* Em parceria com William Siqueira Salles
A Trilha Rui Braga liga a parte baixa à alta do Parque
Nacional do Itatiaia, no estado do Rio de Janeiro. É um percurso de cerca de 20
km de extensão e pode ser feito tanto subindo quanto descendo a montanha.
Há algum tempo a ideia de percorre-la surgiu nas conversas
entre eu e o amigo William, e mais recentemente resolvemos assumir o
compromisso de implementar a proposta. Em seguida marcamos a data e pusemos os
eventos em marcha.
Decidimos pelo sentido ascendente, de certa forma, pra curtir
a sensação inspiradora de estar indo em direção à montanha, apesar do esforço
acentuadamente maior do que faze-la descendo.
Até é possível percorrer todo o trajeto em apenas um dia,
desde que se adote um ritmo mais dinâmico e leve, apenas com uma mochilinha de
ataque para a jornada. Mas, desejosos de aproveitar a oportunidade pra fazer um
acampamento selvagem em meio à montanha, optamos pelo estilo tradicional de
levar uma mochila cargueira com todo o material de camping, alimentos, água e
roupas extras de frio. Dessa forma, no final das contas, estávamos com as
mochilas bem carregadas e pesadas.
Contratamos um motorista que nos levou do centro de Itatiaia
até o início da trilha (e nos buscou no dia seguinte, no ponto em que terminamos),
e pouco antes das dez horas da manhã estávamos dando os primeiros passos
caminho afora.
O dia estava claro e agradável, com uma luminosidade bonita
esgueirando-se por entre os galhos das árvores. Nas primeiras cinco horas e
pouco estivemos caminhando no meio da mata fechada, com vegetação exuberante em
volta. O caminho encontrava-se bem fechado, com a trilha ficando pouco nítida
em vários pontos, exigindo certa atenção, mas nada que tenha chegado a gerar
dúvida, já que praticamente não há bifurcações ou rotas cruzadas no percurso.
Por volta das 15 horas tivemos o primeiro vislumbre do
longínquo horizonte que se estendia na direção do vale do Paraíba, sob um
simpático céu azul banhado pela luz da meia tarde. A vegetação foi se
modificando rapidamente e logo estávamos em outro ambiente, sem árvores altas, com
grandes pedras começando a aparecer e a inclinação da trilha se acentuando.
Cerca de duas horas mais tarde, já sentindo o cansaço físico
nos exigir um pouco de determinação em prosseguir com o nosso propósito,
avistamos os contornos do Abrigo Massena, onde pretendíamos passar a noite. As
instalações desse importante ponto de referência nesse caminho estão em
lamentável estado de ruína. Apenas as paredes, feitas de pedra, permanecem
intactas. Dos vários cômodos do que outrora deve ter sido um belo refúgio de
montanha, apenas a sala principal está livre do mato, por força certamente da
ocupação eventual dos caminhantes que por lá passam.
Havia um grupo de nove pessoas acampado no local. Eles
estavam fazendo o sentido inverso do nosso, ou seja, estavam descendo para a
sede do Parque em Itatiaia. Optamos por montar nossas barracas no capim em
frente à casa, pra não interferir no espaço do grupo, que já estava instalado
no interior da casa, bem como pra aproveitar a maciez do terreno pra acolchoar
nosso assoalho de tecido.
Por volta das 20 horas fizemos nosso jantar, à base de uma
refeição pronta liofilizada, e logo depois subimos um morrinho que havia ali do
lado, pra apreciar a paisagem noturna que se estendia a perder de vista. Era
realmente uma cena impressionante e belíssima: as luzes das cidades próximas
reluzindo ao longe, bem agrupadas em cada núcleo urbano, algumas luzes perdidas
na escuridão em diferentes alturas da Serra do Mar, cujo vulto se podia
distinguir após o vale do emblemático Rio Paraíba do Sul, e, fora isso, a
instigante escuridão. Por cima de tudo, um maravilhoso céu repleto de estrelas
brilhantes e enigmáticas. Um desses momentos que, por si só, valem a viagem.
Ficamos por ali quase uma hora, conversando sobre a vida do dia-a-dia e, de vez
em quando, arriscando palpites sobre os mistérios da eternidade.
De volta ao aconchego das nossas barracas (após alguns
minutos de certa dificuldade pra achar o caminho de retorno), tivemos a justa
recompensa de uma excelente noite de sono.
