Circunavegação da
Ilha Grande em caiaque oceânico
(mais um capítulo da
série “seis dias sem ver carro”)
- Em parceria com
Felipe Amante –
A
ideia de fazer uma expedição de caiaque na região de Angra dos Reis e Ilha
Grande, no estado do Rio de Janeiro, estava guardada na gaveta há algum tempo,
semeada por “ouvir falar” que aquele é um local privilegiado para navegação, em
particular pelas belezas naturais marítimas.
No reservado
mundo da canoagem oceânica, a volta da Ilha Grande é considerada uma remada
clássica, por reunir características como trechos de mar abrigado e mar aberto,
ter uma distância que a coloca num patamar um tanto desafiante do ponto de
vista físico e, naturalmente, pelas belezas naturais que oferece aos
navegantes.
Há alguns
meses o amigo Felipe Amante, de São Paulo, entusiasmou-se pelo conceito do
caiaque oceânico e resolveu comprar um bilhete de entrada nesse mundo, no formato
de um barco idêntico ao que possuo – o modelo Kayapó, da marca Ygará, muito bem construído pelo Mauro Beviláqua, de Piedade-SP. Daí a começarmos a pensar e
planejar uma expedição para pôr os barquinhos na água foi um pulo.
As conversas
iniciais giraram em torno de fazer a volta da Ilhabela, no litoral de São
Paulo, mas o amadurecimento da ideia nos levou mais para o norte, para a
paradisíaca Angra dos Reis. A família do Felipe possui uma casa na região, e,
em função disso, há alguns anos ele frequentou assiduamente o mar local e suas
reentrâncias e segredos, a bordo de barcos a motor seus e de amigos. Por isso,
para ele essa remada teve um gosto todo especial de rever locais e reviver
lembranças dessa época passada.
Mapa geral.
Cada cor representa um dia de expedição.
Pensando em
aproveitar a localização privilegiada da casa, situada à beira mar a alguns
quilômetros do centro de Angra, previmos sair de lá, ainda que isso aumentasse
consideravelmente a distância a ser percorrida até a ilha, em comparação com
outras opções no continente que nos deixariam mais próximos.
Planejamos
fazer a travessia da casa para a Ilha em um dia, fazer a circunavegação em
quatro dias e depois mais um dia para retornar ao ponto de partida.
De acordo com o que lêramos a respeito e baseados na experiência que tínhamos desse tipo de remada, estávamos um tanto apreensivos com o trecho que teríamos que percorrer do lado de fora da ilha, praticamente em mar aberto. Quais seriam as condições do mar? Como estaria o vento? Como seriam as praias nas quais planejávamos desembarcar? Como é natural nessas situações, havia muitas dúvidas e receios. Para lidar com essas incertezas, confiávamos no planejamento que fizéramos e na nossa incipiente capacidade marítima de lidar com os elementos que se apresentassem.
De acordo com o que lêramos a respeito e baseados na experiência que tínhamos desse tipo de remada, estávamos um tanto apreensivos com o trecho que teríamos que percorrer do lado de fora da ilha, praticamente em mar aberto. Quais seriam as condições do mar? Como estaria o vento? Como seriam as praias nas quais planejávamos desembarcar? Como é natural nessas situações, havia muitas dúvidas e receios. Para lidar com essas incertezas, confiávamos no planejamento que fizéramos e na nossa incipiente capacidade marítima de lidar com os elementos que se apresentassem.
Um fator
determinante nesse tipo de expedição é a condição meteorológica do momento. Por
isso buscamos monitorar de perto a previsão do tempo para os próximos dias, que
felizmente era a melhor possível – tempo seco e com vento de moderado a fraco.
Apesar disso, poucos dias antes da nossa partida havia notícias de que o mar
havia estado de ressaca, o que podia causar reflexos nos dias seguintes,
incluindo os primeiros do nosso cronograma.
Depois de dois
dias de estrada, desde Curitiba (para mim), e uma trabalhosa preparação do
material, equipamentos e itens de alimentação, finalmente estávamos prontos
para partir na manhã do dia 3 de setembro, um domingo.
