Tiger 900 Rally Pro

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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Viagem de caiaque pelo Canal do Varadouro, de Cananeia-SP a Antonina-PR (137 km em 4 dias) - 2 a 5 Set 2016





Espaço, tempo e remo.
137 km de caiaque entre Cananéia-SP e Antonina-PR, em quatro dias.
Em parceria com Alexandre Manzan.


Olhar o mar, ou um rio estendendo-se ao longe, ou uma estrada sumindo no horizonte (ou ainda uma cadeia de montanhas, ou mesmo um bom mapa, ou, nos tempos modernos, a perspectiva fantástica do Google Earth) e sentir certo ímpeto em saber o que haverá por trás daquela distância que os olhos alcançam talvez faça parte da memória ancestral que carregamos dentro de nós, às vezes sem nos darmos conta.

Meio que atendendo ao chamamento desse impulso, há tempos namorava a ideia de dar uma remada na região conhecida como Canal do Varadouro, entre Cananeia, no litoral sul de São Paulo, e a região do Superagui e Ilha do Mel, no norte do Paraná.






Esse ecossistema é uma reserva natural riquíssima em biodiversidade e possuidor de características que muito me atraem: é bastante inóspito e preservado. O Canal do Varadouro propriamente dito tem uma história muito interessante: foi construído artificialmente, em meados do século passado, usando como base uma trilha de caçadores entre os dois lados do estuário, numa extensão de 6 km. A obra formou uma via de acesso pelo curso d’água ligando o litoral sul de São Paulo à Baía de Paranaguá, no Paraná.

Diz-se que, no final das contas, depois de feita a peripécia da construção, constatou-se que nem era assim tão necessário, tanto que hoje em dia a região só é utilizada para fins esportivos e de pesca artesanal local (e para viagens de caiaque de cidadãos curiosos em saber o que há por aí...).







Há alguns meses chamei o Alexandre Manzan, amigo de Brasília ‘especializado em expedições de caiaque’ (dentre muitas outras coisas) para a empreitada [no ano passado fizemos parte do litoral catarinense, de São Francisco do Sul a Florianópolis, também no remo]. Como bom parceiro de perrengues, ele se animou com a ideia e começamos a conversar sobre os detalhes e planejamento da expedição.

Na terça-feira, 31 de agosto, ele chegava a Curitiba, com o seu barco sobre o carro, para implementarmos a ideia. Aproveitando experiências anteriores, ele planejara um percurso de cerca de 130 km, saindo de Cananeia e chegando à pequena cidade de Antonina, situada nos fundos da Baía de Paranaguá. Calculamos que poderíamos cobrir o trajeto em cinco dias de remo, ou talvez em quatro, dependendo das condições da maré, do clima e dos braços.

No dia 1º de setembro fizemos os ajustes finais de equipamentos e suprimentos e repassamos alguns detalhes práticos da expedição. No dia 2 à tarde saímos para os 250 km de estrada até o ponto de partida da nossa viagem, levando os dois caiaques, todo o equipamento de náutica, camping, itens de uso pessoal e quatro dias de autonomia em comida e água potável. Hospedamo-nos numa pequena pousada bem próxima do estuário à margem do qual a pequena cidade se situa e liberamos o nosso apoio pra retornar com o carro a Curitiba.


Chegada em Cananéia, na véspera da partida.


No dia seguinte acordamos cedo, com a intenção de partir o quanto antes, pra fazer o dia render, mas percebi que não estava lá muito bem. Após uma noite mal dormida, sentia-me com uma rara e completamente inoportuna dor de cabeça e um mal estar geral, provavelmente consequência da ligeira dor de garganta que vinha sentindo havia uns dois dias. Ora, ora, ora! Prestes a iniciar uma viagem de alguns dias por uma região sem acesso a qualquer tipo de ajuda, com forte demanda de esforço físico e disposição de energia, não era de jeito nenhum a hora pra ter uma pane nas forças! Tomei um ante gripal, respirei fundo e busquei me conectar a uma energia boa. Colocamos os barcos na água, embarcamos todo o equipamento e suprimento e preparamos pra partir.



Local da partida, em Cananéia.


