Tiger 900 Rally Pro

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sexta-feira, 31 de março de 2017

Viagem de moto a São Francisco do Sul-SC, 24 e 25 Mar 2017









Pra comemorar os 60 mil km da GS (prestes a se completarem pouco antes da viagem), bolei essa saidinha para o Forte Marechal Luz, em São Francisco do Sul-SC, dentro do conceito de viagem rápida (24 horas ida e volta), com pernoite acampando. 

Saí de casa no meio da tarde da sexta-feira. Os quase 200 km até o forte passaram rápido, com direito a tráfego intenso nas estradas e um pouco de chuva em certos trechos.






A GS completando 60 mil km!!
(Rodando menos do que gostaria, mas já é alguma coisa.)






Ao fazer o check-in no Forte dizendo que queria acampar, o soldado que me recebeu comentou que havia um apartamento disponível para aquela noite, como a dizer: "tem certeza que quer acampar?"... Sim, tinha certeza... Penso que dormir de vez em quando numa barraquinha nos dá aquela sensação de valorizar nossa confortável cama de todo dia, além de ter o seu charme próprio, por assim dizer.

Aproveitei também pra inaugurar minha nova barraca individual - a minipack, da Azteq, com incríveis apenas 2 kg de peso e bastante funcional. Assim que terminei de monta-la a chuva que vinha se anunciando começou a cair com determinação. Me joguei pra dentro, fechei o zíper e curti o aconchego do pequeno espaço sob o tamborilar dos pingos no tecido de nylon da cobertura.

Mais tarde, por volta das dez da noite, fiz um rápido lanche (com logística própria) e, como a chuva havia cessado, saí para uma caminhada na praia. Belo momento... Permiti-me esquecer do tempo e ficar apenas curtindo o murmúrio do mar ali do lado, o cheiro adocicado de alguma planta da mata próxima, o astral de mistério e aconchego da escuridão, eventualmente ao som de algumas das minhas músicas preferidas nos meus fones de ouvido (como a belíssima "The Final Cut, Pink Floyd"). Só essa contemplação já teria valido o esforço da viagem.

Na manhã seguinte, sob as bençãos de um belo dia de sol, saí cedo pra uma corridinha na praia. Belíssimo cenário, temperatura agradável, conforto sonoro (vento e mar...) e paz no coração... e mais 15 km na conta (dei uma quebrada por volta do km 10, mas tudo bem). Na chegada, o privilégio de relaxar com um bom banho de mar e alongamento à sombra de uma árvore próxima.







Corridinha matinal a beira mar






Depois do almoço, cobri a pernada de volta pra casa sem apear da montaria, usufruindo o que a GS tem de melhor nessas situações - posição confortável de pilotar, motociclística envolvente, torque e força de sobra no motor. 

Cada vez que dou essas saidinhas penso a mesma coisa: "deveria fazer mais disso." Mas cada coisa na vida tem sua hora e seu lugar, e cabe a nós enxergar e saber gerenciar isso... Os desafios são sempre os mesmos - desvencilhar-se da rotina, da força atrativa do próprio canto (casa), da expectativa e cobranças da família, do raciocínio "se vai valer a pena o esforço", etc. Sob todos os aspectos é sempre muito bom dar essas escapadas. 




Força Sempre






























































Gratidão







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Um dos canhões em exposição no Forte Marechal Luz




Breve reflexão sobre a questão bélica



Contemplando os canhões expostos no Forte Marechal Luz, que também é um museu militar, me lembrei de um comentário do Dalai Lama - líder espiritual do Tibet - a respeito de uma visita que fizera a um campo de concentração nazista em certo momento de sua vida. Ele disse que se espantou com a elaborada engenharia das instalações desses locais, ressaltando que o que o deixou realmente intrigado foi pensar que muitos profissionais (engenheiros, cientistas, militares) se esforçaram para pensar, planejar e construir espaços como aqueles (as câmaras de gás), feitos com o objetivo claro de eliminar pessoas em massa. 

Guardadas as proporções, talvez o raciocínio se aplique a qualquer instalação, equipamento ou armamento militar de forma geral... Há ali aprofundado estudo, tecnologia, empenho, concentrados em montar uma estrutura voltada, em última instância, para matar pessoas (seja pelos motivos que for).

