Sobre “Walden”
Terminei de ler há alguns dias o livro “Walden”, de Henry
David Thoreau (1817-1862).
Thoreau, nascido em Concord, Massachusetts, na costa leste
dos Estados Unidos, foi uma dessas pessoas que poderíamos chamar de “ponto fora
da curva”. Destacou-se, já no seu tempo, pela habilidade de pensar fora dos
padrões convencionais e, mais do que isso, de viver de acordo com seus valores.
“Walden” conta a história auto biográfica do autor, então com
28 anos de idade, de viver isolado por dois anos, dois meses e dois dias numa
cabana à beira do lago Walden, há alguns quilômetros de distância de sua cidade
natal. A pequena casa que lhe serviu de moradia nesse período foi construída
por ele mesmo, num terreno emprestado de um amigo. Fez parte também dessa vivência o
cultivo dos próprios alimentos, nas terras adjacentes, e, sobretudo, um
minucioso exercício de observação e de imersão na natureza.
A rigor ele não viveu assim tão isolado, como a história
sugere, pois nos conta que ia à cidade com certa frequência, pra saber das
novidades e conversar com as pessoas. Apesar disso, é fato que viveu uma
experiência de afastamento da sociedade e dos apelos e atribulações de sua
época.
Thoreau formou-se em Harvard, mas não engrenou em nenhuma
profissão formal. Labutou em alguns trabalhos ocasionais, mas logo concluiu que
seu chamado estava em outro caminho. Foi um crítico contundente dos modelos e
formatos preestabelecidos de sua época. Sobre o trabalho, por exemplo, dizia
que a maioria das pessoas trabalhava mais do que precisava para ter uma vida
decente, e argumentava que podia-se viver muito bem, com menos recursos e, consequentemente,
menos trabalho.
Pode-se dizer que foi um defensor do modo de vida
minimalista, muito embora esse termo não fosse usado à época. Acreditava que o
excesso de coisas e de necessidades escravizava as pessoas à obrigação de ter
que adquiri-las, e daí decorria uma série de equívocos na forma de levar a
vida.
Mais até do que viver com pouco, era admirador mesmo de certa
austeridade, do rigor consigo mesmo e de poucas amenidades.
O livro não é exatamente uma leitura fluida e empolgante. Em
vários trechos o autor desce a tal nível de detalhes e de explicações de seu
modo de vida, que fica um tanto difícil acompanhar suas descrições.
Mas, bem observado, pode-se concluir que o que ele quis dizer
com tais minúcias não foram exatamente os dados e circunstâncias relatados, mas
talvez o precioso e requintado nível de sua capacidade de observação e de
conexão com a ideia a que ele próprio se propôs.
Sua capacidade de conexão com a natureza transparece nos
detalhes das observações que fez no decorrer dessa vivência. Desde a descrição
criteriosa dos tipos de plantas e animais, passando pelo relato das mudanças
climáticas das estações do ano, até a pormenorizada percepção das nuances do
gelo que cobria o lago no inverno, tudo no livro remete a uma profunda imersão
no ambiente natural no qual estava inserido.
Mas creio que essa bela obra vai ainda além. Penso que
Thoreau buscou, sobretudo, encontrar a si mesmo nessa corajosa vivência a que
se submeteu. Ver-se sem véus e sem desculpas, sem os filtros dos papéis sociais,
sem as obrigações das rotinas da vida em sociedade, sem as distrações que tanto
tempo e atenção nos consomem – eis o desafio que enfrentou e, pode-se dizer,
venceu com maestria. E ainda nos deixou um relato denso e inspirador do caminho
que trilhou.
Não à toa, tornou-se um nome de referência na Filosofia
Ocidental, tendo influenciado o pensamento de destacados escritores e filósofos
que vieram depois dele, até os dias atuais.
Cabe destacar ainda dois belos e inspiradores traços de seu
legado: a convicção que tinha em suas ideias, a despeito de todas as críticas e
preços que teve que pagar para viver seu ideal; e o recado de que o homem
precisa e deve buscar uma conexão sobre humana (pra não dizer espiritual) nas
coisas do mundo; que a vida é mais do que nossas percepções sensoriais nos
sugerem; que precisamos enxergar e ir além da mera sobrevivência material.
Certamente vale a leitura.