Às nove e quinze estávamos prontos. Sem muita cerimônia, aproamos na direção sul e demos as primeiras remadas. Aos poucos o ventinho batendo no rosto, o barulhinho do remo se apoiando n’água e aquela espetacular sensação de amplidão e de liberdade foram desanuviando aquela ameaça de um possível resfriado (ou algo do gênero) e me colocando na sintonia certa.






O Manzan seguia sempre à frente, ligado na orientação via GPS (com o tracklog levantado previamente no Google Earth). Uma das preocupações da viagem era justamente a orientação (seguir pelo caminho certo), já que o trajeto tem vários pontos em que, sem uma ferramenta de navegação adequada, pode-se facilmente ficar em dúvida sobre qual direção leva aonde se quer ir. E como passa muito pouca gente pela região, não dá pra contar em achar alguém pra pedir informação.

Outra preocupação era com relação às condições do tempo. Chuvas intensas e prolongadas em situações de total exposição à natureza como estávamos, podem ser um problema. Mais sério ainda seriam possíveis tempestades elétricas, em que eventuais raios significam um perigo real e de difícil “defesa”. A previsão do tempo para os próximos dias não era lá muito animadora (embora também não fosse nada muito preocupante). Em linhas gerais, o prognóstico era de tempo nublado com um pouco de chuva no terceiro dia da viagem. Nesse primeiro dia o céu estava totalmente fechado, cinzento, mas não havia sensação de que choveria em breve.






O trajeto que estávamos iniciando tinha ainda outro fator que nos preocupava bastante: a influência da maré na correnteza do estuário. Tecnicamente, até chegarmos à altura do povoado do Superagui, já no último quarto da viagem, estaríamos navegando num grande estuário – uma região de transição entre vários rios que descem das serras em derredor e o mar, logo ali. Na prática assemelha-se a um rio, ora mais largo, ora mais estreito, no entanto, com um detalhe importante: a correnteza varia de direção (e de intensidade) de acordo com a força da maré (e, portanto, de acordo com a hora do dia). No final das contas, essas variáveis todas compunham um intrincado e desafiante jogo matemático. Era necessário analisar o mapa da região, a tábua da maré, a hora do dia, e meio que calcular onde e até quando a maré estaria favorável à nossa remada, e a partir de onde e quando estaria contra. Desconsiderar esses “detalhes” seria correr o sério risco de estar no lugar errado, na hora errada, e com isso comprometer não só o rendimento da remada, quanto, em última instância, a própria possibilidade de prosseguir por algum tempo (se a maré estivesse contra com muita força).






Tentando entender como isso tudo funcionaria, calculamos que nos primeiros 3 a 5 km pegaríamos o início da maré cheia, contra nossa direção, mas logo em seguida, se estivéssemos certos, ela passaria a nos ajudar pelas próximas seis horas.





Passamos pelo grande estuário de Cananeia, ponto a partir do qual passaríamos a ser favorecidos pela força da maré, e seguimos em frente. O ambiente em volta começou a ficar mais interessante e acolhedor – silêncio total, nenhum vestígio de civilização, mata verde densa a perder de vista nas margens.







O dia foi passando e constatamos que estávamos fazendo uma boa média de velocidade – em torno de 7,5 km/h -, considerando o fato dos barcos estarem bastante pesados em função da quantidade de equipamentos e suprimentos que carregávamos.






A ideia inicial era chegar até o vilarejo de Marujá naquele primeiro dia, distante cerca de 35 km do ponto de saída. Por volta das 15:30 h alcançamos essa pequena vila e desembarcamos pra dar uma olhada no local e avaliar se ficaríamos ou prosseguiríamos. Como havia outra vila pouco depois e ainda era relativamente cedo, e ainda estávamos nos sentindo bem fisicamente, resolvemos seguir um pouco mais.


Vilarejo de Ararapira.


Cerca de uma hora mais tarde chegávamos à vila de Ariri, uma visão quase irreal vista de onde chegávamos. Essa é a única localidade da região que tem acesso via estrada (65 km de terra) com Cananeia, e, portanto, até tem alguma estrutura, como casas de alvenaria, algum comércio, igreja, etc. Perguntamos por um local onde pudéssemos acampar, e, após algumas indicações, acabamos parando no quintal de uma pequena pousada, ao lado de um galpão, onde o dono disse que poderíamos ficar. Finalizamos esse dia com bons 42 km remados.




