"Não!... Calma aí! São coisas muito diferentes!" Alguém poderia dizer... Sim, sob certo aspecto (a ideologia por trás) são muito diferentes, mas sob outro (a essência do objetivo), são muito parecidas. 

Pensar a guerra, como qualquer atividade humano, é sempre muito complexo. Certamente os generais, os militares mais radicais e os historiadores de plantão estão repletos de bons argumentos para provar por "A + B" que não temos como prescindir da estrutura militar para garantir nossa liberdade e nossos bens como nação. E provavelmente estão certos. 

Mas acho que o problema é o enfoque. É aquela história, "para quem trabalha com martelo, todo problema parece ser um prego". 

Talvez seja verdade também que o "espírito guerreiro" faz parte da natureza humana. Que os humanos encontram no combate (no sentido estrito) verdadeiro prazer e realização, e que por isso essa vertente teria pra ele tanto valor e "efeito hipnotizador". Não é à toa que muita gente se encanta e se enche de orgulho ao ver uma tropa militar formada, ou marchando, ou cantando suas envolventes canções (os uniformes militares então, exercem sobre certas pessoas verdadeiro fascínio)... É interessante que até mesmo crianças, ainda não introduzidas pro completo na construção de mundo dos adultos, tem esse brilho no olhar pelas coisas da caserna e da guerra. 

Pensar num mundo sem força militar, sem exércitos, sem armamentos, chega a soar ingênuo e "sem noção". Mas, pensando bem, por que não poderia ser assim? 

Acho que essa é a ideia da bela e icônica música "Imagine", John Lennon.

Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz...

É possível mesmo que esse ideal não seja para o nosso atual momento e estágio evolutivo, como seres humanos, já que toda a estrutura do nosso mundo é baseada em posse, em nacionalismo, em defender o que é "nosso", em valores quantificáveis e invejáveis por excelência. 

A guerra em si é apenas "a ponta do iceberg". O problema real é muito maior e mais complexo. Mas quem sabe um dia consigamos mudar essa perspectiva e começar a pensar de uma forma um pouco mais evoluída...



"Não é lamentável que só possamos obter a paz
preparando-nos para a guerra?"
(John Kennedy)


"Os problemas fundamentais que desafiam o mundo de hoje
não são suscetíveis de soluções militares."
(John Kennedy)





domingo, 19 de março de 2017

Viagem de bicicleta nas Serras Catarinenses (3 dias, 230 km) - 6 a 8 Mar 2017








A concepção dessa pequena viagem surgiu da vontade de dar uma pedalada ao estilo "colocar uma mochilinha nas costas e sair pra dar uma volta". Escolhi a região de Urubici, na Serra Catarinense, porque é um local de belas montanhas e ainda tem aquele aspecto de certo isolamento. Além disso, ainda foi possível conectar esse passeio ao relatado no post anterior, sobre o trajeto Curitiba a Urubici com o Troller, por estradas de terra. 

Montei o percurso pensando em fazer três pernadas, saindo e chegando ao mesmo ponto, a Pousada e Refúgio de Montanha Rio Canoas, do amigo Max. 














Dia 1 - Serra do Corvo Branco

Choveu praticamente a noite inteira de domingo pra segunda feira, dia em que pretendia iniciar o giro. Amanheceu ainda chovendo, com o céu bem fechado. 






Partindo...



Levantei e fui arrumando as coisas devagar, de olho no tempo lá fora e nas minhas avaliações a respeito se deveria partir ou não com aquelas condições. Por volta das nove e meia da manhã estava com tudo pronto e a chuva parecia haver diminuído. O Max veio bater um papo e saber o que pretendia fazer. Resolvi partir.


















Os primeiros quilômetros logo após chegar à estrada de terra principal são de uma subida relativamente íngreme, levando ao topo da cênica Serra do Corvo Branco, aquele magnífico e imenso corte na rocha que é a marca registrada do local. Bom pra aquecer e espantar a natural insegurança da partida.





