Caiaque
oceânico na região de Guaraqueçaba
100 km de remo em 3
dias
*em parceria com os amigos:
Marco Antonio Bednarczuk,
Aguinaldo Aparecido Manholer,
Newton Adriano Weber ("Caratuva") e
Andrea Santana.
A iniciativa pra essa remada
partiu do amigo Marcão, de Curitiba, que há algumas semanas vinha agitando o
pessoal pra se animar a colocar os barquinhos nas águas salgadas da Baía de
Guaraqueçaba. Mas a despeito do entusiasmo pela proposta, vínhamos enfrentando
uma daquelas longas sequências de vários dias de tempo instável por essas
bandas, o que foi um desafio a mais às nossas intenções.
Havíamos marcado a empreitada
para o final de semana anterior a esse, mas a chuva insistente nos obrigou a
adiar os planos. A nova data agendada pra saída era a sexta feira, 24 de maio,
mas novamente a previsão era de chuva e ventos fortes no litoral. Remarcamos
então para o sábado, cujo prognóstico do tempo parecia favorável.
Planejamento do percurso de Paranaguá a Guaraqueçaba, feito pelo Marcão
Encontramo-nos às cinco e meia em
um posto de serviços na saída da cidade, e de lá descemos a serra em direção a
Paranaguá, de onde havíamos planejado nossa saída. Já na estrada, alguns
minutos depois, fomos agraciados com um belo nascer do sol, rompendo a
escuridão da noite com uma bela e animadora luz alaranjada. Bom sinal.
Finalmente parece que teríamos uma janela de folga das constantes chuvas dos
últimos dias.
No final das contas, após tantas
mudanças de data e incertezas advindas das previsões meteorológicas, estávamos
em três: o Marcão, o Manholer e eu.
Chegada em Paranaguá: finalmente uma manhã de sol
Após os acertos finais do
equipamento e logística de estacionamento dos carros, zarpamos do cais de
Paranaguá pouco antes das nove horas, numa linda manhã de sol e céu azul.
Saída de Paranaguá
Marcão, na saída de Paranaguá
O Marcão estava inaugurando o seu
caiaque Xavante (da marca Ygará) em ambiente de mar, e o Manholer remava o seu “sit
on top” com o qual já tinha bastante intimidade.
Poucos minutos depois já
estávamos na altura do porto, e logo em seguida na entrada da Baía, uma região
de águas abertas e suscetíveis às influências dos ventos locais. Enfrentamos
ondulações que variavam de um metro a um metro e meio de altura, o que exige um
pouquinho de confiança no equipamento e um pouquinho de habilidade com as
emoções (risos...).
Interessante como nessas situações é fácil nos
distanciarmos de nossos companheiros. Concentrados no próprio barco e no bailar
das ondulações, quando vemos, tá cada um para um lado, às vezes já até saindo
do campo de visão.
Marcão e Manholer
Passado esse trecho mais
complicado, fomos costeando o outro lado da Baía, seguindo nosso rumo agora na direção leste. Em determinado ponto, um pescador, vendo-nos passar, nos alertou: “tá
feio aí pra frente, hein!! Muito vento no baixio do perigo! Tomem cuidado!” Um
aviso desses, nesse tom, não é a melhor coisa pra se ouvir em momentos como
esse. Que baixio do perigo seria esse? E esses ventos?... Trocamos, rapidamente,
algumas opiniões entre nós e resolvemos seguir em frente.
Marcão e o seu Xavante
O Marcão havia combinado com o
casal de amigos Newton e Andréa, que mora em Guaraqueçaba e rema com frequência
na região, de nos encontrarmos mais ou menos no meio do caminho, nas Ilhas
Bananinhas, e de lá seguirmos juntos.
Chegamos a essas belas ilhas,
ponto de referência importante nessa rota, já quase ao meio dia, mais
tarde do que prevíramos. Tivemos um entusiasmado encontro com nossos amigos,
que remavam um caiaque Marajó duplo (Ygará Caiaques), descansamos um pouco, tiramos umas fotos e
em seguida retornamos aos remos.
Ilhas Bananinhas, vistas de cima
Fomos contornando a Ilha Rasa e
pouco antes das três horas paramos num vilarejo chamado Almeida, onde o Newton
e a Andréa haviam acertado nosso almoço na casa de um morador local.
Típica
vilazinha de pescadores, com casas simples, barcos atracados junto à margem,
crianças brincando em volta e aquele clima de tranquilidade. A comida caseira,
à base de arroz, feijão, peixe e salada, veio em boa hora e caiu muito bem,
levantando nossa moral para a etapa final do dia.
Newton e Andrea, no duplo Marajó (Ygará Caiaques)
Crianças na Ilha Rasa, curiosas com a nossa passagem
Localidade de Almeida, na Ilha Rasa, onde almoçamos
Às quatro horas retornamos à
água. O Newton nos alertou que certamente chegaríamos a Guaraqueçaba já de
noite, em função da distância que ainda faltava para o nosso destino e o
avançar rápido das horas.
