Breve comentário a respeito do livro
Li recentemente o livro “Mais
Platão, Menos Prozac”, do escritor e filósofo americano Lou Marinoff (Editora
Record, 2007, tradução de Ana Luiza Borges). A obra, muito interessante, trata
de um movimento surgido em 1981, na Alemanha, e atualmente disseminado em
vários países – fazer da Filosofia uma fonte de consulta e de aconselhamento
pessoal para as decisões e questões existenciais da vida.
A ideia central é fazer com que
Filósofos formados atuem como terapeutas no aconselhamento de pessoas que
enfrentam algum tipo de problema ou questão que requeira uma visão mais ampla.
O autor traz à tona também o
problema da banalização dos diagnósticos psiquiátricos e psicológicos, bem como
a muitas vezes ineficiente abordagem dessas ciências, seja por descaso, seja
por não atuarem no ponto que precisa.
A certa altura, por exemplo, ele
cita o impressionante aumento da quantidade de “doenças psiquiátricas”
catalogadas no documento oficial do Conselho americano da área, indicando, sem
sombra de dúvida, como esses diagnósticos tornaram-se corriqueiros nas últimas
décadas, fazendo com que qualquer comportamento um pouco fora do comum fosse
entendido como patológico.
Há que se considerar ainda que a
Psicologia, como ciência, derivou da Filosofia, ou seja, originalmente, os
assuntos hoje tratados pela Psicologia eram temas filosóficos.
O autor não diz que a Psicologia
e a Psiquiatria são desnecessárias ou prejudiciais no tratamento das questões
existências, defende, isto sim, que são áreas distintas, cada uma com uma
abordagem diferente, assim como a Filosofia. Dessa forma, considera que há
casos em que é necessário uma intervenção efetivamente psiquiátrica, outros em
que uma abordagem psicológica pode ser mais eficiente, e vários outros em que a
Filosofia pode ser a solução.
Tentando entender esse ponto de
vista, realmente parece muito lógico que nem sempre um problema que nos aflige,
e foge da capacidade individual de solução, deveria ser levado a um psicólogo.
O autor defende que muitas vezes as pessoas precisam de diálogo, e não de
diagnóstico ou tratamento.
Mas não de um diálogo qualquer,
não de um papo furado, nem de uma mera lição de autoajuda. O que a Filosofia
clínica propõe é colocar os ensinamentos e pensamentos dos maiores filósofos de
todos os tempos a serviço das questões individuais das pessoas. Ajudar a
estruturar o pensamento com base em princípios e fundamentos consistentes e
elaborados, mas não complicados.
O objetivo da abordagem
filosófica não é descobrir o por que mais profundo dos problemas que perturbam
a tranquilidade pessoal, mas sim uma solução eficiente e objetiva para
determinada questão ou situação. O foco é a solução, e não o problema.
Transcrevo, a seguir, alguns
trechos da obra, a título de ilustração e esclarecimento da ideia:
“Filosofia foi, originalmente, um modo de vida, não uma disciplina
acadêmica – algo para ser não apenas estudado, mas também aplicado.”
“O foco do aconselhamento filosófico é o agora – e planejar o futuro –
e não o passado, como em grande parte da psicoterapia tradicional.”
“Algumas pessoas talvez não obtenham ajuda de Platão, assim como outras
não obtêm ajuda do Prozac.”
“Quando Sócrates declarou que a vida não examinada não vale a pena ser
vivida, estava defendendo a avaliação pessoal constante e se esforçando para o
auto aprimoramento como a vocação mais elevada.”
“Descobrimos que nem a ciência, nem a religião, respondem a todas as
nossas perguntas. (...) Cada vez mais pacientes lotam as nossas clínicas e
consultórios queixando-se de um vazio interior, da sensação de uma total falta
de sentido de suas vidas.”
“Acho muito mais saudável viver a vida do que ficar constantemente
desencavando suas raízes. (...) A vida não é uma doença. Não se pode mudar o
passado. O aconselhamento filosófico parte daí para ajudar as pessoas a
desenvolverem uma maneira produtiva de olhar o mundo, e, portanto, um plano
abrangente de como agir no dia-a-dia.”
“Os filósofos sempre foram observadores da natureza humana, o que
parece a descrição da tarefa do psicólogo. Qualquer filosofia da humanidade
seria incompleta sem o insight psicológico. Também a psicologia falha quando é
destituída do insight filosófico, e os dois campos empobreceram ao se
bifurcarem.”
“A Psicologia nunca revelará por inteiro a complexa tapeçaria da
natureza humana.”
“Abraham Maslow assinalou muito bem que, se a única ferramenta em sua
caixa de ferramentas é um martelo, uma porção de coisas começa a parecer
pregos.”
“Se o seu problema é de identidade, valores ou ética, a pior opção será
deixar alguém reificar uma doença mental e escrever uma receita. Não existe
comprimido que faça você se encontrar, alcançar suas metas ou fazer a coisa
certa.”
“O cerne da questão filosófica mais profunda é: ‘quem sou eu?’.”