Topo da Serra do Corvo Branco






Descida da Serra




A descida da Serra é um trajeto evidentemente muito bacana, não apenas pelo fato de não requerer grandes esforços ao pedal, mas principalmente pelo belo visual e geografia arrojada. O tempo continuava fechado, o que dava ao ambiente em volta um aspecto de ainda mais isolamento e desolação. 




















Os primeiros vinte quilômetros depois do topo da Serra (dos quais cerca de 15 já se encontram asfaltados) passaram rápido, até a entrada do vilarejo de Aiurê. A partir de lá volta a estrada de terra, que devido a estar com vários trechos em obra, está com aquele aspecto meio bagunçado de máquinas, caminhões e tudo revirado por todo lado. 














Município de Aiurê




Por volta da uma hora da tarde chegava à cidadezinha de Grão Pará, sob forte calor e sem chuva, com aquele típico ritmo de cidade do interior, com os meninos e meninas indo pra escola, pessoas passando sem pressa, poucos carros nas ruas... Fiz um rápido lanche numa padaria local e voltei à estrada.



















A partir de lá a estrada (agora asfaltada) e as coisas em volta foram tomando aquele aspecto convencional de coisas comuns (ou seja, meio sem graça...). Aproveitei pra concentrar na rotação dos pedais e fazer os km passarem.





Quem precisa de Gatorade quando se tem uma melancia dessas? [risos]





Passei pelas cidades de Braço do Norte, São Ludgero e no meio da tarde chegava a Orleans, que havia pensado como uma opção de pernoite naquele dia. Mas resolvi seguir até Lauro Muller, 20 km adiante, no sopé da Serra do dia seguinte, pra acabar de vez com aquele trecho mais chato naquelas estradas movimentadas. 

Cheguei a Lauro Muller no final da tarde, achei um hotelzinho e tirei meu time de campo.

Total do dia: 86,5 km
Média: 19,3 km/h



Dia 2 - Serra do Rio do Rastro

O marco desse segundo dia de pedal seria a subida da bela e desafiante Serra do Rio do Rastro. Acordei, tomei um rápido desjejum no hotel e parti pra estrada. Não estava chovendo, mas também não estava um tempo muito firme.

A subida começa ainda antes de sair da cidade. Bom pra aquecer... Mas a Serra mesmo só começa alguns quilômetros adiante. Fui pedalando e curtindo aquele frescor da manhã morro acima.












Cerca de 8 km antes do topo da Serra, já no trecho bem íngreme da brincadeira, o tempo começou a fechar fortemente, na forma de espessa neblina (muito comum nessa região). Pedalar naquela estradinha, com precipícios a perder de vista ali do lado, forte inclinação à frente e, de vez em quando, caminhões roncando estrada acima, é uma experiência bem bacana. 






Subida da Serra do Rio do Rastro











Cheguei ao topo da Serra com menos de dez metros de visibilidade à frente. Fiz rápida parada no mirante (de onde não se via nada), um lanche na vendinha que lá havia e de volta à estrada, rumo a Bom Jardim da Serra, cerca de 15 km adiante, e aonde pensava em pernoitar. 







Visibilidade no topo da Serra






Altimetria da subida da Serra






Por volta de uma da tarde estava na cidade. Logo em seguida começou a chover. Achei uma pousadinha e encerrei o expediente. 

A pousada havia sido inaugurada recentemente (em dezembro de 2016), e era montada em containeres, um conceito muito interessante de construção que parece estar se popularizando por aí. Tudo muito ajeitadinho e de muito bom gosto. Bati um papo com a Dona Ilda, proprietária do local, que me contou a trajetória do empreendimento e algumas de suas motivações. Me contou que ela e o marido trabalham há quase trinta anos com a lavoura de maçã, mas que estavam cansados dos altos e baixos desse negócio e estavam tentando mudar de ramo. Planejava viver só por conta da pousada já a partir do final deste ano.






"Villa dos Ventos Hospedagem Container", em Bom Jardim da Serra





No começo da noite, como continuasse chovendo, Dona Ilda ofereceu-se para levar a mim e a outros três hóspedes que haviam chegado recentemente a um restaurante na cidade, a cerca de 1,5 km. Os outros três eram motociclistas e estavam vindo de longe. Dois eram do Pará e o outro era do Mato Grosso. Os três com motos trail (GS 800, Tiger 800 e XTZ 660). Acabamos jantando juntos e batemos um bom papo furado sobre a experiência de viagem de cada um (ficaram surpresos quando lhes disse que tinha 48 anos de idade (... às vezes eu também fico)).