1º dia: da Enseada do Ariró à vila de Araçatiba (Ilha Grande) - 29 km
Acordamos
cedo pra fechar a sempre um pouco trabalhosa arrumação final da bagagem e, com
isso, tentar sair tão cedo quanto possível. Os caiaques Kayapó possuem dois
compartimentos de carga, um na proa e outro na popa, e apesar de serem espaços
onde cabe muita coisa, há que se ter o cuidado de não levar coisa de mais (nem
de menos).
Levávamos equipamento de camping, algumas roupas leves, alguns itens eletrônicos, alimentação e água para pelo menos uns quatro dias sem reabastecimento e o material próprio do caiaque (colete, remos principal e reserva, saia de neoprene, bomba d’água, etc.). Por mais que se procure simplificar, quando se vê, é um monte de coisa!
Levávamos equipamento de camping, algumas roupas leves, alguns itens eletrônicos, alimentação e água para pelo menos uns quatro dias sem reabastecimento e o material próprio do caiaque (colete, remos principal e reserva, saia de neoprene, bomba d’água, etc.). Por mais que se procure simplificar, quando se vê, é um monte de coisa!
Por
volta de oito e meia da manhã conseguimos colocar os barcos na água. O
Domingos, primo do Felipe, que ficaria na casa, nos desejou boa sorte, e, sem
muita cerimônia, demos início ao nosso “passeio”.
O
Felipe havia feito a maior propaganda de que esse primeiro dia seria em águas
super abrigadas, de mar muito calmo, em função da geografia local. Mas dez
minutos depois que partimos, não foi bem o que encontramos. O fato é que desde
a madrugada um forte vento soprava na região. Cheguei a acordar algumas vezes
com o barulho das folhagens e do telhado sendo açoitados pelo vento. O mar
estava bem mexido, com ondulações bem nítidas e o tal vento bem forte,
contrário à nossa direção. Logo entramos no modo “ataque”, meio que brigando
com as condições, levando espirros de água na cara, o barco pulando feito um
cabrito e sem condições nem pra conversar entre a gente, em função da demanda
de atenção pra manter o barco no rumo.
Essas
“boas vindas” nos deram um susto! “Caramba! Se aqui já está assim, imagina lá
fora!”, pensamos. Mas cerca de uma hora depois o vento diminuiu um pouco, e as
coisas foram tomando um ar mais civilizado. Passamos pela Ilha da Gipóia,
importante ponto de referência naquela pernada, marcando cerca de 14 km
remados, praticamente metade do caminho do dia. A partir dali havia mais uns 15
km com apenas uma pequena ilha no meio. Remamos então com aquela
sensação de nos sentirmos entrando num ambiente muito amplo e muito indiferente
às nossas limitações específicas, ou seja, é um contexto que causa certa apreensão.
A
Ilha Grande, inicialmente um contorno no horizonte, aos poucos foi crescendo no
nosso campo de visão, e por volta das duas e meia da tarde chegávamos ao
destino do dia, o vilarejo de Araçatiba. Uma prainha tranquila nos aguardava,
mas com algumas ondas quebrando marotamente, o que sempre exige atenção
no desembarque. Pusemos os pés em terra firme muito satisfeitos em termos
concluído essa primeira pernada com êxito. Vencer essa inércia da partida é
sempre muito bom.
Puxamos
os barcos pra debaixo de uma árvore, achamos uma pousadinha próxima do local
onde desembarcamos, demos uma atenção à manutenção do material, banho e, já no
meio da tarde, saímos pra dar uma caminhada no vilarejo, pra relaxar um pouco e
achar alguma coisa pra comer. Um belo pôr do sol fechou com chave de ouro o dia
cansativo, mas muito gratificante, que tivemos.
Catamarã ancorado numa das ilhas do caminho.
Lindo barco!
Apreciar os barcos que passavam era um prazer
Vilarejo de Araçatiba
Capelinha no vilarejo de Araçatiba, sob uma bela luz de fim de tarde
Pousada em que ficamos nesse dia. Categoria "simples" (...)
Pôr do sol no vilarejo de Araçatiba
2º dia: de Araçatiba à vila de Saco do Céu - 23 km
Nesse
segundo dia daríamos início à volta à Ilha propriamente dita, seguindo no
sentido horário. Nessa pernada ainda estaríamos pelo lado de dentro da Ilha, ou
seja, no mar abrigado pela própria ilha à direita do nosso deslocamento.
