Bate papo (a sós) com o vento, o sol, o horizonte
O que é conhecimento de verdade?
O que é de fato saber alguma
coisa?
O que realmente vale a pena nessa
nossa breve vida?
Cheguei ao topo do Morro dos
Perdidos por volta das quatro e meia da tarde. Havia me proposto passar a noite
acampado lá em cima.
Estava um bonito (e raro) dia de sol e céu
azul na região, bem convidativo para uma noite ao ar livre.
Devido às precárias condições da
estrada que chega ao local, só mesmo com um veículo bem alto e com tração
integral pra dar conta do recado (ou com uma moto trail [ou a pé, logicamente]). Nessas horas, o Troller é
um luxo.
Dei umas voltas, achei um local
pra tirar o carro da trilha e que permitisse montar a barraca próximo e, sem rodeios, armei-a e
me liberei pra atividade principal da brincadeira: contemplar a paisagem em volta e pensar um pouco na vida.
Caminhei um pouco pelas
redondezas, curtindo as diversas perspectivas da paisagem, e depois retornei ao local do
acampamento e do carro.
Não demorou a começar a
escurecer. Por volta das cinco e meia o sol já estava se encaminhando para o
poente.
Curti aquele belo momento com
toda a paz que só um lugar como aquele proporciona. Montanhas em toda a volta,
ninguém por perto, nenhum barulho urbano, horizonte a perder de vista.
Tirei algumas fotos e apreciei,
nos mínimos detalhes, as diversas nuances de cores do céu no rápido crepúsculo
em curso.
Momentos como esse me tocam
fundo. Sinto um misto de tristeza com paz, de conforto com angústia, de
encantamento com desesperança, de euforia com desolação.
Cai a noite. E com ela o frio.
Entro no carro e preparo um chá
quente. Faço um rápido lanche e dou uma relaxada no aconchego espartano da
cabine.
Por volta das sete e meia resolvo
me instalar na barraca, montada logo atrás do carro.
O bom dessas situações é essa
sensação de que não há muito mais a fazer. Então pode-se dormir sem essa
incomodação de sentir que podia-se fazer mais isso e aquilo. Paz.
Penso que talvez levante mais
tarde pra fazer um lanche mais reforçado, a título de jantar.
Acordo com o tumulto do vento
sacudindo violentamente a barraca por volta das dez da noite. Pensando bem, vou
pular o jantar hoje. Volto a dormir, alternando uma ou outra música no meu
aparelhinho tocador de música com o som de turbina do vento do lado de fora.
À meia noite e meia acordo com o
barulho de chuva no tecido da barraca, acrescido ao do vento, cada vez mais
furioso. Como um fim de tarde tão bonito converteu-se tão rapidamente nessa chuva
tão decidida?
Duas da manhã. Chove muito! Venta
muito! Tenho a sensação de estar numa máquina de lavar roupa. Acendo a lanterna
e checo as condições da barraca. Ela se bate dramaticamente de um lado para o
outro, mas aparentemente está resistindo bem à surra, e não há sinais de
invasão de água. Tento voltar a dormir.
Intimamente me sinto muito bem
com a situação. Há uma pontinha de preocupação com possíveis raios, com o vento
absurdo que está soprando, um pouco com a chuva, mas o fato é que é muito
bacana estar num contexto como esse, sentindo essa força da natureza de forma
tão crua, com tão poucos filtros. Aprecio o espetáculo.
Às quatro e meia da madrugada
parece que o vento aumentou e que a chuva já não está tão intensa como há
pouco. Mas a barraca sacode tanto que fico preocupado em sair voando com
barraca e tudo, levado pelo vento.
Resolvo mudar para o plano B. Com
dificuldade, saio cambaleante para a fúria do vento, abro o porta malas do
carro, tiro as estacas do chão e enfio a barraca pra dentro do porta malas, de qualquer jeito.
O vento é impressionante! Há muito tempo que não vejo algo assim.
Refugio-me no carro, dando graças
pela sensação de segurança e pelo conforto do habitáculo. Preparo um chá quente
e fico ali, sentindo o balançar do carro ao vento, o barulho do lado de fora,
a escuridão ao redor, o inusitado da situação.
Dou uma cochilada rápida, de olho
no relógio e na claridade do lado de fora, pra não perder o nascer do sol. Ligo
o GPS e constato que isso ocorrerá só às seis e quarenta e cinco.
Mas às seis e pouquinho já começa
a clarear. Saio do carro pra apreciar esse outro espetáculo.
Os raios de luz despontando por
entre as nuvens dão uma autêntica sensação de recomeço, de renovação.
Vivo o momento com uma sensação
religiosa [no sentido de “religar”]. Fico verdadeiramente extasiado com os
elementos da natureza ao redor.
Vendo o sol nascer sinto com nitidez o planeta girando rapidamente. E imagino que esse movimento ainda é o impulso
de uma grande explosão ocorrida há muitos bilhões de anos.
O horizonte está belíssimo. O sol
desponta por trás de uma linha de nuvens escuras, com um céu azul limpo por
cima, e o vento ainda sopra absurdamente forte ali do lado.
Fico ainda alguns minutos até o sol já estar bem alto no céu e então preciso voltar pra casa,
pro mundo, pra realidade. Mas aquelas poucas horas de contato íntimo com essa
natureza ampla das montanhas vão me acompanhar pelos próximos
dias, quem sabe semanas, meses, anos... Porque os momentos são fugazes, mas as lembranças são duradouras.
"A metafísica pareceu-me sempre uma forma prolongada da loucura latente. Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arredores. Basta-nos, se pensarmos, a incompreensibilidade do universo; querer compreendê-lo é ser menos que homens, porque ser homem é saber que não se compreende." (Fernando Pessoa)
Gratidão
Força Sempre
Obs:
(1) O Morro dos Perdidos fica no município de Guaratuba-PR, a cerca de 50 km de Curitiba (no sentido sul). Com 1500 metros de altitude, é um dos pontos mais altos da Serra do Mar.
(2) Todas as fotos: arquivo pessoal.
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