Lançar-se ao mar a bordo de um caiaque tem sempre aquele gostinho bom de desafio, aquela sutil tensão que coloca os sentidos em alerta, uma sensação meio desconfortável, ao mesmo tempo que instigante.
Nesse sábado havia me proposto dar uma remada na região da Baía de Guaratuba, no litoral do Paraná, a cerca de 120 km de Curitiba. Para tanto, planejei uma rota saindo da Praia Mansa, localizada em Caiobá, balneário do município de Matinhos, e que foi, por diversas vezes em tempos passados, palco da etapa de natação do famoso Triathlon de Caiobá, do qual participei em algumas edições.
A partir de lá previ entrar na Baía de Guaratuba, ali do lado, passar para o lado sul da baía e ir seguindo até a entrada de um rio que há mais lá para dentro.
Estava um lindo sábado de sol, e, ingenuamente, não imaginei que a praia estaria lotada. Cumprida a parte do deslocamento de Curitiba até o litoral, achei um cantinho pra desembarcar o barquinho, arrumei as coisas e coloquei a proa do Kayapó na água salgada do Atlântico. Logo na saída uma ondinha boba quase inundou o cockpit (pois ainda estava sem a saia de proteção)...
Passado o pequeno sufoco de atravessar a leve arrebentação, tratei de instalar a saia e assumir o controle da situação. Aprumei para o sul e fui me dirigindo para a entrada da Baía. Pouco depois mais um sustinho, ao ser pego meio de lado por uma pequena ondulação quebrando lá no meio, distante da praia. Tive que negociar com a ligeira turbulência, trabalhando com os remos, e evitando ficar de lado para aquelas ondulações traiçoeiras.
O caiaque tem essa "limitação". Ondas quebrando sobre o casco são potencialmente problemáticas. Um descuido e o mundo vira de cabeça pra baixo, e, dependendo de onde se esteja, isso pode ser uma baita encrenca. Pra lidar com o problema, há que se ter certa habilidade, certa perspicácia, pensar rápido e saber usar as técnicas de apoio do remo na água e de inclinação do casco com o quadril... Até é um jogo divertido de jogar, mas não é exatamente fácil.
Depois que entrei na área abrigada da Baía, a situação se tranquilizou. O mar ficou flat e as "luzes amarelas" no meu painel mental se apagaram. Pra completar a festa, um maravilhoso vento leste me empurrava por trás, causando a gostosa sensação dos remos parecerem leves dentro d'água.
Fui seguindo a costa, curtindo a paisagem, pontuada por barcos de pescadores ancorados, algumas marinas, um iate clube, os quintais e jardins de casas muito bonitas, e de outras mais simples, e até alguns iates bem luxuosos, atracados em píeres inesperados.
Algum tempo depois a área urbana acabou e me vi em meio a natureza por todos os lados. Um pouco mais e estava na foz do rio em que pretendia chegar. Aproveitando que estava tudo em ordem, e estava me sentindo bem, fui remando rio acima um pouco, pra apreciar o novo ambiente. Tudo estaria ótimo, não fosse o calor infernal que fazia naquele momento. Muito, muito quente!
Com o GPS marcando 13 km de distância percorrida desde o começo, achei que estava de bom tamanho. Fiz meia volta e iniciei o retorno. Antes, porém, desembarquei na margem pra esticar um pouco as pernas e comer uma maçã.
Como era sábado e estava um tempo muito bom, havia vários barcos de todos os tamanhos passando a toda hora pra cima e pra baixo, com gente bem animada dentro. Interessante como é movimentado esse mundo náutico.
Planejei fazer o mesmo caminho de ida e volta. Agora, com a proa voltada para o leste, o vento estava bem na cara, funcionando como um freio acionado, fazendo os remos pesarem uma tonelada dentro d'água. Em compensação, refrescou um pouco.
O rendimento da remada caiu muito. Apesar disso, deu tudo certo no retorno. Ao final, com mais de três horas de esforço, já estava sentindo o cansaço. Desembarquei na Praia Mansa no meio da tarde com a sensação de ter feito um passeio muito mais intenso do que podia parecer à primeira vista.