*** *** ***
Transcrevo a seguir alguns trechos destacados da obra, a
título de ilustração de suas ideias:
(baseado na edição L&PM Pocket, vol 884, de novembro de
2010, tradução de Denise Bottmann)
“A maioria dos homens, mesmo neste país relativamente livre,
por mera ignorância e erro, vivem tão ocupados com as falsas preocupações e as
lides desnecessariamente pesadas da vida que não conseguem colher seus frutos
mais delicados.” (pág 20)
“A opinião pública é um fraco tirano comparada à nossa
opinião sobre nós mesmos.” (pág 21)
“Como se fosse possível matar o tempo sem ofender a
eternidade.” (pág 21)
“A maioria dos homens leva uma vida de calado desespero.”
(pág 21)
“Parece evidente que os homens escolheram deliberadamente o
modo usual de viver porque o preferiram a qualquer outro. No entanto eles
acreditam honestamente que não tinham outra escolha”. (pag 22)
“Não se pode confiar às cegas em nenhuma maneira de pensar ou
de agir, por mais antiga que seja.” (pág 22)
“A maioria das coisas que meus próximos dizem ser boas,
acredito do fundo da alma que são ruins, e, se me arrependo de alguma coisa,
muito provavelmente é de meu bom comportamento.” (pág 24)
“Uma geração abandona os empreendimentos da outra como navios
encalhados.” (pág 24)
“Confúcio disse: ‘saber que sabemos o que sabemos, e que não
sabemos o que não sabemos, esta é a verdadeira sabedoria.” (pág 25)
“Seria instrutivo levar uma vida rústica e primitiva, mesmo
em plena civilização aparente, ao menos para saber quais são as coisas mais
necessárias à vida e quais os métodos usados para obtê-las.” (pág 25)
“As coisas necessárias à vida humana em nosso clima podem ser
classificadas de maneira razoavelmente precisa sob as várias rubricas de
alimento, abrigo, roupa e combustível.” (pág 25)
“Não só a maioria dos luxos e muitos dos ditos confortos da
vida não são indispensáveis, como são francos obstáculos à elevação da
humanidade.” (pág 27)
“Ser filósofo não apenas ter pensamentos sutis, nem mesmo
fundar uma escola, mas amar a sabedoria a ponto de viver de acordo com seus
ditames, uma vida de simplicidade, independência, generosidade e confiança. É
resolver alguns problema da vida, não apenas teoricamente, e sim na prática.”
(pág 28)
“Mas por que os homens sempre degeneram? O que faz as
famílias se acabarem? Qual é a natureza do luxo que enfraquece e destrói
nações? Temos plena certeza de que nossa vida não guarda nenhum luxo? O
filósofo está à frente de seu tempo também na forma exterior de sua vida.” (pág
28)
“Quando o homem obtém as coisas que são necessárias à vida,
há uma outra alternativa além das coisas supérfluas; a saber, agora que ele
pode descansar do trabalho mais humilde, vai se aventurar na vida.” (pág 28)
“Penso também naquela classe que na aparência é rica, mas na
verdade é a mais terrivelmente pobre de todas, que acumulou um monte de
trastes, mas não sabe como usá-los nem como se livrar deles, e assim forjou
seus próprios grilhões de ouro e prata.” (pág 29)
“A qualquer tempo, a qualquer hora do dia ou da noite, eu
ansiava penetrar na cunha do tempo e também cunhá-lo em meu bordão; colocar-me
no cruzamento de duas eternidades, o passado e o futuro, que é exatamente o
momento presente; pôr-me ali pleno e pronto.” (pág 29)
“Em vez de estudar como fazer com que valesse a pena para os
outros comprar meus cestos, preferi estudar como evitar a necessidade de
vende-los.” (pág 31)
“Decidi montar logo meu negócio usando os magros recursos que
já possuía, em vez de esperar até conseguir o capital habitual.” (pág 32)
“Às vezes perco a esperança de conseguir qualquer coisa
totalmente simples e honesta neste mundo, feita pela mão dos homens.” (pág 37)
“Toda geração ri das modas antigas, mas segue religiosamente
as novas.” (pág 37)
“A longo prazo, os homens só alcançam aquilo que almejam.”