Após o jantar (feito ao lado das barracas, com nosso material), saímos pra dar uma caminhada e procurar um orelhão do onde pudéssemos dar uma ligada pra casa (que, diga-se de passagem, não encontramos (ou melhor, havia alguns, mas todos “fora de operação”)). Voltando para o nosso acampamento, começou a chover, e não pararia “nunca mais” pelas próximas quarenta e tantas horas...





Dia 1: 42,3 km/ 7,5 km/h de média


Acordamos na manhã do segundo dia sob o barulhinho dos pingos de chuva no tecido das barracas. Pra minha desolação, constatei que tudo dentro da barraca estava desagradavelmente molhado – algumas roupas, parte do saco de dormir, alguns equipamentos. Pelo jeito, a minha velha barraca “Walrus”, com quase vinte anos de uso esporádico, já não estava mais dando conta do recado...



Manzan e o seu café gourmet...


Arrumamo-nos sem muita pressa, tomamos café e juntamos tudo dentro dos barcos novamente pra “mais um dia no escritório”. Definitivamente não estava nada animador pra sair remando, mas era o que tinha naquele momento.






Pessoalmente sou apaixonado pela luminosidade ampla e dourada dos dias claros, de sol e céu azul. Mas também sei que não podemos ficar dependentes dessas condições ideais. Mas saber é uma coisa, viver a situação é outra. Aproveitei, portanto, a oportunidade, pra exercitar a resignação diante da realidade e curtir essa outra luz – cinzenta, densa, quase sombria – que, a bem da verdade, também tem lá sua beleza e encanto.

O Manzan parecia ter uma sensibilidade mais facilmente adaptável à situação, o que quer dizer que ele não estava nem um pouco contrariado com a chuva e o tempo fechado. Colocamos os barquinhos n’água e partimos.





Pela matemática das marés, das horas e da nossa localização no estuário, calculamos que teríamos mais ou menos umas quatro horas de maré a favor. Depois disso, pelo que entendemos e pelo que nos informaram os pescadores da região, pegaríamos um tempinho contra até iniciar o ciclo da vazante, quando novamente estaríamos na mesma direção da “correnteza”.






Assim, planejamos fazer uma pernada até o meio do dia, descansar um pouco em algum lugar e prosseguir na última parte da tarde.

A paisagem desse trecho revelou-se muito bonita e inspiradora, emoldurada pela constante chuva e pelo silêncio em volta. Muito raramente passava um ou outro barco de pescador.

Remamos até por volta da uma hora da tarde, quando alcançamos uma pequena vila de pescadores chamada Vila Fátima. Como já estivéssemos sentindo os efeitos negativos da maré contra nossa direção, resolvemos fazer ali nossa parada de espera de inversão da “correnteza”.


"Só di boa", só que não...


Desembarcamos, e como estava chovendo e, parados, começava a ficar frio, pedimos a uma mulher de uma casa próxima para nos abrigarmos na varanda de uma outra casa abandonada. Gentilmente ela nos indicou um lugar melhor, uma espécie de galpão de apoio, ali do lado. Colocamos uma roupa mais seca, fizemos um café/ chá quente, comemos alguma coisa, batemos um papo e esperamos.





Foi um tempinho muito especial. Estávamos no meio do nada. Ali fora, a chuva caía numa intensidade decidida, mas, de certa forma, aconchegante. Em silêncio, era possível distinguir os diferentes sons dos pingos da chuva caindo no telhado, na terra e nas árvores em derredor. A poucas dezenas de metros, a névoa deixava o horizonte esmaecido com a mata, com a água, com o céu. Tudo era uma coisa só. Não havia nada de extraordinário naquele cenário, mas ao mesmo tempo era um ambiente muito especial. Poderia ficar horas ali sem sentir aborrecimento algum.

Às três e meia retornamos aos nossos barcos. O objetivo era chegar até o vilarejo de Bertioga, distante uns 15 km. O trecho que se seguiu foi encantador. Completamente envoltos pela chuva, pela névoa e pelo silêncio quase absoluto, a sensação era de estar num outro mundo. Aos poucos a maré foi ficando a nosso favor, facilitando um pouco o trabalho na “casa de máquinas".






