85 km em dois dias de remada
Felipe Amante e
Newton Adriano Weber
Dando prosseguimento ao nosso passeio [conforme relatado na postagem anterior - clique aqui pra acessar], na quarta-feira, dia 13, acordamos às
seis da manhã e de imediato iniciamos as arrumações finais pra iniciar a remada.
E essa logística sempre demanda certo trabalho. Organizar tudo, colocar cada
coisa no seu lugar, tentar não esquecer de nada, manter o foco nas soluções,
etc. É uma sequência de pequenas tarefas que requer certa disposição e método pra funcionar.
Às oito horas estávamos dando as
primeiras remadas, saindo de Guaraqueçaba. O céu, conforme a previsão, estava
totalmente nublado, com prenúncio de chuva. Havia uma espessa neblina
envolvendo tudo, deixando aquele aspecto de mistério no ar.
O plano pra esse dia era ir até
a cidadezinha de Ariri, já no estado de São Paulo, passando pelo Canal do
Varadouro, que é uma região de lagamar, com aparência de rio, bem abrigada do
mar aberto.
Logo percebemos que as condições
climáticas não iriam melhorar ao longo do dia. Pelo contrário, algum tempo
depois, a garoa se transformou em chuva fina e a temperatura ambiente caiu
sensivelmente. O jeito foi focar no ritmo da remada e procurar gerar calor de
dentro pra fora.
É lógico que esse tipo de
condição não é a ideal e está longe de ser aprazível, no entanto, vista pelo
ângulo “certo”, também tem o seu charme, digamos assim. Tudo fica mais
silencioso, mais introspectivo, menos óbvio.
Com rápidas paradas pra lanche,
já que o frio não convidava a intervalos mais longos, fomos tocando os barcos,
literalmente.
Usamos nessa remada os caiaques
emprestados do Newton. O Felipe remou o Kayapó (vermelho), eu o Inuk 560 (verde) e o Newton ficou com
o Eclipse Artic (branco).
O dia passou nessa tocada e às
quatro horas da tarde chegamos a Ariri e hospedamo-nos numa pousada local,
muito satisfeitos por termos cumprido o que nos propusemos a fazer, mas bem
cansados também.
E a previsão de chuva e tempo
ruim continuava para o dia seguinte. Conversamos sobre se valeria a pena
encarar a próxima pernada naquelas condições, mas não decidimos nada naquele
momento. Vai que a previsão falha e amanhece um
lindo dia.
Mas não foi o que ocorreu. Na
manhã seguinte o céu continuava fechado e desde cedo com uma garoazinha
constante. Tomamos o café da manhã e voltamos a conversar sobre se partiríamos ou
não. A alternativa era tirar o dia de folga e prosseguir no seguinte. Pesados os
prós e contras, chegamos à conclusão que valeria mais a pena esperar a melhora
prevista nas condições climáticas e seguir somente no dia seguinte.
Decisão tomada, fomos à execução,
ou seja, descanso, conversa, exercitar a paciência e deixar o mundo rodar. Na
hora do almoço o Felipe e o Newton ainda acharam um enorme peixe linguado na
geladeira da pousada, e com a anuência do proprietário, é lógico, prepararam-no
na churrasqueira, com batatas ao forno, observando os ritmos da maré ali do
lado, com aquela nítida e gostosa sensação de não ter muito mais o que fazer
naquele momento. Aquele "day off" até que veio em bora hora.
Ariri é uma cidadezinha de cerca
de 500 habitantes, com apenas uma rua principal, pequeno comércio e aquele
ritmo lento característico desses lugares. Tudo lá funciona em torno da
pesca, tanto dos locais quanto dos muitos turistas que vem de fora. O único
problema são as malditas “porvinhas”, mosquitinhos minúsculos que parecem
invisíveis e são especialistas em incomodar a vida dos viajantes desavisados.
Mas faz parte do show.
Cumprido o ritual de espera, na
sexta-feira despertamos determinados a levantar âncora. De fato as condições
estavam mais animadoras, com pontinhas de céu azul entre nuvens e uma
temperatura mais agradável.
