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domingo, 21 de janeiro de 2018

"Portões de Fogo" - um romance épico sobre Leônidas e os 300 de Esparta, Curitiba, Jan 2018












Recentemente li o livro “Portões de Fogo” – um romance épico sobre Leônidas e os 300 de Esparta, de Steven Pressfield (Editora Contexto, 2017/ tradução de Ana Luiza Dantas Borges).

A obra, ficcional, baseia-se em ampla pesquisa e dados históricos da célebre batalha no desfiladeiro das Termópilas, em que o Rei Xerxes, em 480 A.C, comanda dois milhões de homens do Império Persa para invadir e submeter a Grécia.

Conta a história que, em oposição a essa investida, uma pequena tropa composta de 300 selecionados guerreiros espartanos segue para o estratégico desfiladeiro em que o poderoso exército invasor teria que se afunilar para passar. Durante sete exaustivos dias de combate, conseguem conter o ataque inimigo, eliminando cerca de 20 mil opositores, após o que, exauridos e progressivamente aniquilados, acabam por serem vencidos.

[Essa história é contada, também como ficção, pelo icônico filme “300”, do diretor Zack Snyder, lançado em 2007.]











O autor cria um enredo em que o único sobrevivente grego é resgatado pelas tropas persas e, muito ferido, é feito prisioneiro pelo inimigo. O Rei persa então se interessa em ouvir o relato do prisioneiro a respeito dos detalhes da preparação e do combate vistos pela ótica espartana. Determina, para isso, que um historiador de seu séquito interrogue e escreva o depoimento do soldado sobrevivente. Esse relato se constitui, basicamente, no livro em si.

O prisioneiro grego, de nome Xeones, conta então toda a história de sua vida, desde a infância abruptamente interrompida pela invasão de sua cidade por inimigos, passando pelos vários anos de vida errante como um “sem cidade”, até ser aceito como estrangeiro em Esparta, e lá conseguir realizar sua visão de se transformar em um guerreiro.

Na sequencia, descreve em detalhes as táticas de treinamento e educação adotados em Esparta, a preparação do exército para a guerra nas Termópilas, além das inevitáveis intrigas e polêmicas nos bastidores da tropa selecionada para o épico combate.

É uma bela obra, que prende a atenção tanto pelo ritmo quanto pela intensidade dos eventos relatados.

Acho que o cerne da história é evidenciar o verdadeiro espírito guerreiro – entendido, naquela época, como sendo a mais nobre missão que um homem poderia desempenhar. Como o protagonista relata, os espartanos eram combatentes profissionais, treinados desde o início da adolescência para fazer (apenas) aquilo.

Há que se destacar também a convicção que esses homens tinham nos motivos que os levavam ao combate – defender sua nação, seu povo, sua família, sua história. Não havia qualquer sombra de dúvida nas raízes de suas ações. Ainda que na época já existisse a malfadada política, a questão da guerra iminente era muito clara: ou eles combatiam para se defender ou seriam varridos do mapa pelo exército invasor.

Outro aspecto muito relevante dessa época é que o Rei espartano era tão guerreiro quanto qualquer soldado, e mais do que isso, era reconhecido e reverenciado como o melhor de todos. Lutava na linha de frente junto de todos os demais, liderando o combate pessoalmente.

A história descreve ainda vários aspectos da educação espartana que são dignos de serem observados, como a extrema resistência ao desconforto, à dor, aos castigos físicos, e, em última instância, à própria morte. Pelo que se relata, não havia um apego à vida, no sentido de um sentimento de desespero ou extremo pesar diante da morte, própria ou de entes queridos. Percebe-se que, naquela época, morria-se muito facilmente, às vezes apenas em consequência de uma frase mal colocada.

O relato enfatiza ainda a importância das mulheres na cultura espartana, citando, no final da obra, o que seria um segredo do Rei Leônidas, que teria revelado a uma das mulheres de Esparta, a única a ter um filho e um marido selecionados para os 300, que o verdadeiro critério para essa seleção teria sido a força das mulheres desses homens, e não, na verdade, a capacidade individual de cada selecionado.

Interessante notar também a estreita relação, na época, entre o esporte e a guerra. Vários dos melhores guerreiros eram também melhores atletas nos jogos olímpicos recentes, muito em função, é lógico, da importância da capacidade e habilidade física no desempenho em combate.

