Viagem solo
1º dia: de Curitiba a Urubici de moto, 500 km
2º dia: camping e caminhadas na região
3º dia: camping e caminhadas na região
4º dia: de Urubici a Curitiba de moto, 550 km
Sabe aquela ideia de um dia tirar
um tempo pra ir a um lugar tranquilo só pra apreciar a natureza e ficar meio quieto? Pois esse foi o fio condutor dessa pequena viagem. Após muito
pensar, acabei decidindo escolher como destino a conhecida e simpática região
de Urubici, no alto da Serra Catarinense.
Certamente cada um de nós tem
seus interesses e inclinações pessoais, e o que agrada a um, pode não
satisfazer a outro. Ainda assim, creio que há na natureza um grande potencial
de reconexão e de reequilíbrio das nossas emoções e do nosso psiquismo, que está
à disposição para todos, e mais ainda, do qual todos precisamos eventualmente.
Temos é que estar atentos e dispostos a fazer o movimento de ir ao encontro desse
manancial de energia que está sempre à nossa espera.
Aproveitando a oportunidade e pra
amplificar ainda mais essa mexida nas energias resolvi fazer a viagem de moto,
colocando a Multistrada no seu melhor ambiente.
Saí de Curitiba em uma manhã fria
e cinzenta de segunda-feira (usando quatro camadas de roupas, e ainda assim sentindo
frio), sentido sul, pela BR 116. Na altura de Lages, peguei a BR 282 sentido
leste e no meio da tarde estava tomando um chocolate quente em uma cafeteria da boa e velha Urubici.
Pouco depois, já no comecinho da
noite, cheguei ao conhecido e aprazível camping Terras do Sul, onde já estive
outras vezes. Por ser dia de semana, não havia quase ninguém por lá, o que
contribuiu bem para a sensação de isolamento que procurava.
Montei minha barraquinha próximo
ao rio, fiz um rápido lanche e me recolhi cedo ao descanso, embalado por um
friozinho dos bons, típico daquela região.
Nos dois dias seguintes me
dediquei a suavizar o ritmo das ações, prestar atenção ao ambiente, ouvir o
marulhar da água dos rios e riachos em volta, os pássaros em revoada no céu,
minha própria respiração, e, ao mesmo tempo, fazer algumas fotos, algumas
filmagens, ler um pouco e apreciar o passar do dia sentindo cada uma de suas
horas.
Dentre muitas percepções que uma
experiência como essa nos proporciona, destaca-se a sensação nítida e um tanto
inquietante de como o tempo passa rápido, mesmo quando internamente buscamos amainar
essa ansiedade inerente à natureza humana. Quando a gente vê, já amanheceu, e
de repente já é meio dia, e mais de repente ainda já é noite, e assim segue,
sem pausa. Somos, afinal, meros passageiros desse turbilhão. Resta-nos deixar
fluir e seguir o embalo.
Senti também um encanto todo
especial nesse fenômeno dos rios correndo por entre árvores e campos. E esse
som da água deslizando por entre as pedras é simplesmente enternecedor. Me
permiti apreciar sem moderação esse pequeno espetáculo. É difícil dizer
racionalmente o que há de tão agradável nessa música, mas silenciando a mente e
apenas ouvindo parece nos remeter a uma certa ancestralidade, a tempos
longínquos, a um conforto primordial e eterno ao mesmo tempo. Verdadeira
terapia. Só por esse aspecto a viagem já teria valido a pena demais.
Aproveitei também pra fazer
algumas caminhadas pela região. Às vezes seguindo uma ou outra trilha, mas
também andando meio sem destino definido, sem saber o que haveria pela frente,
o que também me pareceu um bom exercício, no sentido de me forçar a desapegar
dessa abordagem de sempre estar focado em um objetivo, em uma finalidade
posterior, em uma recompensa qualquer. Querendo ou não, seja como for, estamos
sempre criando e nos prendendo a esquemas mentais próprios, a modelos de
pensamento, a parâmetros meio que impostos subconscientemente ou seja lá de
onde venham. É só sair um pouquinho desses moldes que tudo parece ganhar novos
significados.