Estavam meio frustrados de terem vindo de tão longe e de não terem conseguido ver nada da famosa Serra do Rio do Rastro (devido à neblina que durou o dia inteiro no topo da Serra), e discutiam, meio de brincadeira, meio sério, como fariam pra contar para os amigos tal infortúnio... "Não dá nada... acha aí uma foto do Google e joga lá no grupo e diz que foi o que a gente viu..." - sugeriu um, divertindo-se com a situação. 

Total do dia: 40 km
Média: 12,2 km/h




Dia 3 - Campos de altitude da Serra Catarinense

O terceiro dia era pra fechar a volta e retornar à base. Ali tinha uma decisão a tomar. Podia arriscar seguir por uma estrada de terra que cruza o Parque Nacional São Joaquim e vai sair já próximo de Urubici - cerca de 50 km de morros, pedras e completo isolamento - ou continuar no asfalto e fazer uma volta pouca coisa maior. Devido às intensas chuvas que estavam caindo na região nos últimos dias, resolvi ir mesmo pelo asfalto, e com isso diminuir um pouco as chances de perrengue na empreitada. 









Os primeiros 30 km saindo de Bom Jardim da Serra são de muito sobe e desce (mais sobe do que desce, me pareceu). Bela paisagem em volta, mas o esforço das subidas, somado ao desgaste dos dias anteriores, começou a cobrar o preço. 

















Depois do trevo em que a estrada inflete para Urubici (e seguindo em frente vai para São Joaquim) a altimetria fica um pouco mais amigável, o movimento na estrada diminui sensivelmente e a paisagem em volta continua belíssima, ou seja, é um cenário quase perfeito para uma bela pedalada. 









Nos últimos 15 ou 20 km antes de chegar de volta a Urubici as subidinhas voltam a aparecer com força, na proporção inversa da força nas pernas. Pra completar o quadro, começou a cair uma chuva fininha e esfriou bastante. 











Aportei em Urubici por volta de uma hora da tarde. Mas ainda faltavam mais uns 25 km até a Pousada do amigo Max. Fiz então um lanche sem pressa numa padaria local e em seguida mais estrada.





Ao fundo, a cidade de Urubici











No meio da tarde chegava de volta ao ponto de origem, ao lado do Rio Canoas, na entrada da Pousada, com o odômetro marcando 105 km de pedal naquele dia. Antes de perder o aquecimento do momento, dei um bom mergulho nas águas geladas do belo rio e em seguida, aproveitando umas brechas de sol que escapavam por entre as muitas nuvens, me permiti alguns minutos de relaxamento e sintonia com o correr das águas ali próximo. 

Total do dia: 105 km
Média: 19,6 km/h






Rio Canoas, próximo da Pousada do Max




E é isso! Muito bom dar essas saídas da rotina e ver o mundo girando sob uma perspectiva diferenciada por alguns dias. Valeu!



Força Sempre




















"A ilusão, Bertrand amigo, é tão útil quanto a certeza.
E na formação de um espírito complexo devem entrar
tanto os contos de fadas quanto os problemas de Euclides."

(Eça de Queiroz)





Gratidão






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Dica de livro e filme sobre viagem de bicicleta


Há um filme bem bacana sobre viagem de bicicleta chamado "Transpatagônia - Pumas não comem ciclistas" (atualmente disponível na Netflix), que conta a história da viagem do brasileiro Guilherme Cavallari, que, próximo de completar 50 anos de idade, empreendeu uma expedição solo de bike de 6 meses e 6 mil km pela Patagônia e Terra do Fogo, no sul da Argentina e Chile.

Ele também escreveu um livro sobre a experiência.

Vale a leitura e/ou ver o filme.











sábado, 18 de março de 2017

Viagem com o Troller a Urubici, por estradas de terra - 4, 5 e 11 Mar 2017










A ideia dessa viagem era fazer do caminho o próprio destino, e, nesse sentido, curtir as valentes habilidades do Troller apreciando as estradinhas de terra numa rota que ligasse Curitiba a Urubici, não necessariamente pelo caminho mais curto.

