Tiger 900 Rally Pro

Tiger 900 Rally Pro
Tiger 900 Rally Pro

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Sobre "Mais Platão, Menos Prozac", Curitiba-PR, Dezembro 2017




Breve comentário a respeito do livro









Li recentemente o livro “Mais Platão, Menos Prozac”, do escritor e filósofo americano Lou Marinoff (Editora Record, 2007, tradução de Ana Luiza Borges). A obra, muito interessante, trata de um movimento surgido em 1981, na Alemanha, e atualmente disseminado em vários países – fazer da Filosofia uma fonte de consulta e de aconselhamento pessoal para as decisões e questões existenciais da vida.

A ideia central é fazer com que Filósofos formados atuem como terapeutas no aconselhamento de pessoas que enfrentam algum tipo de problema ou questão que requeira uma visão mais ampla.

O autor traz à tona também o problema da banalização dos diagnósticos psiquiátricos e psicológicos, bem como a muitas vezes ineficiente abordagem dessas ciências, seja por descaso, seja por não atuarem no ponto que precisa.

A certa altura, por exemplo, ele cita o impressionante aumento da quantidade de “doenças psiquiátricas” catalogadas no documento oficial do Conselho americano da área, indicando, sem sombra de dúvida, como esses diagnósticos tornaram-se corriqueiros nas últimas décadas, fazendo com que qualquer comportamento um pouco fora do comum fosse entendido como patológico.

Há que se considerar ainda que a Psicologia, como ciência, derivou da Filosofia, ou seja, originalmente, os assuntos hoje tratados pela Psicologia eram temas filosóficos.

O autor não diz que a Psicologia e a Psiquiatria são desnecessárias ou prejudiciais no tratamento das questões existências, defende, isto sim, que são áreas distintas, cada uma com uma abordagem diferente, assim como a Filosofia. Dessa forma, considera que há casos em que é necessário uma intervenção efetivamente psiquiátrica, outros em que uma abordagem psicológica pode ser mais eficiente, e vários outros em que a Filosofia pode ser a solução.

Tentando entender esse ponto de vista, realmente parece muito lógico que nem sempre um problema que nos aflige, e foge da capacidade individual de solução, deveria ser levado a um psicólogo. O autor defende que muitas vezes as pessoas precisam de diálogo, e não de diagnóstico ou tratamento.

Mas não de um diálogo qualquer, não de um papo furado, nem de uma mera lição de autoajuda. O que a Filosofia clínica propõe é colocar os ensinamentos e pensamentos dos maiores filósofos de todos os tempos a serviço das questões individuais das pessoas. Ajudar a estruturar o pensamento com base em princípios e fundamentos consistentes e elaborados, mas não complicados.

O objetivo da abordagem filosófica não é descobrir o por que mais profundo dos problemas que perturbam a tranquilidade pessoal, mas sim uma solução eficiente e objetiva para determinada questão ou situação. O foco é a solução, e não o problema.

Transcrevo, a seguir, alguns trechos da obra, a título de ilustração e esclarecimento da ideia:






“Filosofia foi, originalmente, um modo de vida, não uma disciplina acadêmica – algo para ser não apenas estudado, mas também aplicado.”

“O foco do aconselhamento filosófico é o agora – e planejar o futuro – e não o passado, como em grande parte da psicoterapia tradicional.”

“Algumas pessoas talvez não obtenham ajuda de Platão, assim como outras não obtêm ajuda do Prozac.”

“Quando Sócrates declarou que a vida não examinada não vale a pena ser vivida, estava defendendo a avaliação pessoal constante e se esforçando para o auto aprimoramento como a vocação mais elevada.”

“Descobrimos que nem a ciência, nem a religião, respondem a todas as nossas perguntas. (...) Cada vez mais pacientes lotam as nossas clínicas e consultórios queixando-se de um vazio interior, da sensação de uma total falta de sentido de suas vidas.”

“Acho muito mais saudável viver a vida do que ficar constantemente desencavando suas raízes. (...) A vida não é uma doença. Não se pode mudar o passado. O aconselhamento filosófico parte daí para ajudar as pessoas a desenvolverem uma maneira produtiva de olhar o mundo, e, portanto, um plano abrangente de como agir no dia-a-dia.”

“Os filósofos sempre foram observadores da natureza humana, o que parece a descrição da tarefa do psicólogo. Qualquer filosofia da humanidade seria incompleta sem o insight psicológico. Também a psicologia falha quando é destituída do insight filosófico, e os dois campos empobreceram ao se bifurcarem.”

“A Psicologia nunca revelará por inteiro a complexa tapeçaria da natureza humana.”

“Abraham Maslow assinalou muito bem que, se a única ferramenta em sua caixa de ferramentas é um martelo, uma porção de coisas começa a parecer pregos.”

“Se o seu problema é de identidade, valores ou ética, a pior opção será deixar alguém reificar uma doença mental e escrever uma receita. Não existe comprimido que faça você se encontrar, alcançar suas metas ou fazer a coisa certa.”

