Pra comemorar os 60 mil km da GS (prestes a se completarem pouco antes da viagem), bolei essa saidinha para o Forte Marechal Luz, em São Francisco do Sul-SC, dentro do conceito de viagem rápida (24 horas ida e volta), com pernoite acampando.
Saí de casa no meio da tarde da sexta-feira. Os quase 200 km até o forte passaram rápido, com direito a tráfego intenso nas estradas e um pouco de chuva em certos trechos.
A GS completando 60 mil km!!
(Rodando menos do que gostaria, mas já é alguma coisa.)
Ao fazer o check-in no Forte dizendo que queria acampar, o soldado que me recebeu comentou que havia um apartamento disponível para aquela noite, como a dizer: "tem certeza que quer acampar?"... Sim, tinha certeza... Penso que dormir de vez em quando numa barraquinha nos dá aquela sensação de valorizar nossa confortável cama de todo dia, além de ter o seu charme próprio, por assim dizer.
Aproveitei também pra inaugurar minha nova barraca individual - a minipack, da Azteq, com incríveis apenas 2 kg de peso e bastante funcional. Assim que terminei de monta-la a chuva que vinha se anunciando começou a cair com determinação. Me joguei pra dentro, fechei o zíper e curti o aconchego do pequeno espaço sob o tamborilar dos pingos no tecido de nylon da cobertura.
Mais tarde, por volta das dez da noite, fiz um rápido lanche (com logística própria) e, como a chuva havia cessado, saí para uma caminhada na praia. Belo momento... Permiti-me esquecer do tempo e ficar apenas curtindo o murmúrio do mar ali do lado, o cheiro adocicado de alguma planta da mata próxima, o astral de mistério e aconchego da escuridão, eventualmente ao som de algumas das minhas músicas preferidas nos meus fones de ouvido (como a belíssima "The Final Cut, Pink Floyd"). Só essa contemplação já teria valido o esforço da viagem.
Na manhã seguinte, sob as bençãos de um belo dia de sol, saí cedo pra uma corridinha na praia. Belíssimo cenário, temperatura agradável, conforto sonoro (vento e mar...) e paz no coração... e mais 15 km na conta (dei uma quebrada por volta do km 10, mas tudo bem). Na chegada, o privilégio de relaxar com um bom banho de mar e alongamento à sombra de uma árvore próxima.
Corridinha matinal a beira mar
Depois do almoço, cobri a pernada de volta pra casa sem apear da montaria, usufruindo o que a GS tem de melhor nessas situações - posição confortável de pilotar, motociclística envolvente, torque e força de sobra no motor.
Cada vez que dou essas saidinhas penso a mesma coisa: "deveria fazer mais disso." Mas cada coisa na vida tem sua hora e seu lugar, e cabe a nós enxergar e saber gerenciar isso... Os desafios são sempre os mesmos - desvencilhar-se da rotina, da força atrativa do próprio canto (casa), da expectativa e cobranças da família, do raciocínio "se vai valer a pena o esforço", etc. Sob todos os aspectos é sempre muito bom dar essas escapadas.
Força Sempre
Gratidão
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Um dos canhões em exposição no Forte Marechal Luz
Breve reflexão sobre a questão bélica
Contemplando os canhões expostos no Forte Marechal Luz, que também é um museu militar, me lembrei de um comentário do Dalai Lama - líder espiritual do Tibet - a respeito de uma visita que fizera a um campo de concentração nazista em certo momento de sua vida. Ele disse que se espantou com a elaborada engenharia das instalações desses locais, ressaltando que o que o deixou realmente intrigado foi pensar que muitos profissionais (engenheiros, cientistas, militares) se esforçaram para pensar, planejar e construir espaços como aqueles (as câmaras de gás), feitos com o objetivo claro de eliminar pessoas em massa.
Guardadas as proporções, talvez o raciocínio se aplique a qualquer instalação, equipamento ou armamento militar de forma geral... Há ali aprofundado estudo, tecnologia, empenho, concentrados em montar uma estrutura voltada, em última instância, para matar pessoas (seja pelos motivos que for).
"Não!... Calma aí! São coisas muito diferentes!" Alguém poderia dizer... Sim, sob certo aspecto (a ideologia por trás) são muito diferentes, mas sob outro (a essência do objetivo), são muito parecidas.
Pensar a guerra, como qualquer atividade humano, é sempre muito complexo. Certamente os generais, os militares mais radicais e os historiadores de plantão estão repletos de bons argumentos para provar por "A + B" que não temos como prescindir da estrutura militar para garantir nossa liberdade e nossos bens como nação. E provavelmente estão certos.
Mas acho que o problema é o enfoque. É aquela história, "para quem trabalha com martelo, todo problema parece ser um prego".
Talvez seja verdade também que o "espírito guerreiro" faz parte da natureza humana. Que os humanos encontram no combate (no sentido estrito) verdadeiro prazer e realização, e que por isso essa vertente teria pra ele tanto valor e "efeito hipnotizador". Não é à toa que muita gente se encanta e se enche de orgulho ao ver uma tropa militar formada, ou marchando, ou cantando suas envolventes canções (os uniformes militares então, exercem sobre certas pessoas verdadeiro fascínio)... É interessante que até mesmo crianças, ainda não introduzidas pro completo na construção de mundo dos adultos, tem esse brilho no olhar pelas coisas da caserna e da guerra.
Pensar num mundo sem força militar, sem exércitos, sem armamentos, chega a soar ingênuo e "sem noção". Mas, pensando bem, por que não poderia ser assim?
Acho que essa é a ideia da bela e icônica música "Imagine", John Lennon.
Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz...
É possível mesmo que esse ideal não seja para o nosso atual momento e estágio evolutivo, como seres humanos, já que toda a estrutura do nosso mundo é baseada em posse, em nacionalismo, em defender o que é "nosso", em valores quantificáveis e invejáveis por excelência.
A guerra em si é apenas "a ponta do iceberg". O problema real é muito maior e mais complexo. Mas quem sabe um dia consigamos mudar essa perspectiva e começar a pensar de uma forma um pouco mais evoluída...
"Não é lamentável que só possamos obter a paz
preparando-nos para a guerra?"
(John Kennedy)
"Os problemas fundamentais que desafiam o mundo de hoje
não são suscetíveis de soluções militares."
(John Kennedy)