Às oito e pouco lançamo-nos à
água. Uma característica marcante dessa região é a influência da maré na
direção e velocidade da correnteza. Dependendo da hora, a maré pode estar em uma ou
outra direção, mais forte ou mais fraca. Uma série de variáveis influenciam
esses efeitos, daí que, uma hora ou outra, sempre nos víamos com a maré contra,
o que impactava diretamente tanto no ritmo da remada quanto na força que
tínhamos que fazer nos remos.
A primeira parte desse trecho
rendeu bem. Com um céu azul por cima, um solzinho agradável aquecendo a alma e
uma linda paisagem em volta, tudo ia bem. Até que, em certo momento, ao fazer
uma manobra de transferência da câmera Gopro do suporte que tinha no colete
para o suporte fixado no convés do barco, em um segundo de vacilo a maquininha me
escapou das mãos e foi pra água. Putz! Como estava bem próximo da margem ainda
virei o barco intencionalmente na tentativa de alcançá-la, mas foi em vão.
Tentamos ainda alguns minutos de busca, tateando o fundo com os pés, mas
certamente não seria fácil encontrá-la, pois havia muita lama e um fundo
instável, além da área de busca que já não tinha muita certeza de estar
correta. Foi-se! E com ela as fotos tiradas naquele dia até então. Sorte que
havia trocado o cartão de memória no dia anterior, e com isso evitei a perda de
todas as outras fotos tiradas nos últimos dias.
(As fotos aqui apresentadas, referentes a essa segunda pernada de remo, foram feitas com outra câmera que tinha em mãos, uma Nikon Coolpix AW 130)
Analisando o ocorrido, fica claro
que caí na velha armadilha do excesso de confiança. Havia feito essa manobra de
troca de suportes tantas vezes que achei que estava dominando a situação,
quando estava claro que não. Enfim, fica a lição aprendida. Segue o baile.
No começo da tarde chegamos ao
local em que o canal abrigado em que vínhamos remando se encontra com uma
grande área conhecida como Mar Pequeno, de frente para a Ilha de Cananeia, bem
próxima da barra com o mar aberto. Como estava ventando muito, pegamos uma
condição de mar bem mexido, com muitas ondulações, o que tornou a brincadeira
um pouco mais tensa.
Atravessamos para a ilha com a
intenção de contorná-la pelo leste até a cidade de Cananéia, mas quando
chegamos lá reavaliamos e achamos melhor fazer a volta por dentro mesmo. Nesse
ínterim o barco do Newton havia arrebentado um dos cabos de comando do leme, o
que o deixou sem controle de direção e com a estabilidade bem comprometida.
Fizemos uma rápida manobra de reboque, com o Felipe puxando o barco dele, até
um local mais abrigado que permitiu, então, fazer o conserto do cabo rompido.
Problema resolvido, tocamos em
frente, agora novamente por um local abrigado do vento e das ondulações. Chegamos
ao nosso destino, um atracadouro junto à balsa que faz a ligação com o
continente, no final da tarde, sob uma linda luz dourada do pôr do sol.
Achamos um local pra guardar os
barcos e pegamos um taxi para o centro da cidade, onde achamos uma pousadinha
pra passar a noite, e assim demos por encerrada a nossa viagem.
De lá, no dia seguinte, conforme
havíamos previsto, o Felipe retornou pra São Paulo e eu pra Curitiba, de
ônibus. E o Newton, como remador raiz que é, voltou remando sozinho pra casa, em
Guaraqueçaba, em mais dois dias, e ainda por cima puxando os outros dois
barcos. O cabra é valente!
É isso. No final das contas ficam
mais algumas boas lembranças pra guardar na memória, a amizade reforçada e essa
sensação impagável de ter passado alguns poucos dias de cara com o mundo,
percorrendo caminhos inéditos ou não, “sofrendo” com as dores físicas, lidando
com o cansaço, o tempo e a distância, apreciando o céu, o vento, o sol, a
chuva, vivendo as incertezas, pensando na vida, ou em nada, e curtindo lindíssimas
paisagens dessa singular perspectiva que nos acompanha sempre, nosso
próprio olhar.
Valeu! Bom demais!
1º dia: Guaraqueçaba a Ariri, 7h 51min, 41,5 km
Saída de Guaraqueçaba, de manhã cedo
2º dia: Ariri a Cananéia, 9h 8min, 44,5 km
Armadilha pra pegar peixe, comum na região
Local em que paramos pra consertar o cabo do leme do barco do Newton
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