“O cerne da questão filosófica mais profunda é: ‘quem sou eu?’.”

“’Psicoterapia’ vem de duas palavras gregas que não tem nada a ver com medicina: therapeuein significa ‘dar atenção a’ alguma coisa, enquanto psikhé significa ‘alma’. Psicoterapia, então, pode significar prestar atenção à sua alma.”

“Se quiser resolver um problema filosófico, procure ajuda filosófica.”

“A filosofia antiga propunha à humanidade uma arte de viver. Em comparação, a filosofia moderna aparece, acima de tudo, como a construção de um jargão técnico reservado e especialista.”

“Se os indivíduos levam vidas boas, a sociedade também será boa: sem conflitos, decente, produtiva.”

“Devolver a importância da introspecção filosófica às pessoas comuns é a força motora do aconselhamento filosófico.”

“A sua mente, como distinta do seu cérebro, apresenta perguntas, dúvidas, informação falsa, interpretações duvidosas e inconsistências – mas não doença. A doença é um problema físico.”

“No aconselhamento filosófico é importante ter em mente que a nossa percepção do momento é apenas uma maneira de ver as coisas, e que quanto mais perspectivas investigarmos, melhor será nossa compreensão.”

“Mesmo que você não queira continuar até o infinito, esse tipo de aperfeiçoamento constante é um método útil para a sua filosofia de vida pessoal.”

“Como Leibniz escreveu, tudo acontece por uma razão. Se você quer exercer certo controle sobre o que está acontecendo, tem que entender a razão que está por trás.”

“Como a maioria dos meus pacientes, procurava alguém que pudesse ajudá-lo a articular a sua visão de mundo (isto é, a sua filosofia pessoal) e examinar suas escolhas para se certificar de que suas ações eram coerentes com suas convicções e valores. Essa tarefa nem sempre é simples como parece.”

“Se sempre acontece de você se voltar para o exterior querendo agradar a outra pessoa, certamente você perdeu o seu plano de vida.” (Epictetus)

“Como conselheiro filosófico, minha responsabilidade é ajudar os meus clientes a atingirem a auto-suficiência filosófica, não a dependência.”

“... para mim, nenhuma sorte parecia favorável, a menos que deixasse tempo ocioso que pudesse ser dedicado à filosofia, que nenhuma vida era feliz, a não ser que fosse vivida na filosofia.” (Agostinho)

“O pensamento hindu tradicional traça quatro estágios de vida: o estágio do estudante, do chefe de família, do afastamento dos assuntos mundanos e do total desligamento da rivalidade mundana. (...) A nossa cultura procura alguns outros marcos – casamento, nascimento dos filhos – mas, depois, só existe a estrada.”

“Os seres humanos são fantásticos em propor questões que não podem ser respondidas, mesmo quando descobrimos cada vez mais sobre o universo e como ele funciona.”

“‘Tudo é vaidade, e uma luta pelo vento’. Pensar que você sabe exatamente o que está fazendo é uma forma de vaidade; saber que não sabe, mas achar que deveria saber, é outra.”

“Os artistas frequentemente tem um tipo de fé em si mesmos da qual todos poderíamos nos beneficiar, a coragem de navegar orientados por suas próprias estrelas. A resposta para ‘o que eu deveria estar fazendo?’ geralmente surge de dentro da própria pessoa, não de fora.”

“Nada contribui tanto para tranquilizar a mente quanto um propósito estável – um ponto sobre o qual a alma possa fixar o seu olhar intelectual.” (Mary Wollstonecraft)

“Propósito é um objeto ou fim último a ser alcançado. É uma meta. Significado tem relação com a maneira como você entende sua vida em uma base contínua. (...) O seu propósito pode ser simplesmente explorar, e você pode atribuir um significado a tudo o que encontrar na viagem. Significado e propósito dependem muito de você. As coisas simples podem ser muito significativas.”

“Segure firme o tempo! Vigie-o, vele por ele, cada hora, cada minuto! Se não prestar atenção, ele escapa... Que cada momento seja sagrado. Dê a cada um clareza e significado, a cada um o peso da sua consciência, a cada um a sua verdadeira e devida realização.” (Thomas Mann)

“Uma grande coisa pode ser simplesmente a soma de pequenas coisas. Uma vida com propósito é construída passo a passo. (...) Pode-se fabricar uma vida expressiva para si mesmo, mas em pequenos fragmentos que devem ser reunidos gradativamente. Não espere que forças externas ajam por você, pois esse dia talvez nunca chegue.”

“Mesmo em condições consideradas puramente biológicas, como o câncer, foi demonstrado que o tratamento eficaz baseia-se não somente na medicina, mas também na atitude. A sua atitude em relação à vida e a sua disposição – a sua filosofia- podem influir no resultado da batalha.”

“A experiência com a natureza ajuda a reanimar a própria vida, uma das melhores maneiras de encontrar sentido e propósito.”