(pág 38)
“O custo de uma coisa é a quantidade do que chamo de vida que
é preciso dar em troca, à vista ou a prazo.” (pág 42)
“O agricultor se debate para resolver o problema da
subsistência com uma fórmula mais complicada do que o próprio problema.” (pág
44)
“Ficaremos sempre estudando como conseguir mais coisas dessas
e nuca, nem de vez em quando, nos contentaremos com menos?” (pág 46)
“A própria simplicidade e despojamento da vida do homem nos
tempos primitivos traz pelo menos esta vantagem, que ainda lhe permitia ser
apenas um hóspede na natureza.” (pág 47)
“Quando o homem constrói sua casa, há aí um pouco a mesma
aptidão com que uma ave constrói seu ninho.” (pág 55)
“Iremos sempre entregar o prazer da construção ao
carpinteiro? O que a arquitetura representa na experiência da maioria dos
homens?” (pág 55)
“O estudante que consegue seu sonhado retiro e lazer evitando
sistematicamente qualquer trabalho necessário ao homem obtém apenas um lazer
indigno e estéril, roubando a si mesmo a experiência, única coisa capaz de
tornar o lazer fecundo.” (pág 59)
“Aprendi que o viajante mais rápido é o que vai a pé.” (pág
61)
“Essa coisa de gastar a melhor parte da vida ganhando
dinheiro para gozar uma duvidosa liberdade em sua parte menos valiosa me faz
lembrar aquele inglês que primeiro foi à Índia fazer fortuna para depois voltar
à Inglaterra e levar uma vida de poeta.” (pág 62)
“Se o sujeito vive com simplicidade e come apenas o que
planta, e não planta mais do come, e não troca por uma quantidade insuficiente
de coisas mais caras e luxuosas, basta cultivar umas poucas carreiras, e que é
mais barato lavrar no braço do que arar com bois, e escolher um novo local de
tempo em tempos em vez de estercar o velho, e que ele pode fazer toda a sua
lida rural com uma mão nas costas, por assim dizer, em algumas horas no verão.”
(pág 64)
“Muito mais admirável é o Bhagavad-Gita do que todas as
ruínas do Oriente! Torres e templos são luxos de príncipes. Um espírito simples
e independente não trabalha sob as ordens de príncipe algum.” (pág 65)
“Quanto às pirâmides, o que mais admira é o fato de terem se
encontrado tantos homens tão degradados que passaram a vida construindo uma
tumba para algum néscio ambicioso, que teria sido mais sábio e mais valoroso
ter afogado no Nilo e depois entregado seu cadáver aos cães.” (pág 66)
“Os homens chegaram a um tal ponto que muitas vezes passam
fome, não por falta do necessário, mas por falta do luxo.” (pág 69)
“Existe uma certa categoria de céticos que às vezes me
perguntam coisas como, se eu acho que posso viver só de vegetais; e para chegar
logo à raiz da questão – pois a raiz é a fé – costumo responder que posso viver
de pregos.” (pág 72)
“Sempre que encontrar um homem você verá que tudo o que ele
tem, coitado, e muito do finge não ter, vai se arrastando atrás dele, até seus
utensílios de cozinha e todos os trastes que ele guarda e não queimará, e o
sujeito vai parecer atrelado àquilo, avançando a duras penas.” (pág 73)
“Todos os meus invernos, bem com a maior parte dos meus
verões, tinha-os livres e disponíveis para estudar.” (pág 75)
“Minha maior habilidade sempre foi precisar de pouco.” (pág
76)
“Àqueles que não saberiam o que fazer com mais tempo livre do
que agora têm, eu aconselharia que trabalhem o dobro do que trabalham agora –
que trabalhem até se alforriar e conseguir o recibo de quitação de suas
dívidas.” (pág 76)
“Em suma, estou convencido, por fé e pela experiência, que se
sustentar nesta terra não é um sofrimento e sim um passatempo, se vivermos com
simplicidade e sabedoria.” (pág 77)
“O homem que segue sozinho pode sair hoje; mas quem viaja com
outrem precisa esperar até que o outro esteja pronto, e a hora da partida pode
demorar muito.” (pág 78)
“É preciso ter talento para a caridade como para qualquer
outra coisa.” (pág 78)
“Para mim, um homem não é um bom homem porque me alimenta se
estou com fome, ou me aquece se estou com frio, ou me tira de uma vala se eu
tiver caído dentro dela. (...) A filantropia não é o amor ao próximo no sentido
mais amplo.” (pág 80)
“Há mil homens podando os ramos do mal para apenas um
golpeando a raiz, e talvez aquele que dedica mais tempo e mais dinheiro aos
necessitados seja quem mais contribui, com seu modo de via, para gerar aquela
miséria que inutilmente tenta aliviar.” (pág 81)