Cumprido
o ritual de despertar, tomar café da manhã e reembarcar todo o material,
colocamos os remos n’água por volta das nove horas da manhã. O tempo continuava
fantasticamente aberto, com um maravilhoso céu azul e sol bem forte já cedo.
O
mar estava bem tranquilo, com leves ondulações. Em compensação, os braços e
costas sentiam o esforço do dia anterior. Pouco depois da partida o Felipe
ficou desconfiado de que havia algo atrapalhando o deslocamento do barco, como
se houvesse embarcado mais peso do que havia anteriormente ou se o barco
estivesse fazendo água. Mas era apenas uma “ilusão de sensações”, muito
parecida com aquela impressão que às vezes temos na bike de que “o freio deve
estar pegando nessa roda...”. Passados
alguns minutos, a musculatura foi se aquecendo e o ritmo encaixando.
Passamos
por belas paisagens, como a cinematográfica Lagoa Azul, de águas
verde-transparentes, infelizmente pouco suscetíveis de serem capturadas em
fotografia.
Em outros trechos remamos num mar bem amplo e incrivelmente azul, tendo alguns navios petrolíferos gigantescos a destoar da paisagem ao longe.
A água verde-transparente da Lagoa Azul
Em outros trechos remamos num mar bem amplo e incrivelmente azul, tendo alguns navios petrolíferos gigantescos a destoar da paisagem ao longe.
Por
volta de meio dia e meia estávamos na altura da entrada do Saco do Céu, uma
enseada totalmente abrigada onde pretendíamos passar a noite. O local é
realmente espetacular. O mar parece uma piscina e a sensação de tranquilidade
está no ar. Fomos remando devagarzinho até o fundo da enseada, onde o Felipe
conhecia uma pousada. Foi a chegada mais suave de toda a viagem. Encostamos a
proa na areia e desembarcamos como se estivéssemos vindo dali do lado.
A
pousada era um local super aconchegante e arrumado. Levamos o resto do dia a
relaxar sob o sol e a curtir o raro momento em que tudo parecia estar do jeito
que deveria, não, porém, sem uma pontinha de preocupação com o que estava por
vir.
A pousada Coqueiro Verde, no Saco do Céu
O
final de tarde foi novamente enternecedor, ainda que sem o pôr do sol do dia
anterior, em função dos morros em volta e da posição da enseada. Dormimos sob
um silêncio quase absoluto, o que é um luxo dos que mais aprecio.
3º dia: do Saco do Céu à Praia de Lopes Mendes - 25 km
A
pernada desse dia envolvia contornar a ponta norte da Ilha em direção ao mar
aberto. Já havíamos ouvido falar que essa ponta, do farol de Castelhanos, era
provavelmente o trecho mais desafiador (e perigoso) da volta à Ilha.
Saímos
um pouco mais tarde do que desejávamos, às nove e quarenta da manhã, em função
das arrumações inerentes ao começo do dia. O tempo continuava aberto e firme,
dando ânimo pra seguir em frente.
Cerca
de uma hora depois de partirmos, passamos em frente à vila do Abraão, a maior da
Ilha, e, por esse motivo, rota de muitas embarcações saindo e chegando ao local.
Tínhamos pensado em fazer uma parada ali, pra conhecer o vilarejo e
eventualmente comprar algum item de alimentação, já que na parte de fora da
ilha, para onde estávamos indo, não havia qualquer tipo de comércio.
Entretanto, em função do adiantado da hora e por opção resolvemos não fazer
essa parada.
Pouco
depois alcançamos a primeira ponta (desse contorno que tínhamos que fazer) que nos
deu bastante trabalho e nível elevado de apreensão. O mar estava bastante
grande e mexido. Os caiaques subiam e desciam as ondulações como se estivessem
num tobogã. Ainda que nessas condições os Kayapó mostrem a excelência de seu
projeto hidrodinâmico e qualidade de construção, é sempre complicado atravessar
essas pancadarias.
Tivemos
um pequeno refresco quando alcançamos a encosta levemente protegida da pequena
Ilha das Palmas, mais ou menos em frente (ainda que distante cerca de 2 km) da
Praia de Palmas, onde havíamos pensado em fazer uma parada para descanso. No entanto,
achamos que não valeria a pena remar esses 2 km até a praia e depois ter que
retornar essa mesma distância para seguir nosso caminho, além do que a situação
não estava confortável. A rigor, achamos que se entrássemos em direção à praia,
corríamos o risco de não conseguir voltar, tal era a adversidade do mar local.
