O convite pra essa remada partiu do amigo Wilson, parceiro de remo aqui por Curitiba que conhece bem os prazeres e os eventuais perrengues do caiaque oceânico.
A ideia era descer um riozinho a partir de um ponto às margens da Rodovia Alexandra-Matinhos, próximo do município de Matinhos, no litoral paranaense, até encontrar o Rio Guaraguaçu, que, pelos levantamentos realizados estaria a cerca de 5 km do ponto de partida, e segui-lo por cerca de 20 km até cruzar com uma outra rodovia, mais ao norte. Nesse local, dependendo da hora e das condições gerais, decidiríamos se prosseguiríamos até a cidade de Paranaguá, onde o Guaraguaçu deságua, ou se daríamos por encerrado o passeio.
O idealizador do percurso foi um cara que mora naquela área e que, pelo que soubemos, conhecia bastante os rios da região e é remador experiente. A remada estava sendo programada há algumas semanas, assim houve tempo de convidar bastante gente de um grupo organizado de remadores de Curitiba e redondezas.
No final das contas compareceram nove bravos navegadores e seus respectivos caiaques para a brincadeira. Apenas o Wilson e eu estávamos com barcos oceânicos. Todos os demais estavam com "sit on top" - barcos menores, mais rústicos e mais apropriados pra remar em águas abrigadas e rios tranquilos.
Após uma viagem de cerca de uma hora e meia desde Curitiba, em plena madrugada, encontramo-nos às seis da manhã no ponto marcado, próximo ao local planejado para a saída.
Feitos os preparativos finais, demos as primeiras remadas às sete e quinze, ainda bem cedo. A intenção era chegar até a ponte com a rodovia PR 407 até a hora do almoço.
Ninguém sabia as condições de navegabilidade do pequeno rio no qual estávamos inciando a remada. O cara que levantou a ideia e fez o planejamento disse que "achava que dava pra passar". Sabia-se apenas que o Rio Guaraguaçu, ao qual deveríamos chegar mais à frente, era aberto e tranquilo.
As primeiras centenas de metros transcorreram no frescor e na alegria que só um caiaque é capaz de proporcionar num ambiente como aquele. A mata em volta, o riozinho correndo tranquilo, o silêncio envolvente, aquela boa energia das primeiras horas da manhã, ainda que sob um céu cinzento e um pouco frio, deram o tom ameno desse início.
Mas logo nos deparamos com alguns galhos de árvores caídos no leito do córrego. "Sem problemas", acho que todos pensamos. Isso era mais ou menos esperado. Desembarca, puxa o caiaque, corta o galho, desvia daqui, empurra dali e prosseguimos.
Pouco a pouco, porém, os obstáculos foram se intensificando. Demorou algum tempo até percebermos a real dimensão do problema em que havíamos nos metido. Nesse tipo de situação prevalece aquela energia de "vamos lá", de não se deixar abater pelas dificuldades, e embalados por essa "vibe", fomos nos embrenhando rio abaixo e mata a dentro em busca do almejado Rio Guaraguaçu.
Acontece que a brincadeira começou a ficar meio sem graça porque estávamos mais puxando, empurrando ou carregando os caiaques do que exatamente remando. E o tempo passava, mas a distância não. Estávamos progredindo muito lentamente.
Depois de várias horas nessa árdua lida de desenroscar os caiaques dos intermináveis galhos, troncos, pedras, paus e tranqueiras do caminho, acho que nos demos conta finalmente que estávamos numa roubada. Estávamos fazendo menos de um quilômetro a cada hora de sufoco. As pernas já sentiam os ferimentos das inúmeras batidas nos galhos submersos, os braços já sentiam o cansaço de tanto carregar os barcos, o corpo sentia frio por estar constantemente imerso na água gelada e o ânimo já estava meio abalado.
Por volta do meio dia não havia nenhum sinal de "luz no fim do túnel". Por incrível que pareça, a situação só piorava. Por diversas vezes tivemos que abandonar o leito do rio devido à total impossibilidade de atravessar por entre os galhos e abrir picadas pela mata, por onde tínhamos que carregar os barcos a duras penas até conseguir coloca-los na água mais à frente, onde o sofrimento continuava.
Acredito que os outros colegas que estavam com os barcos menores tinham um pouco menos de problema do que o Wilson e eu, que estávamos com os oceânicos de mais de cinco metros de comprimento e quase 30 kg de peso (incluindo o pouco de carga que levávamos). Nessas investidas pelas trilhas mata a dentro vimo-nos na necessidade de levar um barco de cada vez, um ajudando o outro, devido à dificuldade do terreno, dos obstáculos e do peso a ser transportado.
Acho que por volta das duas horas da tarde, sem sinal de que aquele suplício teria fim, caiu a ficha de que estávamos mesmo numa tremenda enrascada. Não havia como retornar (porque seria incoerente e um trabalho inimaginavelmente ingrato), e ninguém sabia com certeza a que distância o rio maior estava à frente. Comecei a pensar na desagradável possibilidade de ter que passar a noite "perdido" naquele labirinto de mata, galhos e um pequeno rio a correr em direção a algum lugar em que gostaríamos de chegar logo.