Às quinze pras seis da tarde, já praticamente escuro, avistamos duas luzinhas de poste ao longe. Era a vila de Bertioga, onde pretendíamos passar a noite. Chegamos e perguntamos a um pescador que estava junto à margem sobre um local onde poderíamos pernoitar. Ele nos ofereceu ficar na varanda da sua casa, mas como estava tudo molhado demais, pedimos informação de alguma pousada, ao que ele nos indicou uma um pouco mais à frente.

Hospedamo-nos, gratificados, na pequena pousada. Demos uma organizada nas coisas, banho, jantar à base de macarrão do Chef Manzan e cama. Antes, porém, conversamos com um rapaz que trabalhava na pousada (e como pescador na região) a respeito da previsão do tempo para o dia seguinte: “chuva até segunda-feira” – ele disse.


Dia 2: 33,9 km remados


Para o dia seguinte havia mais uma preocupação a ser gerenciada: estávamos bem próximos do final do estuário, na barra do povoado de Superagui. Segundo informações que fomos colhendo pelo caminho, essa barra poderia ser complicada de passar com barcos pequenos como os nossos, dependendo das condições do mar, vento e maré. “Quando o mar tá grande nem a gente passa por lá” – nos alertara um pescador recentemente. Íamos ter que ver.

A noite numa cama seca e aquecida nos fez bem. Acordamos dispostos. Mas apesar de não estar chovendo, continuava um tempo fechado e sombrio. Às oito e quarenta e cinco estávamos prontos pra partir. Pouco antes, ao acertar as contas com o senhor da pousada, perguntei a ele sobre as condições de navegabilidade na barra. “Ali tem que passar com a maré vazante! Com a maré enchendo vocês não passam, não!” – ele disse. Acontece que a maré inverteria a direção e começaria a encher dali a cerca de uma hora. Saímos, portanto, sem rodeios, fazendo um pouco mais de força nos remos do que o habitual, pra tentar chegar à barra com a maré ainda favorável. Caso contrário, poderíamos ser obrigados a uma longa espera no local.






Cerca de cinquenta minutos depois estávamos em Superagui, com o grande mar à nossa frente. Aparentemente as condições não estavam ruins. Não estava ventando, nem chovendo. Perguntamos a dois ou três pescadores sobre as condições do mar e dicas de por onde sair pela barra. Disseram que estava tranquilo. Era só tocar pela direita e ir contornando a Ilha das Peças.


A barra de Superagui


Sem desembarcar, seguimos em frente e enfrentamos a barra – encontro do estuário com o mar. Passamos um trecho mais ou menos difícil de cerca de quarenta minutos, com uma arrebentação não muito forte, mas presente, meio chacoalhado em certos pontos, aquela preocupação sempre presente da situação piorar sem aviso prévio. No final deu tudo certo, e até foi divertido. Passada a turbulência, comentei com o Manzan que havia sido um tanto tenso, ao que ele discordou: “Foi tranquilo” – disse. Sensações diferentes de vivências e experiência acumulada diferentes.

Pouco depois fizemos uma parada com desembarque já na encosta da Ilha do Mel, pra descansar e fazer um rápido lanche.





A partir daquele ponto, alcançar nosso objetivo na viagem era uma questão de tempo e de força nos remos. Calculamos, de acordo com a distância que faltava, que poderíamos chegar no dia seguinte, e, assim, completar o trajeto a que nos propusemos em quatro dias.





Contornamos uma parte da Ilha do Mel e infletimos para o oeste, na direção da Baía de Paranaguá e de Antonina. Seguiu-se um trecho muito bonito de mar liso como uma piscina, com muitos botos saltando pra fora da água aos pares, gaivotas em voos rasantes à procura de peixes, um horizonte muito amplo e muito distante em volta e aquela sensação boa de se sentir bem adaptado ao contexto.

O caiaque é um barquinho de conceito incrivelmente simples. Há algum tempo ouvi um comentário muito pertinente, comparando o caiaque a uma bicicleta das águas. É verdade. É pequeno o suficiente pra se carregar sozinho e pra remar sozinho, e grande o suficiente pra levar tudo o que se precisa para uma viagem de alguns dias e pra enfrentar condições de mar até bastante adversas. Como na bicicleta, com paciência e um pouco de força se vai longe.