Decidimos então tocar em frente.
O
que se seguiu foi efetivamente o ponto crítico do dia (e também seria da remada
como um todo). A situação na ponta do farol de Castelhanos era nada menos do
que assustadora! Seguindo em direção ao mar aberto, com ondulações gigantescas
crescendo na nossa frente, confesso que considerei seriamente que não havia sido “uma
boa ideia” o que nos propusemos a fazer. Apesar disso, fomos tocando aos poucos,
e também aos poucos a situação foi se agravando e se tornando complexamente
tensa.
Já
no “olho do furacão”, mais pra lá do que pra cá da ponta, estávamos naquela
situação em que não havia muitas alternativas a não ser seguir em frente.
Voltar podia ser ainda mais complicado, em função da direção das ondulações e
do vento. Sentiamo-nos como se estivéssemos numa máquina de lavar roupa
gigantesca. O mar batia de todos os lados.
Intimamente procurei fazer uma análise "distanciada" da situação, no sentido de "relativizar" a sensação de stress que estava nos pressionando. Estava meio estranho mesmo, mas se as coisas não se complicassem ainda mais e se continuássemos remando na direção prevista, eram bem grande as chances de tudo acabar bem.
Às vezes vejo esse tipo de preocupação que nos assalta nessas horas como um excesso da nossa querida mente. Tenho até uma imagem caricatural de uma mesa de reunião em torno da qual se reúne a "diretoria de uma empresa", sendo a mente "um dos diretores" frequentemente mais ansiosos e chatos... Nessas horas sempre preciso intervir, abraçar a mente pelo ombro, e dizer-lhe: "Fique tranquila. Tudo vai dar certo. Deixa que eu cuido disso." Costuma funcionar bem [risos].
O lado bom da encrenca era o comportamento excelente dos barcos, sendo açoitados de todos os lados e ainda assim mantendo-se firmes e estáveis no rumo. O lado ruim é que fomos cansando, o vento foi aumentando e o nosso rendimento foi caindo vertiginosamente.
Em determinado ponto percebi que praticamente não estávamos saindo do lugar. Falei com o Felipe que precisávamos fazer alguma coisa pra mudar o ritmo, ou podíamos nos enrolar com aquela situação. Fizemos uma rápida parada para hidratar e comer alguma coisa, muito apesar do desconforto do momento. Com isso conseguimos reunir um restinho de força pra sair da zona da pauleira e alcançar a tão sonhada região abrigada da Praia de Lopes Mendes.
Intimamente procurei fazer uma análise "distanciada" da situação, no sentido de "relativizar" a sensação de stress que estava nos pressionando. Estava meio estranho mesmo, mas se as coisas não se complicassem ainda mais e se continuássemos remando na direção prevista, eram bem grande as chances de tudo acabar bem.
Às vezes vejo esse tipo de preocupação que nos assalta nessas horas como um excesso da nossa querida mente. Tenho até uma imagem caricatural de uma mesa de reunião em torno da qual se reúne a "diretoria de uma empresa", sendo a mente "um dos diretores" frequentemente mais ansiosos e chatos... Nessas horas sempre preciso intervir, abraçar a mente pelo ombro, e dizer-lhe: "Fique tranquila. Tudo vai dar certo. Deixa que eu cuido disso." Costuma funcionar bem [risos].
O lado bom da encrenca era o comportamento excelente dos barcos, sendo açoitados de todos os lados e ainda assim mantendo-se firmes e estáveis no rumo. O lado ruim é que fomos cansando, o vento foi aumentando e o nosso rendimento foi caindo vertiginosamente.
Em determinado ponto percebi que praticamente não estávamos saindo do lugar. Falei com o Felipe que precisávamos fazer alguma coisa pra mudar o ritmo, ou podíamos nos enrolar com aquela situação. Fizemos uma rápida parada para hidratar e comer alguma coisa, muito apesar do desconforto do momento. Com isso conseguimos reunir um restinho de força pra sair da zona da pauleira e alcançar a tão sonhada região abrigada da Praia de Lopes Mendes.