“Devíamos compartilhar nossa coragem, não nosso desespero,
nossa saúde e nosso bem-estar, não nosso mal estar, e cuidar para que este não
se espalhe por contágio.” (pág 82)
“Se algum dia vocês se traírem entrando numa dessas
filantropias, não deixem que a mão esquerda saiba o que a direita faz.” (pág
83)
“Se de fato queremos restaurar a humanidade com meios
realmente nativos, sejamos primeiro simples e saudáveis como a Natureza,
dissipemos as nuvens que nos pesam na fronte, instilemos um pouco de vida em
nossos poros. Se empenhe em se tornar um dos valorosos do mundo.” (pág 84)
“Não prenda teu coração ao que é transitório.” (pág 84)
“Mas eu diria a meus semelhantes, de uma vez por todas:
enquanto der, vivam livres e sem se prender. Pouca diferença faz se você está
preso a um sítio ou na cadeia do condado.” (pág 89)
“Uma morada sem pássaros é como carne sem tempero.” (pág 91)
“É bom te um pouco de água por perto, para dar leveza e
flutuação à terra.” (pág 92)
“Os únicos seres felizes no mundo são os que gozam livremente
de um vasto horizonte.” (pág 93)
“Cada manhã era um alegre convite para viver minha vida com a
mesma simplicidade e, diria eu, inocência da própria natureza.” (pág 94)
“Milhões estão despertos o suficiente para o trabalho físico;
mas apenas um em um milhão está desperto o suficiente para um efetivo esforço
intelectual, apenas um em cem milhões, para uma vida poética ou sublime. Estar
desperto é estar vivo.” (pág 95)
“Desconheço fato mais estimulante do que a inquestionável
capacidade do homem de elevar sua vida por um esforço consciente.” (pág 95)
“Afetar a qualidade do dia, tal é a arte suprema.” (pág 95)
“Fui para a mata porque queria viver deliberadamente,
enfrentar apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o
que ela tinha a ensinar, em vez de, vindo a morrer, descobrir que não tinha
vivido.” (pág 95)
“Queria viver profundamente e sugar a vida até a medula,
viver com tanto vigor e de forma tão espartana que eliminasse tudo o que não
fosse vida; acuá-la num canto e reduzi-la a seus termos mais simples.” (pág 96)
“Nossa vida se perde no detalhe.” (pág 96)
“Simplicidade, simplicidade, simplicidade! E digo: tenham
dois ou três afazeres, enão cem ou mil.” (pág 96)
“Em meio ao oceano encapelado da vida civilizada, são tantas
as nuvens, as tormentas, as areias movediças, os mil e um pontos a levar em
consideração, que um homem, se não quiser naufragar e ir ao fundo sem jamais
atingir seu porto, tem de navegar por cálculo e, para consegui-lo, precisa ser
realmente bom de cálculo.” (pág 96)
“Vivemos a vida mesquinha que vivemos porque nossa visão não
atravessa a superfície das coisas. Pensamos que as coisas são o que parecem
ser.” (pág 101)
“O universo responde constantemente, obediente, às nossas
concepções.” (pág 101)
“Se estamos vivos, vamos cuidar dos nossos afazeres.” (pág
102)
“Sempre lamentei não ser tão sábio quanto no dia em que
nasci.” (pág 102)
“Com um pouco mais de vagar e deliberação na escolha de suas
metas, provavelmente todos os homens se tornariam em essência estudiosos e
observadores, pois decerto nossa natureza e nossa destino interessam a todos
por igual.” (pág 103)
“Minha morada era mais favorável, não só ao pensamento, mas à
leitura séria, do que uma universidade.” (pág 103)
“Ler bem, isto é, ler livros verdadeiros com espírito
verdadeiro, é um exercício nobre, e que exigirá do leitor mais do que qualquer
exercício valorizado pelos costumes do momento. Requer um treino como o dos
atletas, a dedicação constante quase da vida toda a essa objetivo.” (pág 104)
“As mais nobres palavras escritas geralmente estão muito além
ou acima da linguagem oral fugidia, tal como o firmamento com suas estrelas está
além das nuvens.” (pág 105)
“Uma palavra escrita é a mais valiosa relíquia. É algo ao
mesmo tempo mais íntimo e mais universal do que qualquer outra obra de arte.”
(pág 106)
“Os livros são o tesouro do mundo e a digna herança de
gerações e nações.” (pág 106)
“Só é leitura em sentido elevado, aquela em que temos que
ficar na ponta dos pés para ler e à qual devotamos nossas horas mais despertas
e alertas.” (pág 107)
“Confesso que não faço nenhuma grande diferença entre o
analfabetismo do concidadão que não sabe ler uma letra e o analfabetismo
daquele que aprendeu a ler apenas coisas para crianças e inteligências fracas.”