Um grande problema pra maioria dos barcos maiores em locais como o que acabávamos de passar era a questão dos bancos de areia e da profundidade mínima necessária pra navegação. Para o caiaque esse problema simplesmente não existe. Basta meio palmo de água pra ele continuar flutuando. E se ficar ainda mais raso, é só desembarcar e arrasta-lo para um local um pouco mais profundo. O fato de ser movido à força dos braços (ou, mais exatamente, de todo o corpo) pode ser considerado mais como atrativo do que como desvantagem, dependendo do ponto de vista.

Estive pensando também, nesses dias, no extraordinário feito do Sr Amyr Klink, que, em 1984 atravessou o Atlântico, da África ao Brasil, a remo, num pequeno barco projetado por ele próprio, numa viagem solo, autônoma e sem apoio, durante exatos cem dias. E ainda numa época em que não havia GPS, comunicação por satélite, internet, nada disso. Como sempre, tudo é uma questão de referência e de achar o “jeito” de fazer. Essa bela história é contada no clássico da literatura de viagem, “Cem dias entre céu e mar”, escrito em primeira pessoa.




Aliás, o próprio Amyr Klink navegou, no ano passado, pelo Canal do Varadouro, conduzindo duas bateiras esculpidas em Guaraqueçaba e levadas por ele e uma pequena equipe até Paraty, no Rio, percorrendo um trajeto de 320 milhas náuticas em quatro dias de viagem - história contada por uma de suas filhas nesse site: "Klinks". Foi mais uma história a inspirar o planejamento da nossa própria atual expedição, meses antes.






Lá pelo meio da tarde alcançamos a região do Porto de Paranaguá, só que do outro lado da Baía. O local de pernoite nesse dia estava indefinido. A ideia era achar algum lugar pra acampar ou uma casa de um pescador que se dispusesse a nos deixar encostar num canto. Fomos perguntando nas vilazinhas que começaram a aparecer até que nos indicaram um local um pouco mais à frente onde teria uma pousada. Seguimos um pouco mais até o local indicado, que também era o último com algum tipo de habitação daquele trecho. Mais algumas perguntas e chegamos à tal “pousada”, que, na verdade, estava mais para um autêntico muquifo do que para hospedaria. Fazer o que? Era o que tinha para o momento, e foi ali que ficamos.









Em contrapartida, no finalzinho da tarde o céu cinzento do dia inteiro cedeu espaço a uma luminosidade dourada e um belo pôr do sol – que seriam os únicos poucos minutos de céu limpo em toda a viagem. Depois de desembarcar tudo e tomar um bom banho frio, saímos para uma caminhada tranquila pela pequena vila, quando pudemos contemplar o visual inspirador da Baía de Paranaguá com as montanhas da Serra do Mar ao fundo, com o sol se pondo por trás.


















Dia 3: 38,7 km remados



O derradeiro dia da viagem amanheceu tão ou mais cinzento que os anteriores, com claros sinais de chuva iminente. Como restassem apenas cerca de 20 km para o nosso destino, o tempo ruim não foi relevante para o “ânimo da tropa”.





Saímos remando praticamente em linha reta, afastando-nos da margem pra cortar o caminho das reentrâncias do traçado do litoral. Com isso, em determinado momento vimo-nos como se estivéssemos em alto mar, com água por todos os lados, a margem bem distante, e tudo em torno envolto em diferentes tons de cinza e uma chuvinha fina.

Como não havia uma paisagem nítida a que prestar atenção, concentrei-me no movimento da remada – imaginando os remos como uma espada, cortando o vento, apoiando-se na água, desenhando linhas imaginárias no ar com aquela coreografia repetitiva e bonita.





Inspirado pelo contexto do momento, pus-me a pensar em como eu e meu barquinho éramos pequenos naquela imensidão de água. E que a própria “imensidão” de água era muito pequena diante do tamanho do planeta, e que este era muito pequeno diante da grandeza do universo... O tamanho do universo – esse é um tema que desde há muito tempo me intriga e fascina. Nos tempos de adolescência dizia-se que o universo era infinito. Sempre achei isso muito louco. Como assim, infinito? Não é possível imaginar algo como sendo infinito!... Por outro lado, também é bem difícil imaginar a outra hipótese, de que haja um limite, um lugar onde o universo termine. Se existisse tal “lugar”, o que haveria depois? O nada? Hoje em dia, pelo pouco que andei lendo ou ouvindo falar, parece que passaram a considerar como mais aceita a hipótese de que o universo estaria em expansão... Sim, e daí? O negócio é infinito e continua crescendo? Ou é finito e continua crescendo?