Foi
como chegar a um oásis. Aos poucos vimo-nos novamente em segurança, ainda que
literalmente extenuados. Chegamos à praia e desembarcamos quase sem acreditar
na surra que havíamos tomado. Levamos alguns minutos jogados na areia até
conseguir recobrar um pouco a energia.
Lopes
Mendes é uma praia completamente deserta e de difícil acesso. É também
belíssima. Havia apenas uma casa num dos cantos, onde havia indícios de que
havia morador, mas não tinha ninguém naquela hora. Já haviam nos informado que
não era permitido pernoitar naquela praia, mas nas condições em que nos
encontrávamos, não havia a menor chance de seguir até a próxima.
Levamos
as poucas horas até o cair da tarde dando uma organizada nas coisas, tomando um
banho clandestino num chuveiro do lado de fora da tal casa, fazendo um pequeno
lanche e pensando se teríamos forças para prosseguir no dia seguinte.
Pouco
antes das seis da tarde aparece uma moça caminhando na praia, com uma
mochilinha de hidratação nas costas, GPS na mão, pés descalços e uma camisa com
a identificação de algum órgão desses de “fiscalização da natureza”. Foi até o
final da praia, clicou a posição no aparelhinho e veio falar conosco.
-
Oi, vocês vão dormir aqui?... Pode ser sincero...
Pensei
em dizer a ela que “não, imagina... o nosso helicóptero particular já já vem
nos pegar...”, mas deixei passar a oportunidade da brincadeira. O Felipe foi o
interlocutor:
-
É que estamos de caiaque, e estamos bem cansados, e não vai ter outro jeito,
né?...
-
Ah, sim, tudo bem... Nesses casos a gente abre uma exceção... Só não pode
montar barraca, tá?
Fizemos
um “ãhaaan” como quem diz “ah, sim, pode deixar...”.
Acho
incrível essa política do “não pode”! Incrível também como que num fim de mundo
daquele, longe de tudo, me aparece uma fiscal pra ver se está tudo certo com o
paraíso local, e pra checar se não há “invasores”! Quem nos dera fôssemos
eficientes assim na fiscalização de outras coisas mais importantes para o nosso
país.
Tão
logo a nossa amiga sumiu no meio do mato, montamos nossas barracas, fizemos
nosso jantar e em seguida nos recolhemos ao aconchego da nossa pequena casa,
curtindo demais aquela sensação de estar num lugar sem ninguém por perto e
absolutamente maravilhoso.
Pra completar, fez um final de tarde dos mais belos de que me lembro. Absolutamente magnífico!
Dormimos embalados pelo barulhinho das ondas, pelo cansaço extremo do dia, pela indefectível preocupação com o(s) dia(s) seguinte(s) e, por que não dizer, com a gostosa sensação da “transgressão calculada”, ao não atender à enigmática proibição de montar barraca naquele belo local.
Pra completar, fez um final de tarde dos mais belos de que me lembro. Absolutamente magnífico!
Dormimos embalados pelo barulhinho das ondas, pelo cansaço extremo do dia, pela indefectível preocupação com o(s) dia(s) seguinte(s) e, por que não dizer, com a gostosa sensação da “transgressão calculada”, ao não atender à enigmática proibição de montar barraca naquele belo local.
4º dia: de Lopes Mendes à praia do Aventureiro - 23 km
A
pernada desse dia seria praticamente toda em mar aberto, e ainda por cima com
um longo trecho de cerca de 10 km sem opção de desembarque ou de refúgio.
Acordamos
cedo com o animador cenário da linda praia e do mar à nossa frente, nas portas de
nossas barracas. Poucos minutos depois, antes das sete horas, a ágil fiscal
apareceu novamente do nada, GPS à mão, correndinho em direção ao final da
praia, onde nos encontrávamos. Fez lá o seu registro de hora e local,
certamente pra comprovar que ela esteve lá, e foi embora sem falar nada
conosco. Sábia atitude, porque não havia mesmo nada a dizer, a não ser, talvez,
um “bom dia”, mas nem isso foi preciso.
Desmontamos
acampamento, sem deixar nenhum vestígio de nossa passagem pelo local (nem mesmo
as marcas das estaquinhas das barracas ficaram na areia...), arrumamos nossas
coisas e prontamente estávamos em condições de partir.
