espontaneamente muitos anos antes.
"Por que o mundo existe?" (Editora Intrínseca, 2012) aprofunda-se na investigação filosófica (e também científica e religiosa) do por que existe um mundo e não simplesmente o nada, e é bastante interessante.
Logicamente que, por ser uma questão estritamente metafísica e inescrutável, que não se deve esperar por uma conclusão cartesiana, didática, definitiva. O texto se desenvolve através do que já foi pensado a esse respeito ao longo da história da humanidade, do que pensam os cientistas, os religiosos, as pessoas comuns (e curiosas), e com isso constrói-se uma narrativa investigativa e que induz à reflexão, mas sendo o assunto que é, não há uma resposta conclusiva. O mérito está no caminho, e não no destino.
A título de ilustração, vejamos algumas passagens do texto:
"... qualquer explicação puramente cientifica da
existência do universo está fadada à circularidade."
"Ninguém pode se dizer dotado de superioridade
intelectual frente ao mistério da existência. Pois, como William James
observou, 'nesse ponto somos todos indigentes'
"Se o meu ser, o microcosmo, é ontologicamente
precário, talvez o mesmo se dê com o macrocosmo, o universo como um todo. Em
termos conceituais, a pergunta 'Por que o mundo existe' rima com 'Por que eu
existo?' ".
"Para Leibniz, a resposta era fácil. O motivo da
existência do mundo, afirmava então, era Deus, que o criou por livre escolha,
motivado por sua infinita bondade. Mas qual seria a explicação para a
existência do próprio Deus?"
"Bertrand Russel assim resumia o consenso filosófico:
'devo dizer que o universo apenas está aí, e isso é tudo.' "
"Einstein estava convencido de que o universo era não
só eterno mas também imutável de uma forma geral. Assim, em 1917, quando
aplicou sua teoria geral da relatividade ao espaço-tempo como um todo, ficou
perplexo ao constatar que suas equações indicavam algo radicalmente diferente:
o universo deve estar se expandindo ou se contraindo."
"Assim como passou a existir com o Big Bang inicial,
expandindo-se e evoluindo até a forma atual, ele também poderia vir a
desaparecer num futuro distante com um Big Crunch, um grande esmigalhamento.
(Uma das questões da cosmologia hoje é saber se o destino final do universo
será um grande esmigalhamento, um grande congelamento ou um grande colapso.)
Tal como nossas vidas, a vida do universo pode ser um mero intervalo entre dois
nadas."
"Na metafísica de Schopenhauer, todo o universo é uma
grande manifestação de luta, uma grande vontade. E a vontade, para
Schopenhauer, é em sua essência sofrimento: nenhum objetivo, uma vez alcançado,
é capaz de gerar satisfação; a vontade ou será frustrada e gerará infelicidade
ou será saciada e provocará tédio."
"Heidegger estabelecia uma distinção entre medo, que
tem objeto definido, e angústia, uma vaga sensação de não estar à vontade no
mundo. Do que temos medo em nossos momentos de ansiedade? Do nada. Nossa
existência sai do abismo do nada e acaba no nada da morte. Desse modo, o
encontro intelectual que cada um de nós tem com o nada está permeado pelo temor
do nosso iminente não ser."
"E quanto ao nada absoluto, a total ausência de tudo?
Seria possível? Certos filósofos afirmam que não é. Para eles, a própria ideia
é contraditória. Se estiverem certos, o enigma do ser tem uma solução fácil e
das mais triviais: existe algo e não apenas nada simplesmente porque o nada é
impossível. No dizer de um filósofo contemporâneo, 'não há alternativa ao ser'.
Seria verdade? Feche os olhos, por favor, e tape os ouvidos, Agora, imagine-se
num vazio absoluto. Tente projetar no não ser todo o conteúdo do mundo. Você
pode começar (...) imaginando o desaparecimento de todos os homens, mulheres,
árvores, plantas, pássaros e animais, o céu e a terra. E não apenas o céu, mas
tudo o que nele se encontra. Imagine todas as luzes se apagando no cosmos: o
sol desaparece, as estrelas se extinguem, as galáxias deixam de existir uma a
uma, ou bilhão a bilhão. Em sua mente,
todo o cosmos resvala para o silêncio, o frio, a escuridão - sem que haja mais
nada para ser silencioso, frio ou escuro. Você conseguiu imaginar o nada
absoluto. Mas será mesmo? Quando o filósofo francês Henri Bérgson tentou
imaginar a aniquilação universal, constatou que inevitavelmente restaria algo
no fim da experiência: seu eu interior. (...) Ele considerou impossível
imaginar o nada absoluto sem algum resíduo de consciência se manifestando na
escuridão, como uma luzinha por baixo da porta. Concluiu então que o nada deve
ser uma impossibilidade."
"O universo é contingente. Poderia não ter existido.
