Viagem de moto a Urubici
solo
1.250 km, 4 dias
Planejei essa viagenzinha de moto pra dar aquela descolada do cotidiano e, além disso, curtir um pouco a motoca e os ares bucólicos da boa e velha cidade de Urubici, na serra catarinense, já conhecida de outras andanças por aquela região.
Aproveitei também pra sair um pouco do ambiente urbano, acampando no 'camping Terras do Sul' nas três noites em que fiquei por lá. Esse é um desses lugares que poderia chamar de mágico, tal a sua beleza natural e boa energia. Situado à beira do Rio do Bispo, em um vale entre montanhas dos dois lados, rodeado de araucárias e mata nativa e ao lado do Parque Nacional de São Joaquim, e, ainda por cima, a uma razoável "distância de segurança" da cidade e do asfalto, o que lhe garante total sossego e sagrado silêncio. O lugar é um verdadeiro oásis para os sentidos.
No primeiro dia fiz o deslocamento entre Curitiba e Urubici via BR 116. Quinhentos quilômetros de uma tocada tranquila, em um precioso dia de sol, céu azul e temperatura amena, meio que friozinho. A 116, ainda que tenha muito movimento (como, afinal, praticamente todas as estradas principais do centro sul do Brasil) e seja uma via de mão única, ainda conserva um resquício daquela sensação boa de viajar por entre campos e lugares desabitados, em alguns trechos.
Cheguei ao meu destino ali pelo meio da tarde, dei uma volta pela cidade (que estava inesperadamente movimentada para um domingo), tomei um café e me dirigi ao local do camping, distante cerca de 25 km do centro. Lá chegando, me instalei e curti o restante da noite no aconchego da minha barraquinha, anestesiado pelo silêncio e escuridão em volta.
No segundo dia acordei sem pressa, sob a melodia do canto dos pássaros, com o barulhinho encantador do rio correndo ali ao lado e aquele frio típico nessa região. Logo o Dani, proprietário e mentor do espaço, veio dar um "oi", já que não havíamos nos falado no dia anterior. Como já estive lá algumas vezes nos últimos anos, já nos conhecíamos, e é sempre bom rever as pessoas e trocar algumas ideias.
O Dani é dessas pessoas que tem história pra contar. Israelense de nascimento, veio parar no Brasil há cerca de trinta anos trazido pelo chamamento da aventura e da curiosidade. Estabeleceu-se inicialmente em Florianópolis, e logo descobriu e se apaixonou por esse cantinho especial de Urubici, na época em que ainda não havia toda essa badalação e marketing que há hoje na região.
Depois da boa conversa, dei uma arrumada nas minhas coisas, tomei um rápido desjejum e saí pra dar uma volta de moto, num roteiro bastante cênico e que há tempos queria fazer. Desci a emblemática Serra do Corvo Branco, praticamente ao lado do local do camping, percorri um trecho de estrada secundária por entre as cidades de Grão Pará e Lauro Muller, e na sequência subi a famosa Serra do Rio do Rastro, com suas inúmeras curvas fechadíssimas e paredões imponentes subindo em direção ao céu. Pra fechar o passeio voltei a Urubici pela parte de cima da serra, em cerca de 80 km de estrada de asfalto que julgo como um dos mais belos trechos de estrada do Brasil (do pouco que conheço).
Não é à toa que essa região vem sendo cada vez mais conhecida e visitada sobretudo pelo seguimento motociclístico. Essas duas serras figuram como 'sonho de consumo' nos planos de viagem de muitos moto viajantes. E de fato é um belo trajeto. A Serra do Corvo Branco é bem mais rústica e inóspita que sua irmã vizinha, sendo que o trecho de serra propriamente dito ainda é de estrada de terra e cascalho. Noventa por cento do movimento turístico se concentra na parte alta, no famoso corte de pedra que é o "point" de fotografia do local. Poucos se animam a percorrê-la por completo.
Já a Serra do Rio do Rastro, por ser toda pavimentada, é bem mais civilizada e com maior grau de segurança, digamos assim. O cuidado fica por conta apenas da atenção nas muitas curvas, já que é bastante comum os caminhões invadirem a pista oposta pra conseguir contornar os vários 180 graus. Quando dois caminhões se encontram nesses pontos então, aí dá um pouco de confusão, com filas de carros tendo que dar marcha à ré pra abrir espaço e coisas desse tipo. Mas de moto é tranquilo (desde que não esteja chovendo forte... e que nenhuma pedra despenque dos penhascos acima...).
Cheguei de volta ao sossego abençoado do meu acampamento no finalzinho da tarde. Daí foi só deixar o mundo girar e relaxar.
Reservei o terceiro dia pra fazer umas caminhadas e curtir a tranquilidade do lugar onde estava. De manhã saí pra fazer umas trilhas no Parque Nacional de São Joaquim, vizinho ao camping. Por cerca de quatro horas caminhei sem encontrar ninguém, por uma região belíssima, rodeada por rios, mata, pássaros e uma impagável sensação de isolamento. Se fizesse um exercício de abstrair o contexto em que estava (todo o mapa mental de tudo em volta), poderia facilmente me sentir em um mundo sem ninguém, virginal e intocado.