Os
primeiros 8 km foram ainda na região um tanto abrigada da praia onde passamos a
noite, mas em seguida veio o longo costão de pedra que nos levaria, 10 km à
frente, à próxima praia. Entramos nesse trecho como “gatos escaldados”,
estranhando o mar aparentemente calmo e tentando prever quando ia começar a
pancadaria.
O
mar civilizado não durou muito. Cumprido mais ou menos um terço desse trecho
mais desabrigado, começaram as ondulações desencontradas, o vento contra e
aquele aspecto de adversidade do dia anterior. A diferença é que naquele
momento estávamos ainda descansados, e com isso enfrentamos o “rock’n’roll” com
um pouco mais de domínio e confiança.
Há
que destacar que, a par das dificuldades inerentes àquele tipo de contexto, a
beleza em volta era simplesmente espetacular. Um grande mar aberto a leste, um
grande paredão rochoso a oeste, um grande céu azul por cima, um grande mar
revolto por baixo! Estávamos literalmente envoltos por uma autêntica e
espetacular natureza.
Saímos
da zona de mar grande ao alcançar a pequena enseada da Praia de Parnaioca, onde
fizemos uma parada estratégica para descanso. No local havia umas cinco lanchas
rápidas, que haviam passado por nós poucos minutos antes, levando turistas para
uma volta à Ilha em algumas horas. Puxamos conversa com um dos pilotos, que nos disse que havia ficado surpreso com o mar
grande que haviam pegado para chegar até ali, afirmando que estava mais difícil
do que de costume, e que ele teve que ficar meio que se justificando com os
clientes, que faziam caras de não estar gostando muito da “bateção”. Mas disse
também que não havia nenhum alerta de vento mais forte ou virada de tempo para
os próximos dias, o que foi tranquilizador para nós.
Prosseguimos
e em mais alguns minutos estávamos na região das Praias do Leste, do Sul e, em
seguida, do Aventureiro, nosso destino do dia. Esse último trecho foi mais
tranquilo em termos de “agito” do mar, certamente em função da geografia local
(começamos a entender na prática que costões de pedra deixavam o mar agitado,
enquanto praias têm a tendência de suavizar a superfície).
Chegamos
à Praia do Aventureiro no começo da tarde. Havia lá um pequeno vilarejo.
Desembarcamos sem sustos e, averiguando com os moradores locais, descobrimos
que havia um camping bem próximo. Pronto, poderíamos acampar “legalmente” dessa
vez.
A
senhorinha dona do bar e do camping em que ficamos foi bem prestativa, em que
pese as condições bastante simples (pra não dizer “desleixadas”...) das suas
instalações. Achei engraçado que, quando perguntamos a ela se havia algum lugar
em que poderíamos comprar alguma coisa para comer, ela respondeu:
-
“Aqui você não vai encontrar nada de comida não, meu filho. Aqui só tem é
bebida!” (referindo-se certamente à bebida do tipo “cerveja”).
Interessante
essa “cultura” da cerveja no nosso país... Pode não ter comida, mas a tal da
cerveja não falta.
O coqueiro em "L" da praia do Aventureiro
Às
seis e pouco, logo após o cair da noite e de um fim de tarde sem grandes cores
no céu, despontou no horizonte um outro espetáculo da natureza: a lua
cheia completamente alaranjada, como se fosse um sol.
Aproveitando a oportunidade, fizemos uma caminhada de uns vinte minutos até uma ponta de pedra na saída da praia, onde subimos a um mirante e tivemos uma das mais fantásticas vistas que já vi (infelizmente incapturável em fotografia).
Permitimo-nos cerca de meia hora de contemplação daquela paisagem incrivelmente bonita e depois retornamos para a merecida e altamente desejada noite de sono em nossas barracas.
A lua alaranjada!
Aproveitando a oportunidade, fizemos uma caminhada de uns vinte minutos até uma ponta de pedra na saída da praia, onde subimos a um mirante e tivemos uma das mais fantásticas vistas que já vi (infelizmente incapturável em fotografia).
Pode parecer o pôr do sol, mas é o nascer da lua!
Permitimo-nos cerca de meia hora de contemplação daquela paisagem incrivelmente bonita e depois retornamos para a merecida e altamente desejada noite de sono em nossas barracas.