Investi algum tempo pensando e pesquisando o caminho a percorrer. Adotei como base a sugestão de um guia de viagens de bicicleta do Guilherme Cavallari - Guia de Trilhas Serra Geral (BluGrama, Edtora Kalapalo), que mapeia um percurso quase totalmente por estradas de terra ligando Blumenau-SC a Gramado-RS. 









Acrescentei o trecho entre Curitiba e os arredores de Blumenau através de pesquisas em mapas e de outras experiências na região. Calculei fazer o percurso em dois dias, mas mantendo uma postura bem flexível quanto ao local de pernoite e até mesmo do caminho a seguir.








Saí de Curitiba no sentido sul pela BR 101 e 40 km depois peguei uma estrada menor no sentido de Tijucas do Sul. Pouco depois me embrenhei por uma estradinha de terra que iria desemborcar na simpática cidadezinha de Campo Alegre. De lá acessei um trecho do Circuito das Araucárias de Cicloturismo, que já percorri em outras ocasiões, descendo a serra em direção a Corupá.







































Fiz então um trecho de cerca de 70 km de asfalto até entrar na região proposta no guia BluGrama, na altura de Rio dos Cedros. Seguiu-se um belo trecho rural que faz parte do conhecido Circuito de Cicloturismo do Vale Europeu, que também já percorri de bicicleta em outros tempos. 


































Andar em estradas de terra é bacana, mas não se pode ter pressa e nem ficar refém de média horária e meta de distâncias a percorrer, porque o rendimento da equação "tempo versus distância" é realmente bem desproporcional.

Quando vi já era quase seis horas da tarde e ainda estava chegando na cidadezinha de Rodeio, bem aquém da metade do percurso total, que havia imaginado cobrir naquele dia. Podia ficar por ali e prosseguir no dia seguinte, mas resolvi dar uma adiantada e fazer um trecho pelo asfalto até a cidade de Rio do Sul, aproveitando o começo da noite pra esse deslocamento.






































No dia seguinte retornei ao roteiro do guia BluGrama, enveredando por improváveis estradinhas de terra entre plantações de milho e morros verdes contrastando com um imenso céu azul povoado de nuvens cinzentas e apressadas. 







































Muito legal essa sensação de se sentir meio perdido no meio do nada, seguindo um caminho inusitado em contraste com caminhos muito mais óbvios (e fáceis). Testemunhar o ritmo das pessoas e da vida nessas pequenas cidades e vilarejos no meio do caminho é também uma experiência que induz à reflexão. De certa forma, parece que as coisas estão em câmera lenta, obedecendo a uma outra lógica e contexto.























As paisagens que se vê num passeio assim são enternecedoras. Talvez tenha um pouco de romantismo daquele que vê - do momento, dos valores, do perfil do sujeito da cena... No começo da tarde daquele segundo dia de viagem, a chuva que vinha se anunciando ao longo da manhã começou a cair levemente, dando aos campos, às eventuais casas e a um ou outro cavalo ou gado perdido na paisagem um ar absolutamente introspectivo e surreal, como se tudo não passasse de uma pintura numa grande tela, em tons esmaecidos pela umidade dominante.


















Cheguei a Urubici no meio da tarde daquele domingo um tanto chuvoso. Não havia praticamente ninguém nas ruas. Tudo parecia quieto, calmo, quase abandonado. Mais 25 km me levaram ao final de mais uma estradinha de terra, no fundo de um vale que bem poderia ser cenário de um filme sobre viver isolado na natureza. Instalei-me no aconchegante albergue da Pousada Rio Canoas, do casal de amigos Maxmilian e Ed. 







 Urubici






Fogãozinho a lenha num cantinho da Pousada



Cumprida essa etapa, era hora de pensar na próxima. Havia planejado fazer uma pequena viagem de bicicleta pela região, o que pretendia começar no dia seguinte, e que vou deixar pra relatar no próximo post deste blog. 

Após essa volta de bike, tirei dois dias pra abaixar o ritmo da movimentação das últimas jornadas, e também pra bater bons papos com o Max e com a Ed e pra dar umas voltas por perto, fomentando ideias e tentando avaliar um pouco o momento que estava vivendo...