Esse trecho final foi simplesmente
muito bonito. Mal podia acreditar no momento que estávamos vivendo. Depois de
tanta incerteza e receio em relação às condições climáticas, aquele final de
tarde foi uma bela recompensa e prova de que vale a pena insistir de vez em
quando. Com uma linda luz transformando-se rapidamente num degradê do azul
claro ao amarelo dourado, os pássaros revoando no céu em busca de seu local de
pernoite e o cansaço da distância acumulada, fomos envolvidos por um espetacular
sentimento de gratidão e satisfação de estar naquele lugar, com nossos singelos
barcos a remo, com o som suave da água deslizando nos cascos. Momento de muito significado para quem busca justamente esse tipo de
contato com esse fantástico ambiente ao ar livre.
A noite escura caiu por volta das cinco e meia, mas não havia problema, porque o céu estava limpo, o vento
calmo e já estávamos próximo do nosso destino.
Às seis e meia encostamos na orla
de Guaraqueçaba, cuja praça central estava agitada naquele momento por uma
música alta e movimentação de pessoas. É que estava ocorrendo ali a chegada da
ultramaratona Morretes-Guaraqueçaba, corrida a pé de 105 km, que havia começado
às quatro e meia da madrugada lá na cidade de origem. É aquela história: sempre
dá pra ser mais ousado.
Curtimos a chegada com a alegria
leve de quem conquista o inútil. O puro prazer de fazer. Mais tarde saímos para
um merecido jantar num restaurante local, simples e muito bom, e, depois, uma
noite de sono profundo e restaurador nas pousadas em que nos instalamos.
Rota e dados do primeiro dia (velocidade média inclui paradas)
No dia seguinte pela manhã
acordamos meio sem pressa e após o desjejum saímos para dar uma caminhada em
volta. Fizemos uma trilha local até o alto do morro do Quitumbé, com uma vista
privilegiada da Baía ali do lado e da imponente Serra do Mar ao fundo, em mais
um belo dia de sol e céu azul.
Guaraqueçaba, vista pelo Mavic
Baía de Guaraqueçaba: lá ao fundo (bem pequeno), as Ilhas Bananinhas
O Marcão e o Manholer tinham que
retornar a Curitiba ainda nesse dia, por isso logo após o almoço pegaram o
barco que faz o transporte de pessoas na região e retornaram a Paranaguá.
Como eu tinha disponibilidade de
tempo e o clima estava favorável, resolvi aproveitar a oportunidade e ficar um
pouco mais, pra explorar a região com os amigos Newton e Andréa.
Assim, no meio
da tarde, por volta das 15 horas, O Newton e eu saímos pra uma remada por um
dos furados da região. Esses furados são caminhos por entre o mangue, que vão
se abrindo ou se fechando numa formação que se assemelha a um labirinto. Ou
seja, pra navegar por ali tem que conhecer um pouquinho os detalhes de cada
curva, saber enxergar o caminho principal que a água faz e ter uma boa noção geral
de direção e distância.
Fizemos uma bela remada até um
local chamado Sambaqui, onde há um acúmulo de material fóssil (conchas e até
ossos humanos) que chega a vários metros de altura.
Nesse trecho pegamos um
vento bem contra e a maré também desfavorável ao nosso deslocamento, o que fez
nosso ritmo cair bastante. Às cinco horas iniciamos o retorno, que seria pelo
mesmo caminho da ida. Ou seja, sabíamos que seríamos novamente envolvidos pela
noite ao longo do nosso caminho.
Fiquei um tanto apreensivo com essa situação,
porque logo imagina-se que a escuridão vai comprometer nossa tão estimada
segurança, em particular a questão da orientação e dos pontos de referência para
a navegação visual.
A noite caiu rapidamente, novamente
em uma mudança de cores da luz absolutamente espetacular. Fiquei encantado com
a paz e o visual daquele lugar. Ninguém em volta, apenas o barulho dos remos n’água
e dos eventuais pássaros no céu. Estabelecida a escuridão, relaxei. Não havia
por que ter pressa. O Newton demonstrou uma segurança e uma capacidade de
orientação fora do comum, fruto certamente do seu hábito de navegar se
orientando sempre com base em referências visuais (sem GPS), bem como de estar
já habituado com a região.
Esse trecho em que remamos na
escuridão foi certamente uma das experiências visuais junto à natureza mais
belas que já tive. Sem lua, o céu estrelado refletia-se na lâmina d’água transformando
tudo em volta em um único ambiente. Parando de remar por alguns instantes, parecia
que estávamos deslizando no céu, com as estrelas reluzindo à nossa volta. Enorme
sentimento de gratidão e de conexão com o mundo, com o tempo e com a vida! Uma
epifania!
Pena que, em função da baixa luminosidade e do equipamento que tinha em mãos, não foi possível fotografar esse cenário. Mas fico imaginando uma cobertura fotográfica feita com esmero num local e momento como esse.
Em determinado momento o Newton
ainda levou um susto ao ser presenteado com um peixe que pulou exatamente
dentro do cockpit do seu caiaque, no
seu colo! Certamente um desses momentos de alinhamento com sincronias
especiais. Chegamos de volta às luzes de Guaraqueçaba às sete horas, com a
sensação de estar vindo de outro mundo.