5º dia do Aventureiro de volta à vila de Araçatiba - 20 km
A
pernada desse dia, uma vez concluída, nos levaria de volta ao vilarejo de
Araçatiba e, consequentemente, a completar a circunevagação da Ilha. Mas antes
tínhamos mais um trecho que prometia ser difícil – a ponta do Draco, uma
proeminência de pedra a se destacar no contorno da Ilha.
O camping na praia do Aventureiro,
no amanhecer do quinto dia
O
dia amanheceu com uma cara diferente dos anteriores. No lugar dos já
costumeiros sol e céu azul, havia uma espessa neblina deixando tudo com um ar
meio misterioso e quieto. Enquanto preparávamos o café da manhã chegou a cair
uns pingos de chuva. Que efeito tais condições teriam no nosso amigo mar?
(Cachorrinho carente de atenção...)
Preparamos
tudo e às nove e quinze estávamos deslizando praia a fora, ainda sob um céu
cinzento e pouco convidativo. O mar, entretanto, parecia calmo, o que era muito
bom.
Pouco
depois de sairmos da praia já estávamos expostos ao mar aberto e ao enorme
costão de pedra à nossa direita. Fomos remando, curtindo a paisagem, de olho
nas condições do mar, pensando na vida e quando vimos já estávamos na tal ponta
do Draco – uma bonita formação rochosa que impressionava por sua grandeza e
formato. Ali o mar estava mexido, mas administrável (ou será que nós é que
estávamos nos acostumando com a brincadeira?...).
Ilha dos Meros
Contornamos
a ponta e à nossa direita apareceu a Praia dos Meros, possível ponto de refúgio
e/ou descanso. Como estávamos bem encaixados no ritmo e ainda descansados,
resolvemos passar direto, sem parar. Mais um pouco e apareceu um pouco mais
longe a Praia de Provetá, outro possível ponto de parada para descanso, mas
também não seguimos para lá, pois achamos melhor aproveitar as boas condições
do mar e do vento pra terminar de contornar aquela grande ponta do lado sul da
ilha.
Na
sequência passamos, pela primeira vez na viagem, por trechos de um mar liso
como uma piscina, o que compunha um cenário muito bonito com o horizonte
enevoado ao longe.
Não
demorou até que dobramos a última ponta exposta ao mar aberto e nos vimos de
volta ao lado abrigado da ilha. Dali até alcançar o vilarejo de Araçatiba foi
uma remada tranquila e bastante bonita. Fomos seguindo mais perto da costa,
apreciando a vegetação, as pedras, o barulhinho dos remos na água e imaginando
que, de certa forma, nosso objetivo estava bem próximo de ser alcançado.
Bela prainha "escondida" na encosta.
Tipo do lugar que só se vê a bordo de um caiaque...
Chegamos
ao nosso destino por volta de uma hora da tarde, já com o tempo mais aberto e o
azul de volta ao céu. Havíamos concluído a circunavegação da Ilha. Paramos na
mesma pousada em que havíamos ficado no primeiro dia, desembarcamos todo o
material, lavamos boa parte dos equipamentos, deixamos tudo secando ao sol,
tomamos um bom banho e fomos procurar um lugar pra almoçar e comemorar o êxito
da missão até aquele momento.
Dedicamos
o restante da tarde a descansar e, ao final, apreciar o belo pôr do sol no
horizonte. Restava voltar para o ponto do início no dia seguinte.
Dados da remada desse dia (Garmin Fenix)
(tempo em movimento, fora as paradas)
6º dia: de Araçatiba de volta à Enseada do Ariró (continente) - 27 km
Olhando assim, parece que não vai chegar nunca...
Mas o nosso objetivo do dia estava pra lá daquela tênue linha no horizonte.
O
sexto e último dia da viagem amanheceu com aspecto de tempo aberto e um astral
bom no ar. Era sexta feira do feriadão de 7 de setembro e o mar parecia bem
movimentado de embarcações de todo tipo, em particular as recreativas.
Saímos
no horário de costume, por volta das nove horas. O primeiro trecho de 7,5 km
até a pequena ilha de Emboassica rendeu muito bem, fazendo-nos marcar a melhor
média de velocidade de toda a viagem. Mérito do vento, que naquelas condições
estava nos ajudando.