(pág 110)
“Gastamos mais em praticamente qualquer item de nossa saúde
ou falta de saúde física do que em nossa saúde mental. É hora de termos escolas
incomuns, para não abandonarmos nossa educação no momento em que entramos na
idade adulta. (pág 111)
“Pobres de nós: tendo de alimentar o gado e cuidar da loja, ficamos
longe da escola tempo demais e nossa educação é tristemente esquecida.” (pág
111)
“Nenhum método ou disciplina pode substituir a necessidade de
se estar sempre alerta. O que é um curso de história, de filosofia ou de
poesia, por mais seleto que seja, ou a melhor companhia ou a mais admirável
rotina de vida, em comparação à disciplina de olhar sempre o que há para ser
visto?” (pág 113)
“Às vezes, numa manhã de verão, depois de tomar meu banho
costumeiro, eu ficava sentado à minha porta ensolarada desde o nascer do sol
até o meio dia, enlevado num devaneio, entre os pinheiros, as nogueiras e os
sumagres, em serena solidão e quietude, enquanto as aves cantavam ao redor ou
cruzavam a casa num voo silencioso, até que, com o sol batendo em minha janela
ocidental ou o ruído da carroça de algum viajante na estrada à distância, eu
era lembrado do passar do tempo.” (pág 113)
“De modo geral, eu não me importava como transcorriam as
horas. (...) Era de manhã, e eis que de repente era o entardecer, e eu não
tinha feito de nada de memorável. Em vez de cantar como os pássaros, eu sorria silenciosamente
à minha sorte incessante.” (pág 114)
“Meus dias não eram dias da semana, trazendo o sinete de
alguma divindade pagã, e tampouco eram picotados em horas e esfolados pelo tique-taque
de um relógio.” (pág 114)
“Sem dúvida, para meus concidadãos isso era pura ociosidade;
mas se as aves e as flores tivessem me testado pelo critério delas, eu nada
ficaria a dever. Um homem deve encontrar as ocasiões próprias em si mesmo,
certamente. O dia natural é muito calmo, e dificilmente lhe reprovará a
indolência.” (pág 114)
“Siga seu gênio, e ele nunca vai deixar de lhe mostrar uma
nova perspectiva a cada hora.” (pág 114)
“Tenho, por assim dizer, meu sol, minha lua e minhas
estrelas, e todo um pequeno mundo só para mim.” (pág 130)
“Não há como existir nenhuma negra melancolia para quem vive
entre a Natureza e tem serenidade dos sentidos.” (pág 131)
“Enquanto desfruto a amizade das estações, sinto que nada
conseguirá fazer da vida um fardo para mim.” (pág 131)
“Nunca me senti solitário, ou sequer oprimido por um
sentimento de solidão, exceto um única vez, e foi poucas semanas depois de ter
vindo para a mata, quando, durante uma hora, fiquei em dúvida se a proximidade
humana não seria essencial para uma vida serena e saudável.” (pág 131)
“No meio de uma chuva mansa, tomado por esses pensamentos, de
súbito senti uma companhia tão doce e benéfica na Natureza, no próprio
tamborila das gotas de chuva, em cada som e cada imagem ao redor da minha casa,
uma amistosidade infinda e inexplicável, tudo ao mesmo tempo, como uma atmosfera
me sustentando.” (pág 131)
“Tive uma percepção tão clara da presença de uma afinidade,
mesmo em cenários que costumamos considerar tristes e ermos.” (pág 132)
“Esta terra inteira que habitamos é apenas um ponto no
espaço.” (pág 132)
“Descobri que nem o maior esforço das pernas consegue
aproximar dois espíritos. Queremos morar perto do que?” (pág 133)
“Quão vasta e profunda é a influência dos poderes sutis do
Céu e da Terra!” (pág 134)
“Com o pensamento, podemos estar ao nosso próprio lado, num
sentido saudável.” (pág 134)
“Acho saudável ficar sozinho a maior parte do tempo. Ter
companhia, mesmo a melhor delas, logo cansa e desgasta. Gosto de ficar sozinho.
Nunca encontrei uma companhia mais companheira do que a solidão. Em geral
estamos mais solitários quando saímos e convivemos com os homens do que quando
ficamos em nossos aposentos.” (pág 135)
“O convício social, geralmente, é banal demais.” (pág 135)
“Vivemos sempre juntos, um no caminho do outro, um tropeçando
no outro, e penso que assim perdemos um certo respeito mútuo. Sem dúvida, uma
menor frequência bastaria para todas as comunicações importantes e sinceras.”
(pág 135)
“E como eu não me entenderia com a terra? Não sou também
folha e húmus?” (pág 137)
“As pessoas, como as nações, precisam de fronteiras
adequadas, largas e naturais, e mesmo um considerável espaço neutro entre elas.”