Descida da Serra do Corvo Branco





 Serra do Corvo Branco, vista de baixo






No sábado iniciei o retorno seguindo novamente a proposta do guia BluGrama, agora no sentido sul-norte, no trajeto que retorna de Gramado pra Blumenau por caminhos distintos da ida. O dia começou com a impactante descida da Serra do Corvo Branco, pra logo em seguida enveredar por caminhos de terra bem estreitos e inimagináveis, acompanhando a fantástica visão do maciço da Serra por longos quilômetros.














Por diversas vezes desconfiei da correção das indicações da planilha que estava seguindo, tal era o estado dos caminhos que percorria. A sensação era de que a pequena trilha ia acabar a qualquer momento, sem aviso prévio. Mas aos poucos ia retornando às estradas principais, até atingir o próximo vilarejo.




















Passei por Santa Rosa de Lima e depois por Anitápolis, e na sequência alcancei a cidade um pouco maior de Alfredo Wagner, à beira da BR 282, que liga Florianópolis a Lages, por volta das duas horas da tarde. Fiz algumas avaliações pessoais do que já havia percorrido, do que ainda faltaria se continuasse pelas estradinhas de terra, da saudade de casa, e concluí que estava de bom tamanho o passeio. Segui então pelo asfalto das movimentadas BR 282 e 101 de volta a Curitiba, curtindo a boa sensação de estar voltando pra casa e as belas lembranças do que vira nos últimos dias, ao som de algumas músicas preferidas da minha lista.

Não posso deixar de pensar que muitas vezes imaginamos e nos deixamos levar pelos sonhos de viagens a lugares distantes e famosos - e reconheço que a distância em si e o inusitado de certos lugares tem o seu charme - , mas a beleza e o encanto da natureza estão por toda parte, desde a esquina de casa até as curvas mais distantes. O que precisamos é mesmo "olhos para ver". 

Força Sempre.







Veja no link abaixo um pequeno vídeo da viagem:








P.S: 


  • Interessante observar como as igrejas são mesmo uma presença constante e infalível até mesmo nos menores vilarejos. São verdadeiros pontos de referência, pelo menos geograficamente, tanto é que o guia BluGrama sempre inicia e termina as indicações da planilha na igreja matriz de cada cidadezinha.























  • O Troller cumpriu com maestria sua missão de ir e voltar sem reclamar maiores atenções que não as básicas, e não foi nada poupado nesse passeio. Acho que, estritamente do ponto de vista técnico, os caminhos que percorremos podem ser feitos com qualquer tipo de carro. O problema é que com um carro normal (urbano) sempre paira certa dúvida se ele poderá enfrentar uma passagem mais difícil, como uma vala mais profunda, um eventual atoleiro, uma pedra um pouco maior fora do lugar, além de que sempre também há aquele receio de danificar o carro, de arranha-lo, de "magoa-lo"... Com um carro como o Troller essas preocupações são bem minimizadas. O bicho é bruto e valente!











  • No total foram percorridos 1.164 km, entre ida e volta. Cerca de 400 km foram de estradas e caminhos de terra.















  • Um dos objetivos dessa viagem foi fazer um reconhecimento do percurso, com o intuito de eventualmente fazer parte dele de bicicleta, como é a proposta do guia BluGrama. Na verdade, a ideia original da viagem era fazer o trajeto de Curitiba a Urubici de bike, mas acabei decidindo faze-la no formato aqui relatado, entre outras razões, pra curtir o Troller nesse tipo de ambiente e pra fazer um passeio mais leve, do ponto de vista físico. Pra fazer de bike tem que estar numa outra pegada. Não é um percurso fácil, absolutamente. Pelo contrário, é bem desafiador, particularmente considerando a altimetria, condições do solo e isolamento de vários trechos. Mas certamente seria uma bela pedalada. Expandindo um pouco as ideias, também é um belo percurso pra fazer de moto! Diversão pra todos os gostos [risos].




  • Meu muito obrigado aos amigos Max e Ed, da Pousada e Refúgio de Montanha Rio Canoas, pela acolhida afetuosa e pelo bom papo.
