Sem alternativas, prosseguimos naquela batida de abrir caminho em meio ao nada na esperança de que em algum momento aquele riozinho chegaria a algum lugar mais auspicioso. Esse momento tão esperado só se tornou realidade às quatro e meia da tarde, quando alguém lá na frente deu o aviso que havia chegado num rio mais aberto. Ainda bem, porque não estava nada fácil.
O tal rio mais aberto ainda não era bem um rio como se imagina, mas pelo menos dava pra ficar em cima dos caiaques e ir remando devagarzinho. Aos poucos foi se abrindo e nos demos conta que era mesmo o tão desejado Rio Guaraguaçu.
Isso já era quase cinco horas da tarde, e segundo os dados que tínhamos, ainda estávamos a cerca de 20 km do ponto de encontro com os nossos resgates, ou seja, ainda tinha muita água pela frente.
Nessas condições os oceânicos se sentem em casa e rendem bem mais do que os barcos menores. Com isso abrimos bastante em relação aos demais. O visual desse trecho deu uma levantada no ânimo: um belo espelho d'água refletia a mata ao redor e a natureza exibia o que ela tinha de melhor - silêncio, isolamento, ambiente intocado. Em contrapartida o cansaço físico, o frio e o stress recente comprometeram irremediavelmente o encanto do momento.
Por volta das seis horas um barco a motor veio ao nosso encontro com dois colegas da nossa equipe de resgate. Estavam preocupadíssimos conosco e vieram ver se nos achavam e o que havia acontecido. Esclarecido o problema e a situação, retornaram para o ponto de resgate e nos deixaram avisado que ainda faltava bastante pra chegarmos.
Remando e remando finalmente chegamos ao nosso ponto de encontro, junto à ponte da rodovia, às oito e dez da noite, já totalmente escuro.
Alguns colegas do grupo ainda levariam mais de uma hora depois de nós para chegar.
Passado o perrengue fica a lição de que não se deve entrar onde não se conhece com base apenas em "informes" ou, talvez mais exatamente, em imaginação. Mas fica também o aprendizado e a vivência sempre útil de uma experiência difícil e exigente, afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de ter que lidar com situações como essa.
Certamente foi uma das jornadas mais desgastantes e cansativas que já fiz, mas apesar da surra que levamos ainda acho que o "saldo" foi positivo, porque como diz aquele ditado, "o que não nos destrói nos torna mais fortes".
Aloha!
A ideia era descer um riozinho a partir de um ponto às margens da Rodovia Alexandra-Matinhos, próximo do município de Matinhos, no litoral paranaense, até encontrar o Rio Guaraguaçu, que, pelos levantamentos realizados estaria a cerca de 5 km do ponto de partida, e segui-lo por cerca de 20 km até cruzar com uma outra rodovia, mais ao norte. Nesse local, dependendo da hora e das condições gerais, decidiríamos se prosseguiríamos até a cidade de Paranaguá, onde o Guaraguaçu deságua, ou se daríamos por encerrado o passeio.
O idealizador do percurso foi um cara que mora naquela área e que, pelo que soubemos, conhecia bastante os rios da região e é remador experiente. A remada estava sendo programada há algumas semanas, assim houve tempo de convidar bastante gente de um grupo organizado de remadores de Curitiba e redondezas.
No final das contas compareceram nove bravos navegadores e seus respectivos caiaques para a brincadeira. Apenas o Wilson e eu estávamos com barcos oceânicos. Todos os demais estavam com "sit on top" - barcos menores, mais rústicos e mais apropriados pra remar em águas abrigadas e rios tranquilos.
Após uma viagem de cerca de uma hora e meia desde Curitiba, em plena madrugada, encontramo-nos às seis da manhã no ponto marcado, próximo ao local planejado para a saída.
Feitos os preparativos finais, demos as primeiras remadas às sete e quinze, ainda bem cedo. A intenção era chegar até a ponte com a rodovia PR 407 até a hora do almoço.
Ninguém sabia as condições de navegabilidade do pequeno rio no qual estávamos inciando a remada. O cara que levantou a ideia e fez o planejamento disse que "achava que dava pra passar". Sabia-se apenas que o Rio Guaraguaçu, ao qual deveríamos chegar mais à frente, era aberto e tranquilo.
As primeiras centenas de metros transcorreram no frescor e na alegria que só um caiaque é capaz de proporcionar num ambiente como aquele. A mata em volta, o riozinho correndo tranquilo, o silêncio envolvente, aquela boa energia das primeiras horas da manhã, ainda que sob um céu cinzento e um pouco frio, deram o tom ameno desse início.
Mas logo nos deparamos com alguns galhos de árvores caídos no leito do córrego. "Sem problemas", acho que todos pensamos. Isso era mais ou menos esperado. Desembarca, puxa o caiaque, corta o galho, desvia daqui, empurra dali e prosseguimos.
Pouco a pouco, porém, os obstáculos foram se intensificando. Demorou algum tempo até percebermos a real dimensão do problema em que havíamos nos metido. Nesse tipo de situação prevalece aquela energia de "vamos lá", de não se deixar abater pelas dificuldades, e embalados por essa "vibe", fomos nos embrenhando rio abaixo e mata a dentro em busca do almejado Rio Guaraguaçu.