(pág 140)
“Meninas, meninos, moças em geral pareciam contentes de estar
na mata. Olhavam o lago e as flores, e aproveitavam o tempo. Os homens de
negócios, mesmo os agricultores, só pensavam na solidão e no trabalho, e na
grande distância entre minha morada e qualquer outra coisa. (...) Homens
impacientes e cheios de compromissos, como todo o tempo ocupado em ganhar ou
manter a vida.” (pág 150)
“O fundo da questão é que, se um homem está vivo, há sempre o
perigo de que possa morrer. (...) Um homem cria os riscos que corre.” (pág 151)
“O que hei de aprender sobre o feijão, e o feijão sobre mim?
Cuido, dou uma carpida, de manhã e de tarde dou uma olhada nele; e esta é minha
jornada de trabalho.” (pág 152)
“O trabalho manual, mesmo quando se torna enfadonho e pesado,
talvez nunca seja a pior forma de ociosidade. Ele guarda uma moral constante e
imperecível.” (pág 154)
“Assim, aqueles dias de verão que alguns contemporâneos meus
dedicavam às belas artes em Boston ou Roma, e outros à contemplação na Índia, e
outros ao comércio em Londres ou Nova York, eu, com os demais agricultores da
Nova Inglaterra, dediquei à lavoura.” (pág 158)
“Nunca trapacearíamos, insultaríamos, expulsaríamos uns aos
outros com nossa mesquinharia, se houvesse um cerne de valor e amizade.” (pág
161)
“Algo que sempre nos faz bem (...) é reconhecer alguma
generosidade no homem ou na Natureza, partilhar alguma alegria pura e heroica.”
(pág 161)
“Todos os dias, ou dia sim, dia não, eu andava até o povoado
para ouvir um pouco dos mexericos que circulam incessantemente por lá, (...)
que, tomados em doses homeopáticas, realmente eram, à sua maneira, tão revigorantes
quanto o farfalhar das folhas e o chilrar das rãs. Tal como eu caminhava pela
mata para ver os pássaros e os esquilos, também caminhava pelo povoado para ver
os homens e os meninos.” (pág 163)
“Só quando nos perdemos, em outras palavras, só quando
perdemos o mundo, é que começamos a nos encontrar, entendemos onde estamos e
compreendemos a infinita extensão de nossas relações.” (pág 167)
“Onde quer que um homem vá, os homens vão persegui-lo a
agarrá-lo com as patas sujas de suas instituições sórdidas, e, se puderem, vão obrigá-lo
a fazer parte de sua temerária sociedade (...).” (pág 167)
“Nunca fui molestado por ninguém, a não ser pelos
representantes do Estado.” (pág 167)
“Talvez não exista na face da Terra nada tão límpido, tão
puro e, ao mesmo tempo, tão vasto quanto um lago. (...) Algum dia, quem sabe,
olharemos do alto a superfície do ar, e veremos por onde a percorre um espírito
ainda mais sutil.” (pág 183)
“Naquela água transparente, aparentemente sem fundo,
refletindo as nuvens, eu me sentia flutuar no ar como um balão.” (pág 184)
“Quando era mais jovem, eu passava muitas horas flutuando em
sua superfície ao sabor do zéfiro, depois de remar até o centro dele, deitado
de costas e de comprido nos bancos, no final das manhãs de verão, perdido em
devaneios, até ser despertado pelo barco tocando a areia, e levantava para ver
a que praia meus fados haviam me impelido; dias em que o ócio era o trabalho
mais atraente e produtivo. Muitas manhãs roubei, preferindo passar assim a
parte mais valiosa do dia; pois eu era rido não em dinheiro, e sim em horas de
sol e dias de verão.” (pág 186)
“Em vez de visitar eruditos, fiz muitas visitas a certas
árvores, de espécie rara aqui na região, no meio de algum remoto pasto, nos
recessos de algum bosque ou pântano, ou no alto de alguma colina.” (pág 194)
“Mas a única verdadeira América é o país onde você tem liberdade
de seguir um modo de vida que lhe permita passar sem essas coisas, e onde o
Estado não se empenha em obrigá-lo a sustentar a escravidão, a guerra e outras
despesas supérfluas que, direta ou indiretamente, resultam do uso de tais
coisas.” (pág 198)
“Vai, vai pescar e caçar todos os dias ao derredor – e ao
redor do derredor – e descansa sem receio junto aos riachos e às lareiras.
Lembra teu Criador enquanto és jovem. Levanta-te despreocupado antes do
alvorecer, e vai em busca de aventuras. Que o meio dia te encontre em outros
lagos, e que seja lar onde quer que a noite te surpreenda. Não existem campos
mais vastos a percorrer nem jogos mais importantes a jogar.” (pág 200)
“Abriga-te sob a nuvem, enquanto eles fogem para as carroças
e telheiros. Que teu sustento não te seja profissão, e sim esporte. Goza a
terra, não sejas o dono dela. É por falta de iniciativa e de fé que estão os
homens onde estão, comprando e vendendo, gastando a vida como servos.” (pág
200)
“Devíamos chegar em casa vindos de longe, de aventuras e
perigos, de descobertas diárias, com um novo caráter e com novas experiências.”