Segundo dia
Após uma boa e revigorante noite
de sono, partimos na manhã seguinte – o Newton, a Andréa e eu – para mais uma
remada a um destino encrustado em um cantinho escondido da Baía – o vilarejo de
Tagaçaba, que fica no cruzamento do rio de mesmo nome com a estrada de terra
que dá acesso a Guaraqueçaba.
Pescador local
Remamos vinte quilômetros (de
ida) abençoados por mais um dia bonito de céu claro e sol vibrante, alternando
trechos de amplo espaço aberto com outros de furados bem estreitos ligando
essas “praças centrais”. O visual da Serra do Mar, com o emblemático Pico
Paraná (dentre outros) ao fundo conferiu uma moldura especial a esse cenário
por si só maravilhoso.
Pico Paraná, na Serra do Mar
Uma das coisas que mais
aprecio nesse tipo de ambiente é observar o voo dos pássaros, com sua elegância
e simplicidade características. Fiquei pensando por que não se inventou ainda
um sistema de voo com asas móveis semelhantes às das aves para nós, humanos, que
nos permitisse voar sem a necessidade de motores e sem depender das correntes
de ventos quentes (como as asas deltas e os parapentes). Aparentemente parece que
seria apenas uma questão físico-matemática de proporções entre pesos e
medidas... Mas provavelmente, nesse caso, as aparências enganem, e por isso ninguém
tenha sido capaz de imitar essa fluidez bonita de um bater de asas de um
pássaro.
Em Tagaçaba almoçamos uma deliciosa
comida caseira em um local famoso na região, o Restaurante do Marinho, à beira
do rio, debaixo das árvores, com os nossos caiaques ao lado.
Terceiro dia: Guaraqueçaba a Tagaçaba
A volta, no começo da tarde, foi
tão tranquila e envolvente quanto a ida, com a vantagem de termos pego o trecho
do rio (cerca de 2 a 3 km, aproximadamente) no sentido da correnteza.
Em vários momentos, nesse trajeto, pudemos observar vários botos vindo à superfície pra respirar, normalmente em grupos de dois ou três. Muito bacana poder presenciar essas cenas de tão perto, de forma tão surpreendente. Essa é mais uma das situações que escapam à capacidade fotográfica no formato que tinha disponível na hora.
Outra curtição de uma remada como essa é, como se pode imaginar, simplesmente o ambiente visual e sonoro no qual se fica inserido por diversas horas. O mundo muda de velocidade. Os olhos e ouvidos descansam. A paisagem muda lentamente, ao ritmo dos remos n'água. É uma experiência difícil de descrever.
Chegamos
a Guaraqueçaba por volta das quatro horas, satisfeitíssimos com mais uma remada
bonita em nossos pequenos barcos.
Chegando de volta a Guaraqueçaba
Terceiro dia: Tagaçaba a Guaraqueçaba
Guardamos nossos equipamentos e
ainda nos permitimos apreciar o belo pôr do sol na Baía junto à orla da cidade,
pra fechar com chave de ouro esses belos três dias passados ao balanço das
águas nas redondezas.
Baía de Guaraqueçaba, fotografada pelo Mavic
No dia seguinte de manhã cedo embarquei
com o meu caiaque no barco de linha para Paranaguá. Nas duas horas e meia de
viagem o tempo mudou de parcialmente aberto para totalmente fechado. Subindo a
serra de volta a Curitiba, em seguida, já estava novamente sob forte chuva, o
que me fez ainda mais grato pelos três dias mágicos de tempo bom junto à
natureza por que havia acabado de passar.
Bom demais!
Retornando a Paranaguá
Assista no link abaixo a um pequeno vídeo da remada:
*** *** ***
Observações:
1) Meu muito obrigado aos companheiros dessa jornada, em particular ao amigo Marcão, que foi o grande articulador para que a engrenagem se movesse, e aos amigos Newton e Andréa, que me hospedaram de forma extremamente atenciosa em sua residência em Guaraqueçaba e me acompanharam nas remadas no domingo e na segunda-feira.
** ** **
2) O Newton e a Andrea moram em Guaraqueçaba e estão guiando passeios/ treinos/ expedições na região - de caiaque, mountain bike ou andando/ correndo, inclusive com aluguel de caiaques oceânicos da marca Ygará. Também tem um quarto disponível em sua casa para hospedagem (Airbnb). De forma discreta e correta, estão montando uma bela base de canoagem num lugar simplesmente magnífico para esse tipo de atividade. Super recomendo!
"Nas primeiras horas do dia, em cada dia da vida,
há um presente que chega para aqueles que o merecem.
Os que já se acostumaram com a beleza
seguem seu caminho e fazem suas tarefas.
A manhã, a renovada manhã, é daqueles que nada sabem dela,
e a cada instante descobrem suas cores,
seus cheiros e sua luz sempre diferentes.
Essa revelação que os simples conhecem,
e que faz com que se tornem bem aventurados,
é concedida a cada homem todas as manhãs -
e eles a recebem ou a rejeitam,
conforme sua vontade e seu destino."
(Luiz Carlos Lisboa)
Gratidão
Força Sempre