Mais
7 km e pouco e estávamos na altura da Ilha da Gipóia e suas casas bonitas e
cheias de estilo. A partir dali, curiosamente, o mar começou a ficar mais
mexido e o trânsito de embarcações começou a se tornar um problema. As lanchas
e iates passavam a toda velocidade e aparentemente sem a mínima preocupação em enxergar
o que tinha à frente. A preocupação era procurar ser visto, para evitar um
eventual atropelamento em pleno mar de Angra. Por várias vezes tivemos que
desviar nossa rota ou acenar com os remos para chamar a atenção dos pilotos
distraídos no alto das torres de comando de seus iates.
Aliás, diga-se que o “desfile” de embarcações nessa região é um espetáculo à parte. Cada barco mais bonito do que o outro. Não dá pra deixar de pensar que ao mesmo tempo em que vivemos num país em que só se fala de crise e de escândalos de todo tipo, também há "outro país” que aparentemente não está nem um pouco preocupado com esse enredo de que se fala por aí.
Aliás, diga-se que o “desfile” de embarcações nessa região é um espetáculo à parte. Cada barco mais bonito do que o outro. Não dá pra deixar de pensar que ao mesmo tempo em que vivemos num país em que só se fala de crise e de escândalos de todo tipo, também há "outro país” que aparentemente não está nem um pouco preocupado com esse enredo de que se fala por aí.
Remando,
desviando dos apressados barcos e jet skis e curtindo a grata sensação de estar
chegando, fomos nos aproximando do nosso objetivo, a casa da avó do Felipe, num
cantinho próximo da Ilha de Caieiras.
Às
treze e quinze aportávamos suavemente em frente à casa, sendo recebidos pelo
Domingos, primo do Felipe, com três garrafas de cerveja gelada nas mãos. Muito
embora não seja um apreciador da badalada bebida, não pude me furtar à oportuna
comemoração. Havíamos feito.
Muito bom chegar!
Valeu.
Muito bom chegar!
Valeu.
"Foto oficial" da chegada.
Belo "passeio"...
Dados da remada desse dia (Garmin Fenix)
(tempo em movimento, fora as paradas)
A seguir, algumas fotos feitas na frente da casa da família do Felipe, que nos serviu de base de apoio, na Enseada do Ariró (poderia dizer que é um belo lugar, mas isso é desnecessário, diante das imagens...):
Assista no link abaixo (youtube) um pequeno vídeo
com imagens da viagem:
"A imensidão do mar tornava minúsculos os meus maiores problemas
e gigantes as menores alegrias.
Ensinou-me a dar valor à vida que eu levava
e a pequenas coisas que às vezes passavam despercebidas.
(...) E então pude constatar como tão poucas coisas
eram suficientes para viver em paz e bem."
"Estranhamente não sentia falta de nada.
Aos poucos percebi que entrava em equilíbrio
com o mundo em minha volta.
Um cenário eterno e dinâmico a um só tempo,
exatamente o mesmo que viram os navegadores do passado.
Talvez com igual intensidade de emoção, medo ou alegria.
E a noção de tempo tão exata
a ponto de conhecer os décimos de segundo de cada hora,
ou tão vaga no espaço que séculos nada significariam em transformações."
"Mágica emoção de conhecer um lugar que há pouco tempo
não passava de um ponto isolado no mapa."
trechos de "Cem dias entre céu e mar", de Amyr Klink
Gratidão
Força Sempre
Obs:
1) Meu muito obrigado ao Felipe, não só pela companhia durante esses dias, mas também pelo ânimo em tocar a ideia, pelo apoio em sua casa e pelo companheirismo em todos os momentos. Amizade de valor!
2) Todas as fotos: arquivo pessoal. Utilizei nessa viagem três equipamentos fotográficos: uma câmera compacta da Marca Nikon, modelo Coolpix (à prova d'água, de choque, etc), a câmera super compacta GoPro (para as filmagens) e o drone DJI Mavic (para as fotos aéreas nos finais de tarde).
Parabéns por mais essa linda empreitada. Fico sem palavras para dizer que a narração e as fotos nos coloca onde você esteve. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado. A ideia é essa.
Excluir\o/ Show de remada, Parabéns pelo feito. Realmente Ilha Grande é um dos melhores lugares para se remar no Brasil.
ResponderExcluirValeu, Wilson. Obrigado. Forte abraço.
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