Acontece que a brincadeira começou a ficar meio sem graça porque estávamos mais puxando, empurrando ou carregando os caiaques do que exatamente remando. E o tempo passava, mas a distância não. Estávamos progredindo muito lentamente.
Depois de várias horas nessa árdua lida de desenroscar os caiaques dos intermináveis galhos, troncos, pedras, paus e tranqueiras do caminho, acho que nos demos conta finalmente que estávamos numa roubada. Estávamos fazendo menos de um quilômetro a cada hora de sufoco. As pernas já sentiam os ferimentos das inúmeras batidas nos galhos submersos, os braços já sentiam o cansaço de tanto carregar os barcos, o corpo sentia frio por estar constantemente imerso na água gelada e o ânimo já estava meio abalado.
Por volta do meio dia não havia nenhum sinal de "luz no fim do túnel". Por incrível que pareça, a situação só piorava. Por diversas vezes tivemos que abandonar o leito do rio devido à total impossibilidade de atravessar por entre os galhos e abrir picadas pela mata, por onde tínhamos que carregar os barcos a duras penas até conseguir coloca-los na água mais à frente, onde o sofrimento continuava.
Acredito que os outros colegas que estavam com os barcos menores tinham um pouco menos de problema do que o Wilson e eu, que estávamos com os oceânicos de mais de cinco metros de comprimento e quase 30 kg de peso (incluindo o pouco de carga que levávamos). Nessas investidas pelas trilhas mata a dentro vimo-nos na necessidade de levar um barco de cada vez, um ajudando o outro, devido à dificuldade do terreno, dos obstáculos e do peso a ser transportado.
Acho que por volta das duas horas da tarde, sem sinal de que aquele suplício teria fim, caiu a ficha de que estávamos mesmo numa tremenda enrascada. Não havia como retornar (porque seria incoerente e um trabalho inimaginavelmente ingrato), e ninguém sabia com certeza a que distância o rio maior estava à frente. Comecei a pensar na desagradável possibilidade de ter que passar a noite "perdido" naquele labirinto de mata, galhos e um pequeno rio a correr em direção a algum lugar em que gostaríamos de chegar logo.
Sem alternativas, prosseguimos naquela batida de abrir caminho em meio ao nada na esperança de que em algum momento aquele riozinho chegaria a algum lugar mais auspicioso. Esse momento tão esperado só se tornou realidade às quatro e meia da tarde, quando alguém lá na frente deu o aviso que havia chegado num rio mais aberto. Ainda bem, porque não estava nada fácil.
O tal rio mais aberto ainda não era bem um rio como se imagina, mas pelo menos dava pra ficar em cima dos caiaques e ir remando devagarzinho. Aos poucos foi se abrindo e nos demos conta que era mesmo o tão desejado Rio Guaraguaçu.
Isso já era quase cinco horas da tarde, e segundo os dados que tínhamos, ainda estávamos a cerca de 20 km do ponto de encontro com os nossos resgates, ou seja, ainda tinha muita água pela frente.
Nessas condições os oceânicos se sentem em casa e rendem bem mais do que os barcos menores. Com isso abrimos bastante em relação aos demais. O visual desse trecho deu uma levantada no ânimo: um belo espelho d'água refletia a mata ao redor e a natureza exibia o que ela tinha de melhor - silêncio, isolamento, ambiente intocado. Em contrapartida o cansaço físico, o frio e o stress recente comprometeram irremediavelmente o encanto do momento.
Por volta das seis horas um barco a motor veio ao nosso encontro com dois colegas da nossa equipe de resgate. Estavam preocupadíssimos conosco e vieram ver se nos achavam e o que havia acontecido. Esclarecido o problema e a situação, retornaram para o ponto de resgate e nos deixaram avisado que ainda faltava bastante pra chegarmos.
Remando e remando finalmente chegamos ao nosso ponto de encontro, junto à ponte da rodovia, às oito e dez da noite, já totalmente escuro.
Alguns colegas do grupo ainda levariam mais de uma hora depois de nós para chegar.
Passado o perrengue fica a lição de que não se deve entrar onde não se conhece com base apenas em "informes" ou, talvez mais exatamente, em imaginação. Mas fica também o aprendizado e a vivência sempre útil de uma experiência difícil e exigente, afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de ter que lidar com situações como essa.
Certamente foi uma das jornadas mais desgastantes e cansativas que já fiz, mas apesar da surra que levamos ainda acho que o "saldo" foi positivo, porque como diz aquele ditado, "o que não nos destrói nos torna mais fortes".
Aloha!
Pouco depois da saída: rio Cambará.
Primeiro obstáculo.
Abrindo uma picada na mata pra poder passar.
O Wilson fazendo malabarismos...
No começo da tarde... desolação...
Finalmente no Rio Guaraguaçu, já no final da tarde.
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
(Crédito da foto: Wilson Rulka)
Situação do cockpit ao final da "brincadeira".
Gratidão.
Força Sempre
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