A maneira mais segura de neutralizar os sentimentos de vazio em sua vida é ajudar outra pessoa. Isso lhe dá um sentido e um propósito que não pode rejeitar. Pode ajuda-lo a ver oportunidades em sua vida para as quais estava cego, e lidar com o mundo do outro ajuda você a escapar do cativeiro do seu próprio mundo. Sentir que a vida não tem sentido é, de certa forma, um luxo.”

“A sua última opção quando luta com a falta de sentido e a falta de propósito é resistir bravamente: trinque os dentes e aguente.”

“O que é inevitável, disse ele, não deveria ser excessivamente lamentado.”

“O primeiro passo ao criar a sua própria disposição filosófica em relação à morte , à perda e ao luto é valorizar a vida. Viver o momento é a melhor maneira de fazer isso. (...) Goste de estar vivo neste exato momento e lastimará menos quando se esgotarem os seus momentos.”

“O passo seguinte na preparação de sua própria disposição é reconsiderar suas crenças em relação à vida e à morte. Use a imaginação e pergunte a si mesmo; ‘onde eu estava antes de nascer?’.”

“Você mesmo deve fazer o esforço. Os Budas podem apenas apontar o caminho. Aqueles que iniciaram o caminho e se tornaram meditativos estão livres dos grilhões do sofrimento... As pessoas se confundem com os anseios, girando em círculos como uma lebre capturada numa rede... elas sofrem por muito tempo.” (Buda)

“Pensar sobre a própria morte é quase abstrato: você pode sentir a morte de alguém, mas não a sua própria. (...) É impossível imaginar a i mesmo como inexistente, justamente porque tentar imaginar já implica que você existe. (...) É natural pensar mais sobre a própria mortalidade quando se envelhece, embora algumas pessoas nunca o façam.”

“Levar uma vida decente, amar e ser amado, experimentar o que a vida tem a oferecer, e ter, de alguma maneira, importância para alguém é tudo o que se pode esperar.”

“Embora a vida termine com a morte, não apaga o tempo vivido. (...) Essa é uma maneira de conceitualizar o sentido duradouro e o impacto de sua vida no mundo, sem recorrer à crença em uma alma que existe além dos limites físicos do corpo.”

“Covardes morrem mil vezes antes de suas mortes; o valente só experimenta a morte uma vez. De todos prodígios de que tive conhecimento, o que me parece mais estranho é os homens terem medo; perceber que a morte, um fim necessário, chegará quando chegar.” (William Shakespeare)

“As pessoas atormentadas por um pesar perpétuo por causa da morte de um ente querido são atormentadas por seu apego, não por seu amor.”

“A maioria de nós, em um momento ou outro, é impelida, mesmo que o impulso seja breve, ajudar a resolver os problemas da sociedade, e a maioria de nós sabe, no fundo do coração, que é nossa responsabilidade deixar o mundo um pouco melhor do que o encontramos.” (Cyril Joad)

“Em nossa sociedade altamente tecnológica e veloz, o luxo da exploração em câmera lenta do mundo das ideias é único.”

“Viver bem – isto é, seriamente, nobremente, virtuosamente, alegremente, amorosamente – depende da nossa filosofia e da maneira como a aplicamos a tudo o mais. A vida examinada é uma vida melhor, e está ao seu alcance. Experimente Platão, não Prozac!”






Pessoalmente acho que o poder e o alcance da Filosofia são subestimados e subempregados na nossa sociedade e tempo atuais. Talvez parte da responsabilidade por isso seja dos próprios filósofos de outrora e de hoje, ao permitirem (ou ao fazerem com) que o tema se enclausurasse numa redoma de complexidade e debates completamente dispensáveis e indesejados.

Não quero dizer, com isso, entretanto, que a Filosofia seja “a solução de todos os problemas”. Esse é mais um anseio irreal da nossa mente limitada e excessivamente crítica. Nada é capaz de nos proporcionar uma “solução para todos os problemas”. Mas pode sim ser de grande ajuda, bastante orientadora e confortadora, o que já é uma grande dádiva.

Há quem questione e procure relativizar o poder da Filosofia em função do seu caráter estritamente racional, como se a razão fosse uma faculdade menor ou menos capaz do que efetivamente é. O fato é que a razão é, dentre nossos atributos, provavelmente o mais confiável e abrangente. Talvez não seja exagero dizer que a razão é como o leme de um barco, que tem a função de (tentar) manter o rumo em meio às turbulências do mar, dos ventos e de outros elementos. Cabe, portanto, cuidar para ter um leme forte e eficiente.

[Quando se entra nesse tipo de assunto, facilmente vem à tona a questão da fé. "Mas e a fé?", poderia-se perguntar. Acho que esse é outro atributo humano muito poderoso e indispensável, que atua numa outra esfera de abrangência, digamos assim. Ao contrário do que normalmente se costuma sugerir, não creio que a razão seja conflitante com a fé. Pelo contrário, acho que, se bem entendidas, se complementam e se reforçam mutuamente, mas acho também que uma não dispensa a outra.]

O livro vale a leitura, mas, mais do que a leitura, o aprendizado e vivência dos conceitos apresentados.









Nenhum comentário:

Postar um comentário