(pág 201)
“Eu encontrava, e ainda encontro, em mim, um instinto para
uma vida mais elevada ou, como dizem, espiritual, como ocorre com muitos homens,
e um instinto para um nível primitivo e a vida selvagem, e reverencia ambos.”
(pág 203)
“Às vezes gosto de agarrar a vida com rudeza e passar meu dia
à semelhança dos animais.” (pág 203)
“Pescadores, caçadores, lenhadores e outros que passam a vida
nos campos e florestas, em certo sentido como partes da própria Natureza, muitas
vezes têm melhor disposição para observá-la, nos intervalos de suas atividades,
do que os filósofos ou mesmo os poetas, que se aproximam dela com muita
expectativa.” (pág 203)
“Há algo de essencialmente impuro nessa dieta e em qualquer
carne.” (pág 206)
“A objeção prática ao consumo de carne, em eu caso, era a
impureza; além disso, depois de apanhar, limpar, cozinhar e comer meu peixe, eu
não me sentia essencialmente nutrido. Era uma coisa insignificante e
desnecessária, e custava mais do que rendia. Um pouco de pão ou algumas batatas
teriam dado na mesma, com menos incômodo e menos sujeira.” (pág 207)
“Acredito que todo homem que algum dia se empenhou seriamente
em preservar ao máximo suas faculdades poéticas ou mais elevadas teve uma
especial propensão em se abster de alimentos de origem animal, e de grandes quantidades
de qualquer alimento.” (pág 207)
“Não tenho dúvida de que faz parte do destino da espécie
humana, em seu gradual aperfeiçoamento, deixar de comer animais.” (pág 208)
“Quando um homem dá ouvidos às sugestões levíssimas, mas
constantes, de seu gênio interior, que certamente são verdadeiras, ele não sabe
a que extremos, ou mesmo a que loucura, pode ser levado; e no entanto é aí, à
medida que se torna mais firme e fiel, que encontra seu caminho.” (pág 208)
“Se o dia e a noite são tais que você os acolhe com alegria,
se a vida emana um perfume como as flores e ervas docemente aromáticas, e é
mais flexível, mais cintilante, mais imortal – este é o seu sucesso.” (pág 209)
“Os maiores valores e ganhos são os mais difíceis de ser
apreciados. Não raro chegamos a duvidar que existam.” (pág 209)
“Talvez os fatos mais assombrosos e mais reais nunca sejam
comunicados de homem a homem. A verdadeira colheita de minha vida diária é
intangível e indescritível como as cores da manhã ou do anoitecer.” (pág 209)
“Nossa vida é alarmantemente moral. Nunca há um instante de
trégua entre a virtude e o vício. A bondade é o único investimento que nunca
falha.” (pág 210)
“Temos consciência de um animal dentro de nós, que desperta
na proporção em que nossa natureza mais elevada adormece.” (pág 211)
“A energia criadora, que se dissipa e nos torna impuros
quando estamos à solta, revigora-nos e nos inspira quando somos continentes. A
castidade é o florescimento do homem; e o que se chama Gênio, Heroísmo,
Santidade e similares não são senão os vários frutos que se seguem a ela. O
homem flui diretamente para Deus quando o canal da pureza está desobstruído.”
(pág 211)
“A sensualidade é uma só, mesmo que assuma muitas formas; a
pureza é uma só. Tanto faz se um homem come, bebe, coabita ou dorme
sensualmente.” (pág 212)
“Todo homem é o construtor de um templo, chamado corpo (...).