Outro ponto notável é o respeito que esses homens tinham aos seus deuses, de uma forma que para nós, hoje em dia, é até difícil entender. Seus deuses eram fonte de inspiração, de aconselhamento, de devoção, de razão de viver e de morrer.

O livro conta que, a rigor, os espartanos não combateram sozinhos. Havia várias nações aliadas, igualmente interessadas em defender seu território e povo, que enviaram suas tropas para reforçar o exército de Esparta. Os números são imprecisos, e mesmo a história oficial tem dificuldade em confirmar esses dados, mas fala-se em cerca de dez mil aliados no começo dos combates. 

Esse reforço, no entanto, não era composto de soldados efetivamente profissionais, e por isso não foi de grande ajuda. No decorrer dos dias, foram sendo rapidamente dizimados, e na véspera do confronto final os que restaram foram “liberados” pelo Rei Leônidas, ciente então de que já não havia mais como resistir.

O relato do prisioneiro não aborda a questão do motivo pelo qual Esparta enviou apenas 300 soldados de seu exército para esse importante combate [O filme “300”, quem assistiu deve se lembrar, cita intrigas políticas e traições na cúpula do governo espartano como motivo para não enviar o exército como um todo], mas faz menção a uma profecia que afirmaria que assim deveria ser, que o Rei tombaria para Esparta sobreviver.

Desde a seleção dos 300 soldados havia a noção clara de que combateriam uma guerra perdida, em função da incrível superioridade numérica do inimigo. De fato, no último dia de confronto, os soldados que restaram lutaram com a intenção de causar o maior número de baixas ao inimigo, até serem finalmente vencidos (aniquilados).
















A obra me fez refletir sobre alguns valores e cultura daquela época aplicados ao nosso tempo atual. É lógico que o momento histórico é completamente diferente, mas do ponto de vista humano, de certa forma, somos os mesmos.

Um desses pontos sobre os quais estive pensando é a respeito da forma de fazer guerra, e, atrelado a isso, a “legitimidade” da guerra, ou a “justiça” ou “código de ética” de uma guerra. É incrível como essa questão se transformou ao longo do tempo! Me parece que o combate corpo a corpo, em condições muito semelhantes de armamento entre os oponentes, era incomparavelmente mais “honesto” do que as guerras atuais, em que o que conta é a capacidade tecnológica, bélica, econômica e demais artimanhas de cada lado.

Junto a isso vem o fator da liderança em combate, com a pessoa do Rei e todos os demais “oficiais” combatendo lado a lado com todos os demais soldados. Isso também mudou muito nesses mais de vinte séculos. Hoje em dia o conceito vigente é o das lideranças militares (generais, coronéis e afins) “gerenciarem” o combate de uma segura posição na retaguarda (quando não do conforto de seus longínquos postos de comando). Não quero dizer que isso seja errado, mas que parece menos “nobre” do que o modelo anterior, isso parece.

Outro tema que a história me levou a refletir foi sobre a questão da guerra em si, como conceito. Esse ato extremo da condição humana de “precisar” matar um oponente por que esse adversário igualmente o quer matar. 

Outro dia assisti a um outro filme, chamado “Até o último homem”, em que o herói da história era um soldado americano que se alistou para combater na Segunda Guerra Mundial, mas se recusou a pegar em arma e a matar. O filme nomeia esse tipo de atitude como “oposição de consciência”. No filme, baseado em fatos reais, o protagonista enfrenta uma série de problemas, ofensas e polêmicas, mas mantém sua posição firmemente. Chega a ir para a linha de frente, onde se destaca por sua grande coragem no resgate de seus companheiros feridos, mas mesmo no fragor do combate se recusa a pegar em armas para atirar contra o inimigo. 

Onde está a virtude e o valor mais elevado, afinal de contas? Acho esse um dos temas mais interessantes e instigantes quando se fala em exércitos, guerras, heroísmos. Até que ponto o soldado que está ali atirando, matando o soldado do outro lado, o faz por convicção ideológica, com firme clareza de suas atitudes, e a partir de onde se torna apenas uma peça num jogo obscuro e tortuoso, um “inocente útil” para interesses pouco nobres, ou tão somente um ser desesperado lutando por sua própria sobrevivência...?

