Sobre a vida e seus ciclos
(mais um capítulo da séria série:
"pequenas viagens, grandes momentos")
Numa manhã ensolarada de um desses dias de junho juntei algumas coisas, montei no meu cavalo e saí pra dar uma volta.
A ideia era curtir um pouco a solitude, as virtudes do motor boxer e ficar em algum lugar em que fosse possível ouvir o silêncio.
O destino escolhido foi a pequena cidade de Urubici, na serra catarinense, que já conhecia de outras viagens e histórias.
Pesquisando e religando pontos de outras vezes em que estive por lá, decidi conhecer um camping localizado em um dos vales que ficam no entorno da cidade - Terras do Sul Ecoturismo.
Cheguei por lá no final da tarde, por volta das 17 horas. Ao desligar a moto, senti de imediato uma sensação de paz e de conexão com o lugar. Quase um encantamento. Muitas araucárias oscilando levemente com a brisa vespertina, um rio correndo ao lado e uma recepção simpática e convidativa da menina que me recebeu - "ah, você veio acampar? Legal... Pode montar a barraca em qualquer lugar aí."
Montado o acampamento, restava deixar fluir. Ótima noite de sono, no aconchego da minha pequena barraca, na companhia dos meus sonhos e devaneios.
No dia seguinte de manhã conheci o Dani, dono e idealizador do lugar. Israelense de nascimento, brasileiro de coração, tivemos ótimas conversas. Típico cidadão do mundo, já morou em diversos países e trabalhou e empreendeu em diversas frentes. Naquela manhã estava recebendo um grupo de crianças de uma associação da cidade, pra mostrar o seu modelo de negócio e inspirar novos horizontes.
Após um rápido desjejum saí pra colocar em prática uma antiga ideia (dentre muitas, tendo aquela região como cenário): subir a Serra do Corvo Branco correndo.
Apenas meia hora depois cheguei, de moto, ao topo da serra, pelo lado de cima, vindo da direção de Urubici. Como estava sozinho, se queria subir, era preciso primeiro descer. Portanto bolei um plano de descer correndo 7,5 km e depois retornar, perfazendo 15 km.
Equipei-me com o excelente e já um tanto velhinho Salomon LAB (o tênis), uma mochilinha de hidratação e lancei-me estrada abaixo.
Que lugar fantástico! Ninguém em volta, abismos dramáticos despencando em cada curva, picos elevando-se em direção ao céu e a inexorável força da gravidade empurrando como um par de mãos nos ombros.
Cumprida a meta da descida, iniciei o retorno. Devo dizer que é uma subida um tanto intimidadora. Rapidamente a pulsação vai a milhão e os passos se tornam humildemente curtos. Mas em compensação o visual do enorme paredão da serra, agora à frente, faz parecer que estamos em um cenário de filme de ficção científica.
A certa altura um carro passou do meu lado e o cara me perguntou na maior boa vontade se queria uma carona até o alto. Achei graça, agradeci e declinei. Ele ainda comentou: "é pique até lá em cima, hein!".
Muito bacaninha o ritual físico, mental e anímico de uma corridinha como essa. Me parece que o corpo físico sabe do seu potencial e dos seus limites, e, ao mesmo tempo que gosta da brincadeira, também sofre um pouco com ela. A mente é aquele gerente perfeccionista e preocupado com tudo o tempo todo. Excelente e indispensável auxiliar, mas deve ser tratado com certa cautela e colocando-a no seu devido lugar. No final das contas, sobram os velhos "por ques", os labirintos e alucinações do espírito que anima essa empresa - "sim porque sim, vou subir esse negócio até o final e não tem discussão! Deem um jeito aí!"
Aos pouquinhos vou chegando de onde saí, alguns minutos antes. Quanto mais perto do final, mais íngreme, menos força nas pernas, maior a harmonia com tudo em volta. Parece que dá pra sentir as moléculas de oxigênio chegando nas fibras musculares mais distantes, os pulmões pressionando o tórax em busca de um milímetro a mais de expansão e uma sensação de prazer muito rara de sentir em situações "normais".
Pronto! Cheguei! Simples assim [651m de ganho de altitude!]. A sensação é quase de certo anestesiamento (o cansaço mais pesado só apareceria cerca de trinta horas depois, e duraria uns bons dois dias, como se tivesse levado uma surra de vara de bambu - doía tudo [risos]).
À tarde dei um pulo na cidade pra almoçar e comprar suprimentos para o lanche da noite, e em seguida retornei ao camping para o devido descanso.
Bati mais um bom papo com o Dani, que me contou sobre passagens da sua vida, planos para o futuro, política, família, de tudo um pouco... Interessante como de certa forma muitos pontos se tocam com os meus próprios pontos de vista e interesses, o que confirma aquela ideia de que temos uma tribo por aí, cujos membros estão dispersos e, ás vezes, disfarçados em outros personagens.
