(... em busca de silêncio)
Planejei essa viagenzinha mais
por razões sonoras do que visuais. Estava realmente precisando de um pouco de
silêncio. Tanto no sentido de ouvir quanto de falar.
Saí de casa na sexta-feira à
tarde, com o Troller, com a intenção de pernoitar na cidadezinha de
Guaraqueçaba, no litoral do Paraná, distante cerca de 160 km de Curitiba (metade
dos quais é de estrada de terra, e uma estradinha de terra daquelas...).
Justamente por essa dificuldade de acesso, essa localidade conserva exatamente
o que estava procurando naquele momento - aquela sensação de fim de mundo, um
lugar em que as pessoas vivem em outro ritmo e em que não se ouve no ar esse rosnar constante de motores em funcionamento, característico das cidades grandes.
O tempo, pra variar, estava
cinzento e com cara de chuva por essas bandas, não muito auspicioso para um
passeio. Paciência...
Antes mesmo de chegar ao começo
da tal estradinha de terra começou a cair água do céu, e o mundo tomou aquele
aspecto melancólico típico desses momentos – num lugar distante, sozinho,
embrenhando-se por caminhos tortuosos e desconhecidos, sob um céu cor de
chumbo...
Cheguei à pequena Guaraqueçaba
por volta das seis da tarde, debaixo de uma chuva decidida e com muita lama por
todo lado. Instalei-me numa pousadinha e dediquei o restante da noite a curtir
o que havia ido buscar, ouvir o silêncio e ficar em silêncio.
Na manhã seguinte a chuva que
caiu quase a noite inteira havia parado. Saí pra dar uma caminhada pelas
redondezas, apreciando, com ingênua alegria, as cenas simples de um pequeno
vilarejo acordando num sábado pela manhã. A mulher varrendo a frente de um templo
evangélico, um garoto passando de bicicleta trazendo um saco pendurado no
guidão (pão para o café da manhã?...), um homem saindo para o mar com sua
bateia (indo pescar?...).
A cidade fica à beira da Baía de
Paranaguá e, por isso, acaba sendo mais fácil chegar lá de barco do que de
carro (pelos ingratos 80 km de estrada de terra cheia de buracos e costelas de
vaca que havia percorrido no dia anterior). Esse posicionamento geográfico
confere ao local certo charme, certo ar de liberdade que só o mar é capaz de
proporcionar. Muito bom caminhar pelos caminhos à beira-mar sentindo o cheiro
da maresia, ouvindo o barulhinho da água batendo levemente nas pedras, os
pássaros cantando nas árvores em redor. Simples, mas revigorante.
Pouco depois iniciei o retorno,
mas nesse caminho de volta queria aproveitar pra conhecer uma reserva natural
de que havia ouvido falar, o Salto Morato, aonde se chega por uma outra
estradinha, ainda mais estreita e secundária, quatro quilômetros distante da
estrada principal.
“A Reserva Natural Salto Morato
está localizada em Guaraqueçaba, no litoral Norte do Paraná. Em 1994, a área
foi comprada com o apoio financeiro da The Nature Conservancy e, no mesmo ano,
foi reconhecida como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Desde
1996, é aberta ao público e se tornou uma das atrações turísticas do município
de Guaraqueçaba (PR). Em 1999, foi reconhecida pela Unesco como Sítio do
Patrimônio Natural da Humanidade.
A Reserva Natural Salto Morato
abriga uma área de 2.253 hectares de Mata Atlântica e encontra-se em região com
expressiva concentração de espécies de aves endêmicas - ou seja, que ocorrem
apenas no bioma -, sendo várias delas ameaçadas de extinção.”
[transcrito do
site www.fundacaogrupoboticario.org.br]
Fui recebido gentilmente por duas moças, às quais paguei a taxa de entrada (dez reais) e que me fizeram uma rápida exposição das características e detalhes da Reserva.
Iniciei então a caminhada pela
trilha que levava ao Salto Morato propriamente dito – uma queda d’água de cerca
de 120 metros de altura envolta por densa mata por todos os lados. Belo visual.
Fiz um vôo com o Mavic, pra tirar umas fotos aéreas do magnífico cenário e
fiquei um tempo ali, curtindo o barulho da água e a sensação boa de não ter
ninguém por perto.
Na sequência percorri outra
trilha pra ver outro atrativo da Reserva, uma figueira centenária que cresceu à
beira de um rio, e cujos galhos desenvolveram-se sobre esse rio.
Para acessar esses dois pontos, caminhei
cerca de três horas pelas trilhas, não tendo cruzado com ninguém nesse tempo em
que lá estive. Mais uma excelente e rara oportunidade de apreciar o que havia
ido buscar nesse passeio, essa vivência revigorante com o silêncio (interno e
externo).
É interessante a força de um
ambiente como aquele, com uma densa mata por todos os lados, pássaros cantando,
um ou outro bichinho passando correndo por entre os arbustos, uma ou outra
cigarra cantando ao longe. Muito bom passar algumas horas em lugares assim de
vez em quando.
Voltei então ao Troller e à “infame”
estradinha de terra. No caminho de volta ainda fiz algumas paradas pra apreciar
o ambiente e pra fazer mais alguns voozinhos com o Mavic, para umas fotos
aéreas.
Como bônus do dia, almocei, no
meio da tarde, num restaurantezinho caseiro, à beira de um rio, debaixo de umas
árvores, um gostoso peixe com arroz e feijão. Mais simples, impossível.
Cabe destacar ainda o prazer de
dirigir nessas estradinhas de terra. Em que pese que, a partir de certo ponto,
a brincadeira comece a cansar, e o natural desgaste que se impõe ao carro
nessas condições adversas, acho um barato estar nesse tipo de ambiente de vez
em quando, e curtir esse prazer quase infantil de dirigir sem as preocupações e
condicionamentos das estradas asfaltadas.
Passeios assim reforçam um velho
sonho que ainda cultivo, de morar num lugar em que o silêncio seja onipresente.
Se estiver distante de vizinhos e com um belo visual à janela, tanto melhor.
Quem sabe um dia...
Bom demais.
"Entre as lições da vida natural,
o isolamento voluntário de alguns animais ensina coisas ao homem.
Longe dos períodos de acasalamento e de caça em grupo,
eles procuram a solidão para refazer sua energia,
num encontro com a vida que se expressa como um ritual sagrado.
Com o homem que não perdeu de todo seu instinto -
a quem a cultura e a cidade
não conseguiram reduzir à condição de máquina -
essa retomada de contato com a natureza,
misteriosa como é, transforma-se em necessidade e prazer.
No jardim, na janela, na praia deserta,
o ritmo da respiração e o encantamento com o mundo
não precisam ser aprendidos -
porque revelam sozinhos esse instante de celebração e reencontro".
(Luiz Carlos Lisboa)
Gratidão
Força Sempre
P.S: Todas as fotos: arquivo pessoal
Gostei das fotos e da sua narrativa. Tenho a impressão que estou ao seu lado quando leio o que escreve. Parabéns, meu irmão.
ResponderExcluirValeu, Gilson. Obrigado.
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