No começo da tarde dei um pulo na cidade, de moto. Almocei num restaurantezinho bacana, curti um pouco aquela sensação boa de não ter muito o que fazer e retornei ao camping.
Aproveitei o final da tarde pra sentar na beira do rio e me deixar ali, apenas ouvindo o marulhar das águas e tentando não pensar em nada (o que, diga-se de passagem, não é nada fácil, como se sabe...).
Como não havia sinal de celular e a rede wi-fi funcionava muito precariamente, à noite, na barraca, dediquei-me a revisitar algumas das minhas velhas playlists baixadas do Spotify, no celular. Coisa boa essa de estar desconectado (pelo menos por um tempo)... não só da toda poderosa internet, mas também das coisas de casa e rotinas que teimam em criar raízes e nos fazer acostumar e até a depender delas.
Metidos profundamente nesse mundo cada vez mais acelerado e inundado de estímulos e cobranças, a gente ouve falar de vez em quando, no turbilhão de informações que nos chegam no dia-a-dia, que esse excesso de conectividade não nos faz bem e tal. Mas isso é como, estando numa caverna, comentar com a pessoa ao lado sobre aquelas sombras projetadas pela luz da fogueira. É a ilusão falando de si mesma. Não tem jeito. Pra ter um vislumbre da gravidade e da seriedade da situação, só mesmo saindo um pouco (ou muito!) do contexto viciante (ou da caverna...).
No dia seguinte, encerrando o meu planejamento, desmontei acampamento e me despedi daquela reserva de tranquilidade, pegando a estrada de volta pra casa.
Pra variar um pouco o cenário, resolvi voltar pela BR 101, pelo litoral. Mas esse trecho de estrada não tá nada fácil, em termos da intensidade de tráfego de carros e caminhões. A certa altura me peguei refletindo se eu realmente estava gostando daquela brincadeira. A verdade é que viajar de moto nem sempre é tão romântico como se costuma dizer e divulgar por aí. Nesse percurso, por exemplo, fiquei analisando onde estava: no meio de um monte de gente apressada, dirigindo feito doidos, com várias e visíveis situações de desrespeito aos demais usuários do mesmo espaço, num ambiente altamente poluído por fumaça do escapamento dos veículos e, ainda por cima, sob forte tensão decorrente do risco constante e do abuso imprevisível por parte de cada um ao lado. Não, definitivamente não era um lugar divertido de se estar.
Num determinado momento cheguei a ficar mesmo incomodado com a zoeira em volta, e passei algum tempo pensando a respeito disso e tentando encaixar as variáveis dessa equação. Pode ser que parte dessa sensação se deva ao fato de que estava vindo de alguns dias de muita tranquilidade e tenha me chocado com o contraste de velocidade dos contextos. Mas também pode ser que seja um pouco mais do que apenas isso.
Compreendo que a tensão e o risco são partes inerentes dessa vertente de andar de moto. São mesmo, talvez, a graça em si de tal atividade. Mas tudo tem limite, ou medida. Ou deveria ter.
Pra quem gosta dessas máquinas fantásticas que são essas motos de viagem, fica difícil explicar, em palavras, o que é tão encantador. O fato é que essas naves são mesmo fantásticas, em vários dos seus aspectos. O "problema", estive pensando, é que o ambiente em que elas são normalmente usadas (as estradas) está cada vez mais degradado e nervoso. Ou talvez, quem sabe, eu é que esteja ficando exigente demais, ou perdendo a necessária paciência com o mundo que temos aí.
Ou talvez ainda, quem sabe, a solução seja ir viajar de moto na Patagônia (ou no Alasca...), onde a densidade demográfica ainda está em níveis mais aceitáveis para quem não é lá muito fã de aglomerações e barulho.
A questão é que tudo que fazemos se insere em certas circunstâncias, e existem circunstâncias melhores e piores. É assim com pedalar, correr, nadar, caminhar, ler, sentar pra observar o mundo em volta, etc. Com moto é a mesma coisa. O bacana é motocar por lugares que ainda conservam certa graça, mas me parece que em se tratando de estradas, isso está se tornando cada vez mais difícil (ou eu é que estou ficando rabugento?... Rsrs).
Mas sobrevivi ao meu momento de divagação e incerteza a respeito da minha afinidade com as moto viagens, chegando em casa, são e salvo, no final da tarde, com a motoca em ordem e mais algumas boas lembranças e histórias pra acessar nesse nosso arquivo da vida, que vamos construindo pouco a pouco.
No final das contas, bom demais!
Vamos juntos?
Curitiba a Urubici
Circuito Serra do Corvo Branco e Serra do Rio do Rastro
Tomando o café da manhã no acampamento
A famosa fenda da Serra do Corvo Branco
A Serra do Corvo Branco vista de baixo
A Serra do Corvo Branco vista pelo Mavic, olhando no sentido oeste
Subindo a Serra do Rio do Rastro
A bela Serra do Rio do Rastro, vista do mirante na parte alta
A curiosa decoração temática de um posto em Urubici
(pias no banheiro)
(mictório no banheiro)
Caminhada no Parque Nacional São Joaquim
Instalações e a kombi azul do Refúgio e camping Terras do Sul
Estrada que liga Urubici à Serra do Corvo Branco
Céu noturno na área do camping
Urubici a Curitiba
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