Considerando-se que existe, deve haver uma explicação. Deve ter sido gerado por
algum outro ser. Suponhamos que também esse ser seja contingente. Também deverá
haver, dessa forma, uma explicação para a existência dele. E assim por diante,
Só que ou essa cadeia explicativa chega ao fim em algum momento ou não. Se de
fato chega ao fim, o último ser na cadeia só pode ser auto explicativo. Se ela
prossegue ad infinitum, o que precisa de explicação é toda a cadeia de seres.
Ela deve ter sido causada por algum ser de fora da cadeia. Portanto, a
existência desse ser é que deve ser auto explicativa. Em qualquer caso, a
existência de um mundo contingente deve ser explicada, em última análise por
algo cuja existência seja auto explicativa."
"Nós claramente vivemos nos remanescentes diluídos,
resfriados e em expansão da grande explosão cósmica que ocorreu há cerca de
catorze bilhões de anos. O que poderia ter causado essa explosão primeva? E o
que a precedeu, se que é algo a precedeu?"
"A possibilidade de o mundo existir sem nenhuma razão o
deixa perturbado? "
No epílogo o autor conta como teve a inspiração pra se
dedicar por tanto tempo e com tanto afinco a essa questão de "por que
existe o mundo e não simplesmente o nada". Conta ele que, certo dia,
estava em Paris e viu, meio por acaso, um programa de TV em que esse tema era
abordado:
"Sintonizo um programa sobre literatura do conhecido
apresentador (...). Os convidados da noite são um padre dominicano, um físico
teórico e um monge budista. Eles estão à volta com uma profunda questão
metafísica, originalmente enunciada três séculos atrás por Leibniz: por que
existe algo e não apenas o nada?
Cada um dos convidados tem sua maneira diferente de
responder à pergunta. O padre, jovem bem apessoado, mas carrancudo, (...)
afirma que a realidade não podia deixar de ter uma origem divina. Assim como
cada um de nós passou a existir por um ato de nossos pais, diz o padre, também
o universo deve ter passado a existir pelo ato de um criador. Ele acrescenta
que Deus não foi a primeira causa num sentido temporal, pois Deus criou o
próprio tempo. Deus estava por trás do Big Bang, mas não era anterior a ele.
O físico é um sujeito mais velho (...). Mostra-se irritado e
impaciente com toda essa bobajada sobrenatural. A existência do universo é uma
pura questão de flutuações quânticas aleatórias, diz. Do mesmo modo que uma
partícula e sua antipartícula podem surgir espontaneamente de um vácuo, também
acontece com a semente de um universo inteiro. Assim, a teoria quântica explica
por que existe algo e não apenas o nada. Nosso universo surgiu por acaso de uma
flutuação quântica do vazio. E ponto final.
O monge, trajando uma túnica vermelha e açafrão, com os
ombros nus e a cabeça raspada, apresenta o ponto de vista mais interessante
sobre a questão. (...) Em contraste com a cara de santo do jovem padre e a
irritabilidade do velho físico, o monge exala felicidade. (...) Como budista,
diz, ele acredita que o Universo não teve início. O nada jamais poderia dar
origem ao ser, afirma, pois se define em oposição àquilo que existe. Nem um
bilhão de causas poderiam fazer com que um universo passasse a existir a partir
do que não existe.
(...) O monge budista protesta, gentil, que não está fugindo
da questão das origens. Ele a usa, isso sim, para explorar a natureza da
realidade. O que é o universo, afinal de contas? Não é naturalmente o nada. Mas
é algo muito próximo: um vazio. As coisas não tem, de fato, a solidez que lhes
atribuímos. O mundo é como um sonho, uma ilusão. Todavia, em nosso pensamento
transformamos sua fluidez em algo fixo e de aparência sólida."
A colocação do monge budista, no trecho transcrito acima,
meio que desarma o 'enredo' da história. Enquanto todos estão engajados em
decifrar o 'mistério do mundo', o cara pergunta: "que mundo?"
Pessoalmente acho esse tipo de questão a um só tempo fascinante, instigante, irrelevante e apaixonante.
O que me ocorre quando me dedico a pensar um pouco sobre esse tipo de assunto é quão limitados, pequenos e ignorantes nós somos em relação ao universo e à vida. De alguma forma, esse tipo de reflexão me inspira certa humildade, certa reverência e um sentimento meio angustiante de solidão.
A sensação que tenho é que fazemos parte de uma história muito maior e mais complexa (ou mais simples...) do que somos capazes de imaginar.
Será que "algum dia" seremos capazes de entender um pouco melhor tudo isso?
E você, o que acha dessa questão?
Cordilheira do Himalaia, vista do alto do Kalapatar, Abril de 1996
Um "grão de areia" do nosso universo incognoscível...
Um "grão de areia" do nosso universo incognoscível...
Força Sempre
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