Viagenzinha de moto
(solo)
4 dias, 1.683 km
Curitiba - Porto Alegre - Cambará do Sul - Urubici - Curitiba
Pode não parecer, mas essa brincadeira de viajar de moto dá um certo trabalho. São várias coordenações e detalhes a serem alinhados: roupa de pilotar, bota, luva, capacete, capa de chuva, bagagem pessoal, documentação, manutenção da moto (nível do óleo do motor, nível de combustível, tensão e lubrificação da corrente, etc.), roteiro, grana, coordenações familiares, previsão do tempo... Opa! previsão do tempo? Como assim?
Bem, é verdade que quem quer brincar essa brincadeira não pode ser muito exigente com essa questão de condições meteorológicas. Se o que se quiser for proteção e ambiente controlado, aí a brincadeira é outra. Pra isso existem os tais carros. A essência do motociclismo é essa exposição aos elementos, esse caos mais ou menos controlado, esse limite sempre tênue entre o muito bacana e o "putz! esse negócio tá perdendo a graça!...".
Assim, dessa vez, meio que negligenciei de leve esse item de previsão do tempo, que não era das melhores para os dias à frente. "Mas não deve ser tão ruim assim", pensei (erroneamente).
Já ao acordar em casa, no primeiro dia, dei aquela olhada pela janela e o cenário não era nada animador: aquele céu cinzento, vento e chuviscos constantes. Mas vamos lá!
Nesse primeiro dia fiz um tiro direto até Porto Alegre, o que deu uns 780 km, com cerca de 80% do tempo sob chuviscos ou chuva fina. No finalzinho da tarde, já chegando ao destino, milagrosamente abriu um céu azul e uma pontinha de sol.
A estrada nesse trecho, a conhecida BR 101, também não é lá das mais divertidas. Apesar de totalmente duplicada, o intenso tráfego de veículos (sobretudo no trecho entre Curitiba e Florianópolis) torna a viagem cansativa e meio travada.
No segundo dia segui destino a Cambará do Sul, pequena cidade na serra gaúcha, tida como porta de entrada para os grandes cânions dessa região. Trecho curto, de 230 km, mas com uma serrinha bem legal entre as cidades de Terra de Areia e Tainhas (inclusive com alguns túneis bem arrojados).
Cambará é uma típica cidade do interior com apenas uma rua principal e aquele ritmo gostoso de coisas feitas sem pressa. Nesse dia o tempo esteve estável, com as nuvens pesadas rondando ao longe.
Pernoitei num hostel em que já havia ficado outras vezes. A proprietária e recepcionista me contou que o movimento anda fraco, por conta do custo de vida alto e da recente implementação de uma taxa de visitação aos parques nacionais próximos (50 reais por pessoa, em cada parque!). As coisas não estão fáceis mesmo!
O terceiro dia amanheceu novamente cinzento e pouco auspicioso. Havia bolado um percurso seguindo por cima da serra, por estradas de terra, passando por uma bela região rural, indo desembocar novamente no asfalto lá na altura de Bom Jardim da Serra, já em Santa Catarina.
O primeiro trecho, até São José dos Ausentes, rendeu bem, apesar da estrada ser bem rústica, o tempo todo por região bem inóspita. O céu foi se tornando cada vez mais cinzento até que, a certa altura, começou uma chuva fina.
Estrada de terra, chuva e moto é uma combinação que não costuma funcionar muito bem, mas fui tocando e apreciando a linda paisagem em volta. Com a chuvinha o ambiente se tornou ainda mais bucólico e um tanto melancólico. Uma graça passar na estrada e ver aquelas casinhas perdidas no meio do nada, com aquela fumacinha do fogão a lenha saindo pela chaminé, inspirando aconchego e recolhimento.
Foram 130 km de estradas de terra até reencontrar o asfalto. Nos últimos quilômetros, pressionado pela progressiva perda de aderência da moto com a estrada (alguns quase escorregões perigosos!) devido à chuva que persistia (apesar de todos os ajustes eletrônicos de controle de tração e potência), a brincadeira foi ficando tensa e cansativa, quase perdendo a graça. Mas chegamos bem (eu e a moto) de volta à civilização de Bom Jardim da Serra.
De lá toquei pra Urubici, 80 km à frente, onde cheguei já quase no final da tarde. A ideia original era acampar em um camping bem bacana que tem por lá, em que já estive outras vezes, mas a chuva incessante me convenceu a mudar os planos. Achei uma pousadinha e tirei meu time de campo.
No quarto dia o plano era dar uma explorada na região. Mais exatamente a ideia era fazer um passeio de moto, descendo a Serra do Corvo Branco e subindo, mais adiante, a famosa Serra do Rio do Rastro, retornando, na sequência, ao local em que estava, para o pernoite. Mas o dia amanheceu caindo água. Muita água! Sem brecha pra colocar essa ideia em prática (na verdade, sem condições pra nenhuma atividade ao ar livre).
Dei um tempo na pousada, pensando no que fazer. Por volta das dez horas da manhã a chuva deu uma pequena trégua e resolvi pôr o pé na estrada, de volta pra casa.
Essa pernada, novamente pegando a BR 101 a partir de Florianópolis, foi bem tensa. Tráfego ainda mais intenso do que o usual, um engarrafamento gigantesco na altura de Itajaí e muita chuva o tempo todo tornaram a pilotagem um desafio de concentração e controle das emoções. Mas no final deu tudo certo. No começo da noite, por volta das 19 horas, estava de volta ao lar doce lar.
Esse negócio de viajar de moto é uma dessas invenções que ainda conseguem nos tirar do lugar comum e mexer com nossas emoções. Talvez justamente por ser uma atividade tão exposta aos elementos naturais e a incertezas e riscos de diversos tipos.
A pilotagem em si é uma atividade que nos exige cem por cento de concentração e a constante análise de diversos fatores que se desenrolam, em alta velocidade, ao redor. É uma doideira boa demais!!
Vale também mencionar essa intensa relação que desenvolvemos com essas fantásticas máquinas sobre duas rodas, com o ronco do motor, com as forças da física atuantes nas curvas, com a dinâmica do equilíbrio, com a sensação de potência passada pelo propulsor. Tudo isso funciona como um vórtice de energia que só quem experimenta sabe como é.
E é isso! Vamos juntos?
1º dia, Curitiba a Porto Alegre, 780 km
2º dia, Porto Alegre a Cambará do Sul, 230 km
3º dia, de Cambará do Sul a Urubici, 210 km (130 km de estrada de terra)
4º dia, de Urubici a Curitiba, 460 km
Obs: Nos próximos dias fará uma ano que estou com a Triumph Tiger 900 Rally Pro, que está fechando quase 12 mil km rodados. E a avaliação continua super positiva. Até agora não apresentou absolutamente nenhum problema (como era de se esperar). E todos os requisitos operacionais, digamos assim, são plenamente atendidos. A motinha é uma delícia! Se falta algo, diria que talvez um pouco mais de imponência (o que é controverso, porque o atributo contrário, que ela possui, leveza e agilidade, também são requisitos altamente desejáveis), em alguns raros momentos um pouco mais de velocidade final, e um pouquinho mais de proteção aerodinâmica também ajudaria, mas tudo isso são detalhes. No geral, bom demais o brinquedo!
"Sentido da vida? Pra frente."
(frase que vi em uma camiseta, dia desses)
Gratidão
Força Sempre