Fiquei um bom tempo apenas olhando o rio que corria ali ao lado, observando o céu, sentindo a pequena brisa e contemplando o rápido entardecer, com a escuridão cobrindo tudo com um manto de quietude e mistério, típico da noite.
Nessas horas fica claro como o tempo e a vida passam rápido. Quando se vê, já era.
No outro dia acordei sem pressa, fiz um chá quente e comecei a arrumar as coisas para o retorno. O Dani apareceu novamente e batemos mais um papo. Comentei com ele que devia ser um prazer morar num lugar como aquele, com o que ele concordou, mas fez a ressalva de que estava ali havia já onze anos, e que tudo na vida cansa, e que estava precisando dar uma saída pra ver outras coisas.
No caminho de volta pra casa, "perdido em pensamentos sobre o meu cavalo", sofri a transição nítida e um tanto brutal de "velocidade de mundos", da tranquila Urubici à frenética Curitiba, e não há como negar a enorme afinidade com aquele em contraposição à tolerância com este.
Estive pensando também que nossa vida é feita de ciclos e de momentos, tudo tem sua hora, sua fase, uma zona de maior fertilidade para determinado tema. Saber disso, saber reconhecer isso e ser capaz de organizar a vida em função dessas sintonias é sem dúvida uma arte a ser valorizada. Certas coisas não podem ser adiadas para sempre, certas coisas não podem ser "saboreadas" para sempre, e no final das contas, como o entardecer junto ao rio me mostrou, tudo é muito rápido.
A questão é que, na maioria das vezes, pra abrir novos ciclos é preciso fechar os existentes, e aí entra a necessidade do desapego e da coragem de deixar para trás modelos que já deram o que tinham que dar.
Como costumo dizer, o mundo à nossa volta - o céu, os rios, o sol e suas nuances de luminosidade, os pássaros, os olhares dos animais, as ondas do mar, a textura da terra, as folhas das plantas - tem muito a nos ensinar e nos dizer. Tanto ou até mais do que nossos valiosos livros e teorias filosóficas. Mas é preciso ouvi-lo e entender o que ele está querendo dizer.
O que você acha?
A ideia era curtir um pouco a solitude, as virtudes do motor boxer e ficar em algum lugar em que fosse possível ouvir o silêncio.
O destino escolhido foi a pequena cidade de Urubici, na serra catarinense, que já conhecia de outras viagens e histórias.
Pesquisando e religando pontos de outras vezes em que estive por lá, decidi conhecer um camping localizado em um dos vales que ficam no entorno da cidade - Terras do Sul Ecoturismo.
Cheguei por lá no final da tarde, por volta das 17 horas. Ao desligar a moto, senti de imediato uma sensação de paz e de conexão com o lugar. Quase um encantamento. Muitas araucárias oscilando levemente com a brisa vespertina, um rio correndo ao lado e uma recepção simpática e convidativa da menina que me recebeu - "ah, você veio acampar? Legal... Pode montar a barraca em qualquer lugar aí."
Montado o acampamento, restava deixar fluir. Ótima noite de sono, no aconchego da minha pequena barraca, na companhia dos meus sonhos e devaneios.
No dia seguinte de manhã conheci o Dani, dono e idealizador do lugar. Israelense de nascimento, brasileiro de coração, tivemos ótimas conversas. Típico cidadão do mundo, já morou em diversos países e trabalhou e empreendeu em diversas frentes. Naquela manhã estava recebendo um grupo de crianças de uma associação da cidade, pra mostrar o seu modelo de negócio e inspirar novos horizontes.
Após um rápido desjejum saí pra colocar em prática uma antiga ideia (dentre muitas, tendo aquela região como cenário): subir a Serra do Corvo Branco correndo.
Apenas meia hora depois cheguei, de moto, ao topo da serra, pelo lado de cima, vindo da direção de Urubici. Como estava sozinho, se queria subir, era preciso primeiro descer. Portanto bolei um plano de descer correndo 7,5 km e depois retornar, perfazendo 15 km.
Equipei-me com o excelente e já um tanto velhinho Salomon LAB (o tênis), uma mochilinha de hidratação e lancei-me estrada abaixo.
Que lugar fantástico! Ninguém em volta, abismos dramáticos despencando em cada curva, picos elevando-se em direção ao céu e a inexorável força da gravidade empurrando como um par de mãos nos ombros.
Cumprida a meta da descida, iniciei o retorno. Devo dizer que é uma subida um tanto intimidadora. Rapidamente a pulsação vai a milhão e os passos se tornam humildemente curtos. Mas em compensação o visual do enorme paredão da serra, agora à frente, faz parecer que estamos em um cenário de filme de ficção científica.
A certa altura um carro passou do meu lado e o cara me perguntou na maior boa vontade se queria uma carona até o alto. Achei graça, agradeci e declinei. Ele ainda comentou: "é pique até lá em cima, hein!".