E ficar sozinho por um tempo
também é sempre bom, logicamente. Prestar atenção nos próprios pensamentos,
tentar observar-se meio que à distância (pelo menos um pouquinho), tentar
entender quem é esse que vê, que sente, que elabora, que pensa... Acho que
seria bacana se fôssemos seres mais simples, mas somos bem complexos e mesmo um
tanto confusos, creio.
Há também os aspectos práticos de
estar sozinho, que, como tudo na vida, tem seus prós e contras. Gosto muito dessa
sensação de poder ficar quieto, sem necessidade de falar ou de responder alguma
coisa a alguém. Aprecio muito também a oportunidade de não precisar fazer
coordenações com outrem, de poder tomar decisões por conta própria, de me
sentir meio dono do espaço mental que me cerca. Em contrapartida, esse estado
sempre traz consigo certa sombra de melancolia, aquela sensação de não ter com
quem compartilhar uma alegria qualquer, ou alguém com quem trocar uma ideia ou
simplesmente bater um papo furado. Como experiência eventual e momentânea é
muito bacana. De forma mais contínua e indefinida já não sei...
Mas apesar de estar sozinho na
minha viagem em particular, tive boas conversar com pessoas que encontrei pelo
caminho, como o mexicano Pitágoras, viajante de bicicleta, vindo de Salvador,
indo pra Ushuaia, depois de volta pro México, ou sabe lá para onde os ventos o
levarão. Camarada de espírito aberto, solto no mundo, dono de si (acompanhe uma
rápida entrevista com ele no link abaixo).
Conversa com o cicloviajante Pitágoras
Ou o baiano Ítalo, também viajante de bicicleta, com o objetivo de dar a volta ao mundo pedalando, sob o viés da gastronomia e da descoberta de novos sabores.
(Muito bacana poder encontrar e bater um papo com pessoas como esses dois, com estilos de vida, objetivos e visões de mundo tão distantes da grande maioria. São, sem dúvida, pessoas corajosas e de uma sensibilidade diferenciada. Muito boa sorte a eles!)
Ou o catarinense Luís,
que encontrei junto de sua casa, à beira de um rio, e que me contou sobre suas
histórias de viagens de moto pela Carretera Austral e sobre ter deixado sua
motocicleta guardada em uma cidadezinha do interior do Chile desde março deste
ano, quando foi surpreendido naquelas bandas por essa medida maluca de
isolamento social e de fechamento de fronteiras devido a essa inacreditável pandemia
que nos tomou de assalto nos últimos meses.
E é assim, como sabemos, nunca
estamos de fato sozinhos. Somos sempre parte de uma grande comunidade, ainda
que por vezes invisível.
Na volta pra casa prossegui no
sentido anti-horário, descendo pela emblemática Serra do Corvo Branco, que
sempre é um trechinho muito bonito e um tanto instigante, seguindo depois até a
cidade de Tubarão e de lá sentido norte pela infalivelmente movimentada BR 101
até Curitiba. Dessa vez, porém, sob um raro céu absolutamente azul e um dia
claríssimo, que deu uma outra cara a esse percurso que costuma ser meio tenso.
Sobre a Ducati Multistrada 1200
Enduro, não sei que adjetivos usar... Fantástica? Espetacular? É uma senhora
moto! Instigante, envolvente, arrebatadora...
A questão é que a gente leva certo tempo pra criar sentimentos com uma motocicleta. E isso acontece, acredite. Aos poucos, vamos estabelecendo essa cumplicidade essencial na sutil relação entre homem e máquina.
E então, Vamos juntos?
Assista no link abaixo a um pequeno vídeo de caminhadas que fiz por lá:
Contemplação da natureza na região de Urubici
E pra quem curte uma câmera de bordo, no link abaixo um pouquinho da Multistrada pelas estradas da região, em particular a descida da Serra do Corvo Branco:
Ducati Multistrada 1200 Enduro descendo a Serra do Corvo Branco
"A vida não passa de um jogo.
É exatamente isso a vida,
quando é bela e feliz... um jogo!
É claro que se podem fazer muitas outras coisas,
transformá-la em dever, em campo de batalha, em prisão,
mas isso não a torna mais bela."
(Hermann Hesse, in "Viagem ao Oriente")
Gratidão
Força Sempre
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