Pernoite em acampamento selvagem na floresta
solo
Cultivo genuíno apreço por lugares isolados e silenciosos. Não sei explicar por que. Ambientes assim me atraem.
Neste dia fui colocar em prática uma ideia que tinha há algum tempo: passar uma noite sozinho num ambiente de mata.
Coisa simples, só mesmo pra curtir o lugar e, de certo modo, mudar um pouco a frequência de funcionamento.
Optei por ir até o local escolhido de bicicleta, e, assim, retomar o conceito do "bikepacking", havia um tanto em desuso por mim. Devido às características do lugar, resolvi também armar uma rede, e não uma barraca.
Saí de casa pouco depois das três da tarde, cheguei ao local por volta das cinco (36 km de percurso), montei acampamento, passei a noite, e no final da manhã seguinte estava de volta em casa.
Estava uma noite de lua cheia, o que contribuiu pra dar um certo aspecto místico à experiência. A rede tinha uma tela mosquiteiro que permitia ver todo o entorno e o escuro total em volta, e, lá no alto, a lua traçando o seu caminho por entre as folhagens dançantes das árvores.
Aproveitei o tempo disponível pra apreciar algumas velhas músicas nos meus fones de ouvido. Dentre elas, em certo momento, ouvi algumas faixas do álbum "How the west was lost", de Peter Kater (que, aliás, recomendo para momentos de relaxamento e contemplação); álbum esse que descobri por acaso numa loja de Vancouver, no Canadá, quando lá estive viajando de bicicleta em 1998. Que interessante! 25 anos depois, ali estava eu novamente curtindo as melodias suaves e inspiradoras daquelas músicas que me cativaram tanto tempo atrás. Intrigante essa teia de acontecimentos na nossa vida, como os eventos vão se entrelaçando meio ao acaso (ou talvez não).
A vivência do silêncio em si foi um misto de puro prazer com uma ligeira inquietação. De repente parece que o mundo desapareceu. Tudo fica diferente e até um tanto "desconfortável". É preciso (re)aprender a estar em contextos assim.
O fato de estar sozinho num ambiente tão intenso como uma floresta como essa também é uma experiência interessante. Pode-se pensar em ter medo, mas medo de que? Sim, de animais talvez. Mas mais do que isso, talvez mesmo, medo de si mesmo, dos pensamentos, desses nossos labirintos mentais, que numa situação como essa podem nos incomodar. No final das contas, nada disso. Ocorreu tudo dentro da "normalidade".
Acabou sendo uma noite mais fria do que o esperado. Apesar de estar com saco de dormir, o fato da rede ser fechada apenas com a tela mosquiteiro parece que não foi suficiente para manter a sensação de conforto térmico, mas nada que tenha incomodado tanto assim.
Mas mais do que um pernoite numa floresta, devo confessar que a floresta em questão faz parte da chácara que adquirimos há alguns meses, e que, num futuro próximo pretendemos estruturar para receber uma cabana, a fim de se tornar uma "base de contemplação e sossego". De fato temos um longo caminho a percorrer para concretizar esse projeto, mas que seja como tiver que ser. Tudo a seu tempo.
Que os eventos se entrelacem da melhor forma.
Vamos juntos?
O caminho:
Link para o álbum "How the west was lost" (no Spotify):
*** *** ***
Sobre nossas próprias memórias e outros aspectos da vida
Outro dia me lembrei, não sei por que, de um livro que li no início da adolescência. Chamava-se "Os meninos da rua Paulo". O que me chamou a atenção no lampejo de uma lembrança tão longínqua é que, a rigor, não me lembrava de quase nada da tal história, a não ser que os personagens tinham nomes estranhos, e que se tratava de histórias de um grupo de amigos.
Derivando a reflexão para outra direção, me dei conta de que, na verdade, me lembro muito pouco não só desse distante livro, como de muitos outros eventos e épocas da vida. Melhor até seria considerar que, na verdade mesmo, são poucos os momentos que ficam na memória. A grande maioria da nossa vivência parece que se perde num vazio que, pra ser bem sincero, chega a ser algo assustador.
Talvez essa constatação inequívoca da impermanência de tudo, até mesmo das nossas próprias lembranças e vivências, seja uma das mais duras com que temos que lidar na vida. Não importa o que façamos, ou quão importante achemos que seja, no final das contas, tudo vira um grande e longínquo vazio.
Por outro lado, isso também pode ser um conforto, se visto por esse prisma. Para o bem e para o mal, tudo passa.
Penso que o "problema" dessas constatações é que, de certo modo, elas contradizem algo em nós. Parece que sempre pensamos o mundo da forma equivocada. Talvez até o erro seja o próprio pensar. Talvez a vida fosse melhor sem o nosso "vício" de querer interpretar, classificar, intelectualizar, entender, raciocinar sobre tudo, o tempo todo.
Talvez todo nosso sistema cultural - escolas, família, amigos, igrejas, etc. - nos iluda um pouco sobre tudo isso, prometendo coisas que não podem entregar, nos induzindo a essa correria sem fim e sem propósito que é a vida da maioria das pessoas. Mas é lógico que nós somos, no final das contas, os grandes responsáveis por aceitar e validar tais propostas. Não podemos negar isso.
Às vezes vejo uma ave no céu, sobretudo em lugares mais isolados e distantes de cidades, e fico tentando imaginar como deve ser a percepção do mundo e da vida daquele ser. Ou, num outro exemplo, como deve ser essa visão de um peixe nadando nas profundezas do oceano, sem nunca ter visto nada diferente daquele seu habitat natural. Como deve ser viver sem a "interface" do raciocínio lógico, da mente, da linguagem, do entendimento das coisas.
Será que, afinal, a vida seria melhor se fosse mais simples? E será que essa tal simplicidade é alcançável? Ou será que não temos como fugir da nossa complexidade inerentemente humana?
O que você acha?
*** *** ***
"Nada é tão útil ao homem como a resolução de não ter pressa."
(Henry David Thoreau)
Gratidão
Força Sempre
Ler seus relatos e ver suas fotos me enchem de orgulho. Parabéns meu irmão pela descrição do local e pelas belíssimas fotografias aqui publicadas. Show.
ResponderExcluirValeu, meu irmão. É isso aí. Vamos em frente.
Excluir