“’Psicoterapia’ vem de duas palavras gregas que não tem nada a ver com
medicina: therapeuein significa ‘dar atenção a’ alguma coisa, enquanto psikhé
significa ‘alma’. Psicoterapia, então, pode significar prestar atenção à sua
alma.”
“Se quiser resolver um problema filosófico, procure ajuda filosófica.”
“A filosofia antiga propunha à humanidade uma arte de viver. Em
comparação, a filosofia moderna aparece, acima de tudo, como a construção de um
jargão técnico reservado e especialista.”
“Se os indivíduos levam vidas boas, a sociedade também será boa: sem
conflitos, decente, produtiva.”
“Devolver a importância da introspecção filosófica às pessoas comuns é
a força motora do aconselhamento filosófico.”
“A sua mente, como distinta do seu cérebro, apresenta perguntas,
dúvidas, informação falsa, interpretações duvidosas e inconsistências – mas não
doença. A doença é um problema físico.”
“No aconselhamento filosófico é importante ter em mente que a nossa
percepção do momento é apenas uma maneira de ver as coisas, e que quanto mais
perspectivas investigarmos, melhor será nossa compreensão.”
“Mesmo que você não queira continuar até o infinito, esse tipo de
aperfeiçoamento constante é um método útil para a sua filosofia de vida
pessoal.”
“Como Leibniz escreveu, tudo acontece por uma razão. Se você quer
exercer certo controle sobre o que está acontecendo, tem que entender a razão
que está por trás.”
“Como a maioria dos meus pacientes, procurava alguém que pudesse
ajudá-lo a articular a sua visão de mundo (isto é, a sua filosofia pessoal) e
examinar suas escolhas para se certificar de que suas ações eram coerentes com
suas convicções e valores. Essa tarefa nem sempre é simples como parece.”
“Se sempre acontece de você se voltar para o exterior querendo agradar
a outra pessoa, certamente você perdeu o seu plano de vida.” (Epictetus)
“Como conselheiro filosófico, minha responsabilidade é ajudar os meus
clientes a atingirem a auto-suficiência filosófica, não a dependência.”
“... para mim, nenhuma sorte parecia favorável, a menos que deixasse
tempo ocioso que pudesse ser dedicado à filosofia, que nenhuma vida era feliz,
a não ser que fosse vivida na filosofia.” (Agostinho)
“O pensamento hindu tradicional traça quatro estágios de vida: o
estágio do estudante, do chefe de família, do afastamento dos assuntos mundanos
e do total desligamento da rivalidade mundana. (...) A nossa cultura procura
alguns outros marcos – casamento, nascimento dos filhos – mas, depois, só
existe a estrada.”
“Os seres humanos são fantásticos em propor questões que não podem ser
respondidas, mesmo quando descobrimos cada vez mais sobre o universo e como ele
funciona.”
“‘Tudo é vaidade, e uma luta pelo vento’. Pensar que você sabe
exatamente o que está fazendo é uma forma de vaidade; saber que não sabe, mas
achar que deveria saber, é outra.”
“Os artistas frequentemente tem um tipo de fé em si mesmos da qual
todos poderíamos nos beneficiar, a coragem de navegar orientados por suas
próprias estrelas. A resposta para ‘o que eu deveria estar fazendo?’ geralmente
surge de dentro da própria pessoa, não de fora.”
“Nada contribui tanto para tranquilizar a mente quanto um propósito
estável – um ponto sobre o qual a alma possa fixar o seu olhar intelectual.” (Mary
Wollstonecraft)
“Propósito é um objeto ou fim último a ser alcançado. É uma meta.
Significado tem relação com a maneira como você entende sua vida em uma base
contínua. (...) O seu propósito pode ser simplesmente explorar, e você pode
atribuir um significado a tudo o que encontrar na viagem. Significado e
propósito dependem muito de você. As coisas simples podem ser muito
significativas.”
“Segure firme o tempo! Vigie-o, vele por ele, cada hora, cada minuto!
Se não prestar atenção, ele escapa... Que cada momento seja sagrado. Dê a cada
um clareza e significado, a cada um o peso da sua consciência, a cada um a sua
verdadeira e devida realização.” (Thomas Mann)
“Uma grande coisa pode ser simplesmente a soma de pequenas coisas. Uma
vida com propósito é construída passo a passo. (...) Pode-se fabricar uma vida
expressiva para si mesmo, mas em pequenos fragmentos que devem ser reunidos
gradativamente. Não espere que forças externas ajam por você, pois esse dia
talvez nunca chegue.”
“Mesmo em condições consideradas puramente biológicas, como o câncer,
foi demonstrado que o tratamento eficaz baseia-se não somente na medicina, mas
também na atitude. A sua atitude em relação à vida e a sua disposição – a sua
filosofia- podem influir no resultado da batalha.”
“A experiência com a natureza ajuda a reanimar a própria vida, uma das
melhores maneiras de encontrar sentido e propósito.”