Muito bacaninha o ritual físico, mental e anímico de uma corridinha como essa. Me parece que o corpo físico sabe do seu potencial e dos seus limites, e, ao mesmo tempo que gosta da brincadeira, também sofre um pouco com ela. A mente é aquele gerente perfeccionista e preocupado com tudo o tempo todo. Excelente e indispensável auxiliar, mas deve ser tratado com certa cautela e colocando-a no seu devido lugar. No final das contas, sobram os velhos "por ques", os labirintos e alucinações do espírito que anima essa empresa - "sim porque sim, vou subir esse negócio até o final e não tem discussão! Deem um jeito aí!"
Aos pouquinhos vou chegando de onde saí, alguns minutos antes. Quanto mais perto do final, mais íngreme, menos força nas pernas, maior a harmonia com tudo em volta. Parece que dá pra sentir as moléculas de oxigênio chegando nas fibras musculares mais distantes, os pulmões pressionando o tórax em busca de um milímetro a mais de expansão e uma sensação de prazer muito rara de sentir em situações "normais".
Pronto! Cheguei! Simples assim [651m de ganho de altitude!]. A sensação é quase de certo anestesiamento (o cansaço mais pesado só apareceria cerca de trinta horas depois, e duraria uns bons dois dias, como se tivesse levado uma surra de vara de bambu - doía tudo [risos]).
Os números
Altimetria da brincadeira
À tarde dei um pulo na cidade pra almoçar e comprar suprimentos para o lanche da noite, e em seguida retornei ao camping para o devido descanso.
Bati mais um bom papo com o Dani, que me contou sobre passagens da sua vida, planos para o futuro, política, família, de tudo um pouco... Interessante como de certa forma muitos pontos se tocam com os meus próprios pontos de vista e interesses, o que confirma aquela ideia de que temos uma tribo por aí, cujos membros estão dispersos e, ás vezes, disfarçados em outros personagens.
Fiquei um bom tempo apenas olhando o rio que corria ali ao lado, observando o céu, sentindo a pequena brisa e contemplando o rápido entardecer, com a escuridão cobrindo tudo com um manto de quietude e mistério, típico da noite.
Nessas horas fica claro como o tempo e a vida passam rápido. Quando se vê, já era.
No outro dia acordei sem pressa, fiz um chá quente e comecei a arrumar as coisas para o retorno. O Dani apareceu novamente e batemos mais um papo. Comentei com ele que devia ser um prazer morar num lugar como aquele, com o que ele concordou, mas fez a ressalva de que estava ali havia já onze anos, e que tudo na vida cansa, e que estava precisando dar uma saída pra ver outras coisas.
A fiel companheira: espetacular!
No caminho de volta pra casa, "perdido em pensamentos sobre o meu cavalo", sofri a transição nítida e um tanto brutal de "velocidade de mundos", da tranquila Urubici à frenética Curitiba, e não há como negar a enorme afinidade com aquele em contraposição à tolerância com este.
Estive pensando também que nossa vida é feita de ciclos e de momentos, tudo tem sua hora, sua fase, uma zona de maior fertilidade para determinado tema. Saber disso, saber reconhecer isso e ser capaz de organizar a vida em função dessas sintonias é sem dúvida uma arte a ser valorizada. Certas coisas não podem ser adiadas para sempre, certas coisas não podem ser "saboreadas" para sempre, e no final das contas, como o entardecer junto ao rio me mostrou, tudo é muito rápido.
A questão é que, na maioria das vezes, pra abrir novos ciclos é preciso fechar os existentes, e aí entra a necessidade do desapego e da coragem de deixar para trás modelos que já deram o que tinham que dar.
Como costumo dizer, o mundo à nossa volta - o céu, os rios, o sol e suas nuances de luminosidade, os pássaros, os olhares dos animais, as ondas do mar, a textura da terra, as folhas das plantas - tem muito a nos ensinar e nos dizer. Tanto ou até mais do que nossos valiosos livros e teorias filosóficas. Mas é preciso ouvi-lo e entender o que ele está querendo dizer.
O que você acha?
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Observação:
- "Contato com a natureza previne depressão, ansiedade e estresse", é o que diz essa pesquisa publicada no seguinte link: Ciclovivo, por um mundo melhor
Mas saber disso apenas não basta. É preciso praticar. Vamos?
*** *** ***
"A criança que nasce, o dia que amanhece,
a convalescença no fim de uma enfermidade -
os ciclos de renovação da vida têm
a força tonificante dos grandes mistérios da natureza.
Milhões de pessoas deixam essa fonte de energia passar ao seu lado,
sentadas à margem da vida.
O eterno recomeço não é sempre fácil de identificar -
principalmente em nós mesmos,
em meio à dúvida e ao medo.
Quando isso é possível, estamos à beira de um milagre."
(Luiz Carlos Lisboa)
Gratidão
Força Sempre
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