O caiaque tem essa capacidade de mexer com a noção da passagem do tempo, e dar uma dimensão diferenciada do mundo em volta. Por várias vezes já me vi em situações de certo aperto remando, em que prometi a mim mesmo que não voltaria a me meter naquele tipo de enrascada... Mas uma vez tendo passado o sufoco, volta aquela empolgação incontrolável pra voltar a sentir o balanço (e a imprevisibilidade) das águas.
E sempre que a gente reúne o ânimo necessário pra fazer esse tipo de brincadeira, fica aquela sensação de que "tinha que fazer mais disso". Pois então façamos!!
A balsa que faz a travessia da Baía entre Caiobá e Guaratuba.
O prédios de Caiobá no horizonte, no retorno.
Trajeto realizado e os dados de velocidade, distância, etc.
A Baía de Guaratuba, em perspectiva um pouco mais ampliada.
Gratidão
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A primeira coisa curiosa sobre o livro do Filósofo Luiz Felipe Pondé (Editora Planeta, 2016) é o título - impactante, desafiante, provocador. Inconscientemente instiga a curiosidade de se verificar "por que Filosofia para corajosos?".
Creio que a resposta a essa questão inicial passa pelo tom e atitude nada "politicamente correta" do autor. Muito pelo contrário. A linha em torno da qual se constrói a narrativa é o tempo todo de provocação, beirando o deboche, sempre, entretanto, no bom sentido, de incentivar o pensamento livre de preconceitos e eufemismos.
O livro, apesar de curto e sem descer a grandes profundidades sobre os temas tratados, é bastante abrangente e cumpre com maestria sua missão de fomentar a reflexão.
Como, por exemplo, na citação de Schelling, em "A essência da liberdade humana":
Creio que a resposta a essa questão inicial passa pelo tom e atitude nada "politicamente correta" do autor. Muito pelo contrário. A linha em torno da qual se constrói a narrativa é o tempo todo de provocação, beirando o deboche, sempre, entretanto, no bom sentido, de incentivar o pensamento livre de preconceitos e eufemismos.
O livro, apesar de curto e sem descer a grandes profundidades sobre os temas tratados, é bastante abrangente e cumpre com maestria sua missão de fomentar a reflexão.
Como, por exemplo, na citação de Schelling, em "A essência da liberdade humana":
"Tal é a tristeza inseparável de toda a vida
finita, uma tristeza, porém, que nunca se torna
realidade e serve tão só para dar alegria eterna
de a superar. Dela vem o véu de pesar que se
estende sobre toda a natureza, a melancolia
profunda e indestrutível de toda a vida."
De onde o autor conclui que "todo conhecimento verdadeiro começa com um profundo entristecimento consigo mesmo", o que creio ser pertinente. E aqui acho ainda que "entristecimento" não se limita à tristeza propriamente dita, mas a um sentimento difuso de inquietação, insatisfação com as coisas, inconformismo.
Dos vários temas tratados na obra, vou pinçar três (mais ou menos aleatoriamente) pra abordar rapidamente e, com isso, dar uma ideia da proposta do livro.
1) "Existe evolução moral na humanidade?"
A pergunta envolve uma questão bastante interessante. Afinal de contas, em termos de humanidade, estamos em melhor situação moral do que estávamos a dois ou três mil anos atrás, por exemplo?
Ele responde que "acha que não", mas reconhece que "a pergunta é controversa", e que ele pode estar errado. O problema seria a falta de um critério (parâmetro) através do qual seria possível fazer essa avaliação.
Aos que consideram que sim, baseados na "sociedade da liberdade de escolha que o Ocidente produziu", Pondé ironiza e ataca dizendo que essa mesma liberdade pode vir a ser, na verdade, nosso "destino final", nosso grande tropeço no caminho da sonhada evolução, uma vez que nos torna "afogados em luxos", mimados e frouxos.