Somos todos escultores e pintores, e nosso material é nossa própria carne,
nosso sangue e nossos ossos. Toda nobreza logo começa a refinar os traços de um
homem; toda mesquinharia ou sensualidade, a embrutecê-lo.” (pág 213)
“Uma voz lhe disse: por que você fica aqui e vive esta vida
mesquinha e cansativa, quando lhe é possível uma existência gloriosa? (...) Mas
como sair desta condição e realmente migrar para lá? A única ideia que lhe ocorreu
foi praticar alguma nova austeridade, deixar a mente lhe entrar no corpo e
redimi-lo, e tratar a si mesmo com respeito sempre maior.” (pág 214)
“Recolhi-me ainda mais em minha concha, e me dediquei a
manter um fogo brilhante dentro de minha casa e dentro do meu peito.” (pág 237)
“Sempre se pode enxergar um rosto no fogo. O trabalhador,
olhando-o à noite, purifica seus pensamentos eliminando os refugos e aspectos
terrenos que se acumularam neles durante o dia.” (pág 243)
“Mas ali estava a alvorecente Natureza, na qual vivem todas
as criaturas, olhando por minhas janelas largas com um rosto sereno e
satisfeito, e nenhuma pergunta em seus lábios. Acordei para uma pergunta já
respondida, para a Natureza e a luz do dia.” (pág 268)
“A Natureza não faz nenhuma pergunta e não responde a nenhuma
que fazemos nós mortais.” (pág 268)
“Seríamos abençoados se vivêssemos sempre no presente, e
aproveitássemos toda ocorrência que nos sucede, como o capim que revela a
influência do mais leve orvalho a umedecê-lo, em vez de gastar o nosso tempo
expiando a perda de oportunidades passadas." (pág 297)
“Ao mesmo tempo em que queremos explorar e aprender todas as
coisas, esperamos que todas as coisas sejam misteriosas e insondáveis, que a
terra e o mar sejam infinitamente selvagens, imapeados e insondados porque
insondáveis. Nunca nos cansaremos da Natureza.” (pág 300)
“Seja o Colombo de novos continentes e mundos inteiros dentro
de si mesmo, abrindo novos canais, não de comércio, mas de pensamento.” (pág
303)
“Deixei a mata por uma razão tão boa quanto a que me levou
para lá. Talvez me parecesse que eu tinha várias outras vidas a viver, e não
podia dedicar mais tempo àquela. É notável a facilidade e a insensibilidade com
que caímos numa determinada rotina, e construímos uma trilha batida para nós
mesmos.” (pág 305)
“A pureza amada pelos homens é como a neblina que envolve a
terra, e não como o éter-celeste mais além.” (pág 307)
“Que cada qual cuide de seus afazeres, e se empenhe em ser
como foi feito.” (pág 307)
“Se um homem não mantém o passo com seus companheiros, talvez
seja porque ouve um outro toque de tambor.” (pág 307)
“Sua perseguição de um único fim, sua resolução e sua elevada
devoção o dotaram, sem que soubesse, da eterna juventude.” (pág 308)
“Por mais mesquinha que seja sua vida, aceite-a e viva-a; não
se esquive a ela nem a trate em termos duros. (...) Quem vê defeito em tudo
verá defeitos até no paraíso. Ame sua vida, por pobre que seja.” (pág 309)
“O poente se reflete na janelas do albergue de mendigos com o
mesmo fulgor com que brilha na morada dos ricos. (...) Não vejo por que um
espírito sereno não possa viver com o mesmo contentamento e com pensamentos
alegres num asilo ou num palácio.” (pág 309)
“Se eu estivesse confinado ao canto de um sótão por todos os
meus dias, como uma aranha, o mundo continuaria igualmente vasto para mim,
enquanto eu estivesse com meus pensamentos.” (pág 310)
“A riqueza supérflua só pode comprar supérfluos. Não é
preciso dinheiro para comprar o necessário à alma.” (pág 310)
“Tenho prazer em seguir meus rumos – não desfilar com pompa e
ostentação num local em evidência, mas andar junto com o Construtor do
universo, se puder.” (pág 311)
“Gosto de pensar, de assentar, de gravitar para aquilo que me
atrai com mais força e retidão –não me segurar no braço da balança e tentar
pesar menos – não supor um caso, mas tomar o caso tal como é; percorrer o único
caminho que posso, e no qual nenhum poder é capaz de resistir a mim.” (pág 311)
“Finque o prego e dobre sua ponta com tal firmeza que você
possa acordar de noite e pensar com satisfação em seu trabalho – um trabalho
para o qual não se envergonharia de invocar a Musa.” (pág 311)
“Mais do que o amor, do que o dinheiro, do que a fama,
deem-me a verdade.” (pág 312)
“A luz que extingue nossos olhos é escuridão para nós. Só
amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia nunca cessa de amanhecer.”
(pág 314)
E aí, o que achou?
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Extra:
No dia 23 de maio fui, mais uma vez, fazer uma remada solo na represa Passaúna, aqui em Curitiba. Estava um dia espetacularmente claro e azul. Remei cerca de cinco horas praticamente sem interrupção, tentando, tanto quanto possível, não pensar em nada.
Ainda me surpreendo com a incrível capacidade desse fantástico equipamento que é o caiaque oceânico de nos transportar para outras "dimensões". Só posso ser grato por esse dia e por essas possibilidades.
Gratidão
Força Sempre