Imagem artístico-psicodélica de um universo "diferente"...


Aproveitando a elucubração, dei uma viajada no mesmo sentido em relação ao tempo. Tentei “pensar” o tempo numa escala “macro”. Diz a ciência que o nosso sol se extinguirá daqui a uns 4 bilhões de anos, parece. Ok, acho que ninguém considera plausível que a humanidade estará por aqui até lá pra ver esse fenômeno espetacular. É muito mais provável que alguma coisa catastrófica aconteça com o nosso mundinho bem antes desse distante evento. Mas consideremos, apenas como exercício de imaginação, que de alguma forma os seres humanos estejam na Terra nesse longínquo futuro. O que haveria depois? Quer dizer, se os humanos fossem extintos, o que seria do universo?... Tudo continuaria igual, apenas sem testemunhas? Ah, sim! Pode haver outros tipos de vida “inteligente” em outros cantos do nosso universo hoje mesmo...

É curioso que consigamos pensar o universo considerando apenas essa perspectiva linear de espaço e tempo. Mas e se não for nada disso? Se houver uma alternativa ao finito ou infinito? Se houver uma alternativa ao tempo como o imaginamos (como, aliás, alguns pensadores e cientistas sugerem – o tempo como uma mera “ilusão de ótica” da nossa mente míope)?

Certa vez ouvi uma comparação muito instigante sobre a maneira do homem enxergar e entender o mundo à sua volta – dizia-se que a forma como o homem vê o universo e imagina Deus seria mais ou menos como um cachorro vê o nosso mundo... No sentido de que ele acha que o mundo todo é só aquilo que ele vê, só aquilo que está ao alcance dos seus olhos. É no mínimo interessante brincar com a ideia de que tudo pode ser bem “diferente” do que imaginamos do nosso pontinho de vista científico-materialista-espiritualista.






Pensando, sonhando e remando fomos transformando o tempo em espaço percorrido, felizmente de forma absolutamente linear e previsível. Outra vantagem do caiaque é que ele requer uma atenção bem relaxada em relação ao ambiente em volta. Não é como na bike, em que é preciso estar muito mais ligado nos detalhes da estrada, no trânsito, etc. Isso permite estar ali, e ao mesmo tempo “dar uma viajada” pra onde quiser.





Avistamos o contorno das edificações de Antonina num tom completamente esmaecido pela névoa que havia tomado conta de tudo. Era meio dia e meia quando encostamos o costado dos caiaques no píer da praça central. Não havia ninguém por perto. Desembarcamos e nos cumprimentamos pelo objetivo conquistado. A chuvinha seguia firme.






Tiramos os barcos da água, trocamos de roupa, demos uma organizada nas coisas e fomos procurar um lugar pra almoçar uma comida quente e caseira. Pouco depois nosso resgate – nosso amigo Alexandre Ferreira - chegou com o carro. Então era só voltar pra casa, menos de 100 km serra acima.

Oxalá possamos ver o tempo passar mantendo acesa essa chama que nos instiga a ir ver o que há depois daquela curva, ou daquela montanha, ou naquele lugar no mapa... Quem sabe um dia, em outra dimensão, possamos ter a ventura de ir ver o que haverá “depois que o universo termina”, ou quem sabe dar um passeio no infinito... [risos]





No link abaixo, um pequeno vídeo com uma compilação de imagens da remada:






Meu muito obrigado ao Manzan, pela companhia amigável, pelos ensinamentos passados, pela paciência, pela boa vontade.

Dentre várias outras vertentes, ele é um mestre na arte de realizar viagens e expedições bonitas, desafiantes e autônomas. Suas (muitas) histórias podem ser acompanhadas no seu blog: alexandremanzan.blogspot.com.br

Obrigado também ao Alexandre Ferreira, que gentilmente quebrou nosso galho indo nos buscar em Antonina ao final da viagem.

E, sempre, à minha base de apoio, Mari e Thaís, pela torcida e por ficar segurando a onda na retaguarda.



Gracias a la vida


Força Sempre












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