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Breve reflexão sobre a vida no ambiente rural

  
Tem uma música da Elis Regina que, além de belíssima, retrata com impressionante fidelidade um anseio que às vezes me bate - Casa no Campo:






Dentre os temas que delinearam algumas das conversas que tivemos na Pousada Rio Canoas, entre o Max, sua esposa Ed e eventuais hóspedes, um deles foi sobre as belezas e o encanto de viver no campo. 

O Max e a Ed fizeram essa emblemática e corajosa mudança há cerca de um ano, quando deixaram seu modelo de vida urbana para experimentar a simplicidade e os desafios de viver em um local encantadoramente belo e isolado.

É certo que a ideia é encantadora. Entre vários aspectos levantados, destaca-se a constatação dos nossos amigos de quão pouco se precisa pra se viver bem num ambiente como aquele, e como a vida ganha em qualidade em aspectos acentuadamente importantes, como ritmo de vida, alimentação, relacionamento com o tempo, silêncio, diminuição da ansiedade, etc.

O que fico pensando é: por que então mais pessoas não tomam essa iniciativa de se mudar para lugares menos populosos, e com isso viver melhor?

Acho que a resposta a essa questão passa por diversos fatores, como por exemplo, laços familiares, oferta de trabalho (e supostamente valorização do trabalho que se faz (ou seja, questão salarial)), opções de estudo, etc. Imagina-se, ou vende-se por aí a ideia de que nas grandes cidades as possibilidades de "crescer na vida" são maiores. Será que é uma promessa que se cumpre?

Por um lado vejo o modelo de vida nas grandes cidades cada vez mais "estrangulado". A sensação que tenho é que, de modo geral, as pessoas vivem a vida inteira correndo atrás de algo que nunca conquistarão... Especificamente sob o ponto de vista econômico-financeiro parece que o que se ganha nunca é suficiente pra se viver de acordo com as ofertas (tentações) disponíveis, que há uma sensação geral de remar contra uma maré muito mais forte e intransponível - o próprio formato do capitalismo, como ideologia econômica e social.

Por outro lado vejo também que essa visão "romântica" da vida no campo pode não ser exatamente assim. Talvez seja poético assim para quem vem de um outro contexto, como os que migram da cidade grande para o meio rural após décadas de incomodação no mundo urbano, e que, de alguma forma, não dependem diretamente dos recursos da terra pra viver. Sinto que os que nascem num ambiente como esse e que sempre viveram ali nutrem, na verdade, uma opinião um pouco diferente. Via de regra, imaginam e sonham com as facilidades da cidade grande, e consideram que onde vivem "não tem muito futuro", ou que "é muito parado". 

Há que se considerar ainda que a vida no campo, tirando o próprio sustento "do que a terra dá", é sabidamente exigente e sofrida, e muito pouco valorizada economicamente. Em outras palavras, em termos de agricultura, os pequenos produtores são os piores remunerados na cadeia produtiva, e são cada vez mais ameaçados e subjugados pelos grandes produtores. Neste sentido, não há nada de romântico nisso.

Mas se adaptarmos um pouquinho os critérios e considerarmos as cidades de médio e pequeno tamanho nessa análise, talvez consigamos um meio termo bastante interessante em termos de opção à cidade grande. Eu tenho a sensação clara de que as grandes cidades, a despeito de suas promessas tentadoras, já passaram há muito de um nível saudável e coerente de quantidade de gente habitando-as e girando em torno.

Às vezes fico me perguntando por que não existem políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento de cidades médias e pequenas, como forma de fomentar a migração dos grandes centros para esses lugares. Fala-se muito nos problemas típicos das megalópoles, como congestionamentos, crescimento desorganizado, criminalidade decorrente do desemprego, etc, mas não ouvimos ninguém pensando em mudar a direção do problema... Quem sabe uma boa solução fosse criar incentivos pra essa migração...

Voltando ao ponto inicial, do romantismo da casa no campo, reconheço que ter a oportunidade de morar num lugar silencioso, afastado, e, de preferência, com uma bela vista da janela, é absolutamente encantador. Vale um projeto de vida... "O silêncio das línguas cansadas"... Quem sabe um dia...














Gratidão