Viagem de bicicleta
Curitiba – Garuva –Campo Alegre – Curitiba
403 km/ 3.685m de elevação em 4 dias
*em parceria com:
Cláudio Cararo
Nilson Augustinczyk e
Samuel Vieira Júnior
Fui convidado pra essa viagem
pelos amigos Cláudio, Nilson e Samuel (companheiros da viagem de bike pela
Cordilheira dos Andes em fevereiro do ano passado) meio em cima do laço, dois
dias antes do dia previsto pra partida. No entanto, a ideia de fazer uma
viagenzinha de bike pelas cidades próximas a Curitiba sempre está por aí,
rondando nosso imaginário. Aproveitando pois essa predisposição, aceitei o
chamamento, arrumei minhas coisas e me juntei ao grupo.
O nosso amigo Marcão havia
marcado um pedal de 100 km no sábado, na região de Garuva, com amigos daquela
cidade. A ideia, portanto, era unir o nosso roteiro a esse encontro em terras
catarinenses. O plano era descer pra Garuva na sexta-feira, fazer o passeio por
lá no sábado e no domingo iniciar o retorno pra casa, via Campo Alegre, subindo
a Serra Dona Francisca.
Encontramo-nos pouco antes das
seis da manhã da sexta-feira em um posto de serviços junto à BR 277, na saída
de Curitiba. A partir de lá, descemos a Serra do Mar por essa rodovia, e depois
pegamos a Estrada da Limeira, cerca de 80 km de estrada de terra até Garuva.
Apenas na saída tivemos o privilégio de ver um pouco de um céu azul, logo
depois e pelo resto do dia o que predominou, conforme a previsão, foi um céu
nublado e carregado, com chuva firme nas duas últimas horas de pedal.
Chegamos ao nosso destino do dia
por volta das 15 horas. Quase chegando ao hotelzinho em que ficaríamos, ouço um
forte estalo na roda dianteira e logo em seguida percebo que a roda ficou toda
desalinhada. Um raio havia se rompido. Menos mal que foi, digamos assim, no
lugar e na hora certa. Dirigi-me a uma bicicletaria local, onde o mecânico
rapidamente conseguiu consertar o raio quebrado, substituindo um parafuso de
fixação.
Choveu praticamente a noite
inteira. No dia seguinte, cedo, fomos ao encontro do grupo com quem
pedalaríamos na região: nossos amigos Marcão e Manholer, vindos de Curitiba,
mais três ciclistas locais, Helinton, Matheus e Ricardo.
Ao longo do dia fizemos o giro previsto
de pouco mais de 100 km, seguindo até a aprazível Vila da Glória, e depois
retornando pelo Ferry Boat que dá acesso às redondezas de Joinville, e de lá de
volta a Garuva. Surpreendentemente conseguimos escapar quase totalmente da
chuva que estava prevista, mas o tempo esteve bem úmido e, em certos momentos
bem quente. Destaque para o farto e caprichado almoço à base de frutos do mar em
um restaurante na Vila da Glória (difícil foi retomar o ritmo da pedalada
depois) e para os diversos e pitorescos barzinhos em que paramos ao longo do
trajeto, pra reidratar com água e outras bebidas mais específicas, ao gosto de
cada um...
O lado bom do percurso foi a
altimetria amigável, preponderantemente plana, e a paisagem bucólica na maior
parte do trajeto. Por outro lado, nossos amigos locais estavam animados e
imprimiram um ritmozinho mais intenso nos pedais, instigando-nos a acompanhá-los,
o que também foi bem divertido, no final das contas.
O terceiro dia amanheceu com um
céu ainda mais nublado que o dia anterior, dissipando, de início, qualquer esperança
de melhora no tempo. Para esse dia havia uma ponta de intenção de fazer todo o
trajeto até Curitiba (cerca de 160 km com bastante altimetria) numa tacada só,
muito embora só o Claudio estivesse mesmo confiante nessa possibilidade.
Portanto combinamos de ir tocando, fazer a Serra Dona Francisca e depois ver o
que faríamos.
No começo da subida da Serra, por
volta das dez horas, a chuva que estava se anunciando desde cedo veio com
convicção. Assim, fizemos os 14 km de subida debaixo d’água e quase sem
perceber, de temperatura decrescente. No final da ascenção, quando nos demos
conta, estávamos gelados e totalmente molhados.
Fizemos uma rápida parada numa
banquinha à beira da estrada pra tomar alguma coisa e tentar recuperar o
controle da situação. O rapaz, dono da instalação, nos contou que no ano
passado ele e um amigo foram até Porto Alegre de bicicleta, “levando tudo”,
acampando. Interessante como ele contou isso com orgulho, e de certa forma,
querendo dizer que esse negócio de ficar em hotel é uma pegada mais “light” e
coisa e tal. Acho a maior graça desse tipo de comentário. Cada louco com a sua
mania, e no final, nem os loucos se entendem.