Chega a ser emocionante imaginar a guerra como descrita no livro sobre os 300 de Esparta. Um confronto direto e claro entre um exército interessado em invadir e pilhar terras alheias e soldados lutando pra defender seu povo, suas famílias, sua história. Trazendo esse modelo para os dias atuais, a quantos conflitos poderíamos aplicar uma lógica dessas?

O fato é que a vida e o ser humano não são simples e redutíveis a análises de certo e errado. Pessoalmente não vejo a história do soldado “opositor de consciência” do referido filme com aprovação. É bonito, é romântico, mas não é realista. Acredito que certas situações extremas requerem medidas extremas. A ideia do pacifismo é muito encantadora, mas não creio que se possa aplica-la como quem tira um produto novo da caixa e sai usando. Acredito, isto sim, que ela tem que ser construída, conquistada, ambientada, para que funcione, sem recorrer a mais heroísmo e a atitudes desencaixadas dos fatos em volta.

Achei muito interessante também a ideia de rusticidade e maturidade precoce da educação espartana, relatada no livro. À época, os meninos iniciavam seu treinamento militar com treze, quatorze anos de idade. Aos dezesseis já eram homens. 

Outro dia li um texto que abordava muito bem essa questão do adiamento da maturidade típica dos nossos tempos. O tal texto trazia o exemplo dos jovens aviadores das Forças Aéreas alemã e inglesa na Segunda Guerra Mundial, jovens dos seus 18 anos, pilotando aviões de combate, tomando decisões cruciais sob extrema pressão, lidando com o perigo iminente, escrevendo a história de seus países no dia-a-dia de suas ações. Hoje em dia, dizia o texto, e é a mais pura verdade, nossa geração de jovens, salvo raríssimas exceções, chega aos vinte e cinco, trinta anos de idade, muitas vezes sem saber o que fazer da vida, sem estrutura emocional pra assumir decisões, cheios de vontades, “problemas”, “conflitos” e ideias sem muita coerência entre si. 

Não acho que a responsabilidade por essa situação seja exclusivamente dessa geração que protagoniza esse perfil dependente e imaturo, mas de todos nós, da nossa sociedade que cria, a cada dia que passa, mais regras inúteis, mais direitos absurdos, mais medidas de proteção desnecessárias, mais “necessidades” alienadoras e aprisionadoras.

Nesse sentido, é também inspirador imaginar uma cultura em que essa lógica é invertida, e desde cedo busque-se fazer dos meninos, verdadeiros homens.

Por fim, destaco outro aspecto que me chamou a atenção na história contada no livro, a devoção do povo espartano, seu relacionamento com seus deuses, sua fé e suas crenças. De alguma forma, me parece que também nesse sentido a nossa sociedade se enfraqueceu e se perdeu um pouco. A nossa devoção, de forma geral, foi terceirizada às religiões, aos “esquemas religiosos”, a modelos criados para serem vendidos e comprados como um produto.

Pensar num formato mais direto, genuíno e convincente para essa ligação com o espiritual é também uma grata inspiração do livro de Pressfield.

Encerro esse breve comentário transcrevendo uma passagem descrita nas últimas páginas do livro, ocorrida pouco antes da batalha final. Disse o soldado sobrevivente, relator da história, que, pouco antes da investida derradeira, Xerxes enviou um mensageiro ao Rei Leônidas, a fim de propor-lhe a rendição:

“O emissário foi Ptammitechus, o marinheiro egípcio Teco. Dessa vez, seu filho não o acompanhou como intérprete; essa função foi desempenhada por um oficial persa. Os quatro cavalos haviam empacado por causa dos cadáveres sob suas patas. Antes de Teco ter tempo de falar, Leônidas interrompeu-o:

- A resposta é não – gritou do alto do muro.

- Não ouviu a proposta.

- Foda-se a proposta – gritou Leônidas com um sorriso largo. – E o senhor também!

O egípcio riu, o sorriso cintilando mais que nunca. Puxou as rédeas de seu cavalo assustado.

- Xerxes não quer suas vidas, senhor – gritou Teco. – Só suas armas.

Leônidas riu.


- Diga-lhe para vir pegá-las.”





























"Passantes, aos espartanos dizei
que aqui jazemos, em obediência a sua lei."

(inscrição na lápide em homenagem aos 300)











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