A maneira mais segura de neutralizar os sentimentos de vazio em sua
vida é ajudar outra pessoa. Isso lhe dá um sentido e um propósito que não pode
rejeitar. Pode ajuda-lo a ver oportunidades em sua vida para as quais estava
cego, e lidar com o mundo do outro ajuda você a escapar do cativeiro do seu
próprio mundo. Sentir que a vida não tem sentido é, de certa forma, um luxo.”
“A sua última opção quando luta com a falta de sentido e a falta de
propósito é resistir bravamente: trinque os dentes e aguente.”
“O que é inevitável, disse ele, não deveria ser excessivamente
lamentado.”
“O primeiro passo ao criar a sua própria disposição filosófica em
relação à morte , à perda e ao luto é valorizar a vida. Viver o momento é a
melhor maneira de fazer isso. (...) Goste de estar vivo neste exato momento e
lastimará menos quando se esgotarem os seus momentos.”
“O passo seguinte na preparação de sua própria disposição é
reconsiderar suas crenças em relação à vida e à morte. Use a imaginação e
pergunte a si mesmo; ‘onde eu estava antes de nascer?’.”
“Você mesmo deve fazer o esforço. Os Budas podem apenas apontar o
caminho. Aqueles que iniciaram o caminho e se tornaram meditativos estão livres
dos grilhões do sofrimento... As pessoas se confundem com os anseios, girando
em círculos como uma lebre capturada numa rede... elas sofrem por muito tempo.”
(Buda)
“Pensar sobre a própria morte é quase abstrato: você pode sentir a
morte de alguém, mas não a sua própria. (...) É impossível imaginar a i mesmo
como inexistente, justamente porque tentar imaginar já implica que você existe.
(...) É natural pensar mais sobre a própria mortalidade quando se envelhece,
embora algumas pessoas nunca o façam.”
“Levar uma vida decente, amar e ser amado, experimentar o que a vida
tem a oferecer, e ter, de alguma maneira, importância para alguém é tudo o que
se pode esperar.”
“Embora a vida termine com a morte, não apaga o tempo vivido. (...)
Essa é uma maneira de conceitualizar o sentido duradouro e o impacto de sua
vida no mundo, sem recorrer à crença em uma alma que existe além dos limites
físicos do corpo.”
“Covardes morrem mil vezes antes de suas mortes; o valente só
experimenta a morte uma vez. De todos prodígios de que tive conhecimento, o que
me parece mais estranho é os homens terem medo; perceber que a morte, um fim
necessário, chegará quando chegar.” (William Shakespeare)
“As pessoas atormentadas por um pesar perpétuo por causa da morte de um
ente querido são atormentadas por seu apego, não por seu amor.”
“A maioria de nós, em um momento ou outro, é impelida, mesmo que o
impulso seja breve, ajudar a resolver os problemas da sociedade, e a maioria de
nós sabe, no fundo do coração, que é nossa responsabilidade deixar o mundo um
pouco melhor do que o encontramos.” (Cyril Joad)
“Em nossa sociedade altamente tecnológica e veloz, o luxo da exploração
em câmera lenta do mundo das ideias é único.”
“Viver bem – isto é, seriamente, nobremente, virtuosamente,
alegremente, amorosamente – depende da nossa filosofia e da maneira como a
aplicamos a tudo o mais. A vida examinada é uma vida melhor, e está ao seu alcance.
Experimente Platão, não Prozac!”
Pessoalmente acho que o poder e o
alcance da Filosofia são subestimados e subempregados na nossa sociedade e tempo atuais. Talvez parte da responsabilidade por isso seja dos próprios
filósofos de outrora e de hoje, ao permitirem (ou ao fazerem com) que o tema
se enclausurasse numa redoma de complexidade e debates completamente dispensáveis
e indesejados.
Não quero dizer, com isso, entretanto,
que a Filosofia seja “a solução de todos os problemas”. Esse é mais um anseio
irreal da nossa mente limitada e excessivamente crítica. Nada é capaz de nos
proporcionar uma “solução para todos os problemas”. Mas pode sim ser de grande
ajuda, bastante orientadora e confortadora, o que já é uma grande dádiva.
Há quem questione e procure
relativizar o poder da Filosofia em função do seu caráter estritamente racional,
como se a razão fosse uma faculdade menor ou menos capaz do que efetivamente é.
O fato é que a razão é, dentre nossos atributos, provavelmente o mais confiável
e abrangente. Talvez não seja exagero dizer que a razão é como o leme de um
barco, que tem a função de (tentar) manter o rumo em meio às turbulências do
mar, dos ventos e de outros elementos. Cabe, portanto, cuidar para ter um leme
forte e eficiente.
[Quando se entra nesse tipo de assunto, facilmente vem à tona a questão da fé. "Mas e a fé?", poderia-se perguntar. Acho que esse é outro atributo humano muito poderoso e indispensável, que atua numa outra esfera de abrangência, digamos assim. Ao contrário do que normalmente se costuma sugerir, não creio que a razão seja conflitante com a fé. Pelo contrário, acho que, se bem entendidas, se complementam e se reforçam mutuamente, mas acho também que uma não dispensa a outra.]
O livro vale a leitura, mas, mais
do que a leitura, o aprendizado e vivência dos conceitos apresentados.