> Se fosse pra arriscar uma resposta, eu diria que não. Não creio que tenhamos progredido moralmente ao longo da história recente. Nem como humanidade, nem como indivíduos. O que talvez nos confunda em acharmos o contrário, é que nos tornamos mais refinados, mais vigiados, mais forçados a agir corretamente. Mas basta retirar as forças de contenção que acho que nos revelamos tão animais quanto sempre fomos (e com as exceções de sempre).
2) "Deus existe?"
Questão clássica da existência humana.
Ele começa dizendo que julga essa uma das perguntas mais inúteis da Filosofia [do que eu discordo], e explica o pensamento lógico de Blaise Pascal (século XVII), segundo o qual seria "mais vantajoso" apostar na existência de Deus, do que na sua inexistência, porque teríamos mais a ganhar com a primeira hipótese.
Depois ele continua citando Pascal para dizer que "a fé é fruto da graça divina, é sobrenatural, e não fruto de cálculo racional". Ou seja, " de nada adianta o uso da razão em assuntos da fé".
Muito interessante ele dizer que "não acredito que crer em Deus seja uma coisa que você escolhe, assim como você escolhe uma marca de sabonete ou uma marca de carro com base na lógica custo-benefício". "Argumentos que tentam provar a existência de Deus são inúteis". E por aí vai...
> Acho que essa questão causa muito ruído de comunicação a começar pela questão de quem o que é "Deus". É possível que os que acreditam na sua existência e os que não acreditam estejam, na verdade, discordando de "coisas iguais". Se considerarmos, por exemplo, que Deus é uma "energia criadora", ou "aquele que criou o mundo" ("aquele" aqui não entendido como pessoa) podemos concluir que sim, Deus existe, porque se o mundo existe, "alguém" ou "algo" o criou, e esse alguém ou algo é Deus. Ponto. Mas, se formos mais rigorosos, podemos rejeitar esse argumento simplista também: "Ah, não! Assim não vale!". O que nos levaria de volta à imparcialidade da ignorância. Enfim, acho que Deus existe. Mas posso estar errado [risos].
3) "Por que acho o mundo contemporâneo ridículo?"
Aqui Pondé expõe um ponto de vista bastante sombrio e cruel dos tempos em que vivemos. Segundo ele, nossa sociedade se tornou um grande mercado, em que tudo é avaliado em termos de "preço" (mercadoria), e em que as pessoas estão perdendo paulatinamente a capacidade de manter vínculos duradouros, e cada vez mais vivemos distorções de enfoque da realidade, como na ideia de que seria possível uma tal de igualdade social , ou no grande perigo representado pela ideia cada vez mais disseminada da chamada "sociedade do direito", em que os direitos ganharam escala desmedida em relação aos deveres de cada tripulante dessa "aeronave" chamada Terra.
Nas palavras do autor: "Veja bem, o mundo é uma merda e sempre foi. Mas o capitalismo o deixou um pouco menos pior em termos materiais (e com isso me refiro, inclusive, a medicina, celulares e democracias), apesar de que continua em grande parte uma merda."
> É temerário querer fazer uma avaliação de algo que está tão próximo da gente como o nosso próprio mundo. Além disso há o problema inescapável de tendermos a olhar tudo do nosso próprio ponto de vista ("o homem como a medida de todas as coisas"). Apesar disso, acho que realmente vivemos uma época sombria, e que o mundo, de forma geral, é um lugar perigoso e agressivo em termos de "salve-se quem puder". Os que estão bem (condições razoáveis de vida e de expectativa de vida) são uma minoria, frente a uma legião (silenciosa) de desamparados e desgraçados que vivem se arrastando por aí... Não vejo saída dessa armadilha na qual nos metemos por meios pacíficos e indolores, com base apenas em iniciativas isoladas e boas intenções, que é o pouco que se salva no que há por aí.
Enfim, o livro vale a leitura e a reflexão, não só pelas ideias nele expostas, mas também, e principalmente, por incentivar o pensar sem amarras conceituais (mimimis...).
Querendo usar o espaço de comentários do blog pra expor seu ponto de vista sobre essas questões, fique à vontade.
Força sempre