Dali pra frente a chuva engrossou
e o frio aumentou ainda mais. Nos ferramos de verde e amarelo, mas também nos
divertimos, logicamente. Afinal, literalmente, quem tá na chuva é pra se
molhar, não?
No entanto, esse aperto nas
adversidades nos convenceu a tirar nosso time de campo ao chegarmos em Campo
Alegre, deixando a próxima etapa para o dia seguinte. Assim, reservamos o
restante da tarde pra descansar e espantar o frio que nos gelava os ossos,
ainda que com fome, pois não havia nenhuma opção disponível de entrega de
comida naquele horário na cidade. Mas o hotelzinho em que ficamos era bem
ajeitadinho e foi um prazer curtir aquela tarde chuvosa de domingo vendo os
pingos caírem do lado de fora das janelas.
Na segunda-feira, refeitos do
pequeno perrengue do dia anterior, saímos com a disposição renovada e com a boa
expectativa de chegar em casa ao final da jornada. O primeiro trecho, até
Tijucas do Sul, foi bem bonito e bem duro em termos de altimetria, com muitos e
intensos sobe e desce, praticamente sem trecho plano. O tempo melhorou. Chegou até
a sair um solzinho e em alguns trechos
faces de um céu azul, mas logo voltou a nublar
e a cair pancadas de chuva isoladas.
Em Tijucas fizemos um lanche numa
padaria local e tocamos o barco. O trecho seguinte foi mais tranquilo em termos
de altimetria, seguindo por uma estradinha de terra paralela e bem próximo da
BR 376, até chegar às imediações de Curitiba, quando não teve jeito de escapar
do trânsito voraz e intenso da grande cidade, mas deu tudo certo. Mais um pouco
e estávamos já perto de casa, quando nos separamos, cada um seguindo o seu
caminho, encerrando assim nosso pequeno passeio.
Pouco depois, à noite, o Claudio
ainda teve a paciência e gentileza de nos receber em sua casa para aí sim,
comemorarmos a brincadeira e já começar a pensar nas próximas...
Há, nessas vivências, certas
passagens impossíveis de serem registradas em fotos e difíceis mesmo de dizer
em palavras, como aqueles meninos esperando o ônibus escolar num barzinho à
beira da estrada, no meio do nada, com olhares inocentes e cheios de esperança;
ou, por outro lado, um velho numa cadeira de rodas, pernas amputadas, em um
outro bar, sozinho, fumando seu cigarro, observando a movimentação em volta; ou
ainda duas velhas amigas sentadas à varanda de casa, às oito e meia da manhã,
bebendo cerveja e brindando à nossa passagem; ou aquele casal de idosos, também
sentados na frente de sua casa, com um jardim muito bem cuidado, numa manhã
chuvosa de domingo, com olhar perdido ao longe; ou o jovem solitário em sua
mountain bike, bem equipado e disposto, sumindo numa estradinha próxima, saindo
para o seu treino diário; cenas aleatórias e fugazes, cheias de significado, de
histórias e de vida. Pessoas, cada uma no seu mundo, na sua realidade, na sua
possibilidade, na sua “loucura”, no seu roteiro de vida, unidas casualmente num
mesmo espaço e tempo, mas tão distantes e diferentes como galáxias espalhadas
num céu infinito. No final das contas, é tudo um grande grande labirinto.
Estive pensando que viagens assim
não devem (e não podem) ser analisadas, por quem as viveu, de uma forma óbvia.
Essas coisas valem mesmo, afinal, muito mais pela ideia e pela curtição do que
pelo “resultado” que delas advém. Se choveu ou fez sol, frio ou calor, se teve
ou não muita subida, se houve pane mecânica, que importa? Quem se importa? Vale
mais a vivência ou as lembranças? Questão complexa... E provavelmente pouco
importante. Vale o que vale. Quem fez sabe.
Vamos juntos?
1º dia, 29 Out, sexta-feira
Curitiba a Garuva, 120 km, 800m de ganho de elevação
2º dia, 30 Out, sábado
Garuva - Vila da Glória - Garuva, 109 km, 350m de ganho de elevação
3º dia, 31 Out, domingo
Garuva a Campo Alegre, 68 km, 1.380m de ganho de elevação
4º dia, 1º Nov, segunda-feira
Campo Alegre a Curitiba, 105km, 1.155m de ganho de elevação
Meu muito obrigado aos companheiros de caminho, Cláudio, Nilson e Samuel, pela parceria e aprendizado. Sempre em frente! Boa, time!
Agradecimento também ao amigo Marcão por ter organizado o pedal em Garuva e pelo entusiasmo de sempre, bem como aos amigos de Garuva, Helinton, Matheus e Ricardo, por ter nos recebido e nos guiado pelo percurso previsto.
"O horizonte está nos olhos e não na realidade."
(Angel Ganivet)
Gratidão
Força Sempre