No segundo dia acordamos sem pressa por volta das sete horas
da manhã, tomamos nosso desjejum, arrumamos nossas coisas e pusemo-nos no nosso
caminho montanha acima, apreciando intensamente o frescor dessas primeira horas
do dia.
O caminho, nesse trecho, vai se tornando cada vez mais
peculiar e típico de montanha. Aos poucos vão aparecendo as grandes formações
rochosas que tão bem representam aquela região, como as Prateleiras e o maciço
do Pico Agulhas Negras. Junto com elas vão surgindo nas nossas mentes
lembranças de histórias vividas ali há quase três décadas, quando circulávamos
pela região nos diversos exercício da AMAN ou nas nossas andanças exploratórias
de final de semana, na nossa época de cadetes. Muito bacana essa ligação com o passado
que certos lugares nos proporcionam.
Às onze e meia estávamos no Abrigo Rebouças, que, felizmente,
ao contrário dos demais refúgios, encontra-se bem cuidado e estruturado. Esse é
outro local emblemático naquela região, que traz à tona muitas lembranças de
momentos diversos vividos ali.
Pouco depois prosseguimos nossa caminhada por mais 3 km até a
cancela de entrada do Parque, ponto conhecido como Posto do Marcão, onde
havíamos combinado de nos encontrar com o rapaz que nos resgataria com o carro.
Como ainda era cedo em relação ao horário marcado para o encontro (que seria às
16 horas), resolvemos prosseguir caminhando pela estrada, agora descendo, até
nos encontrar com o nosso contato.
Essa estrada é também um belo cenário para uma caminhada
despreocupada num domingo à tarde. Acontece que, a essa altura do campeonato, alguns pontos de desconforto e
dor fustigavam essa sonhada tranquilidade.
Em determinado momento encontramos, à beira da estrada, um senhor com
uma banquinha vendendo alguns itens de sua produção, como queijos, manteiga e
geleia caseira. Cena inusitada para um lugar tão isolado e com tão pouca
circulação de pessoas. Puxamos conversa e o simpático senhor, com típico
sotaque mineiro, contou-nos alguns detalhes dos seus produtos e do seu sítio,
com tanta espontaneidade e delicadeza, que fez do rápido encontro um momento agradável
de ser vivenciado.
Fomos caminhando e conversando até que, quando vimos, já
estávamos praticamente no final da estrada de terra, quase chegando ao asfalto,
quando de repente nos encontramos com o nosso resgate, subindo de carro.
Encerrávamos ali o nosso passeio.
Ao entrar no carro, comentei com o motorista, casualmente:
“de volta à civilização”, ao que ele respondeu, com ar brincalhão: “de volta
aos problemas”. De certa forma, é verdade. Fazer uma caminhada como essa, mesmo
que seja por apenas algumas horas, nos dá essa incrível sensação de estar à
parte do mundo e dos seus inevitáveis “problemas” por esse espaço de tempo.
Mas, a rigor, devemos reconhecer que cada contexto tem suas mazelas e suas
recompensas, seus perrengues e seus trunfos. Cabe-nos buscar administrar essa
equação e tentar extrair de cada momento e de cada escolha aquilo que de melhor
há para ser aproveitado.
Mais do que pela trilha em si ou pela paisagem, essa caminhada
valeu demais pela oportunidade de convivência que tive com o meu grande amigo
William, amizade essa que já soma mais de trinta anos de fraterno respeito e
afinidade – desde os tempos da EsPCEx, em Campinas, em meados da década de 1980.
Oportunidades como essa definitivamente não tem preço. Deixo aqui meu muito
obrigado ao William pelo convite e pela companhia nessa linda travessia, e faço
votos que possamos nos encontrar em breve para novos projetos juntos.
Bom demais!
1º dia: do início da trilha em Itatiaia até o Abrigo Massena
(tempo total, incluindo paradas)
Altimetria do 1º dia: 1.073m de ganho de altitude em subida constante
2º dia: do Abrigo Massena ao Abrigo Rebouças
2º dia (2ª parte): do Abrigo Rebouças a próximo da Garganta do Registro
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Aproveitando a oportunidade, fiz a viagem de Curitiba a Taubaté, onde me encontrei com o William, com a BMW R1200GS. Ida e volta, 1250 km. Sempre muito bom poder curtir essa bela máquina nas estradas (ainda que com chuvas ocasionais, tráfego sempre intenso e os riscos inerentes).
Gratidão
Força Sempre
Show. Parabéns por mais uma aventura.
ResponderExcluirE aí meu irmão!? Sensacional!!!
ResponderExcluirSua narrativa me deu uma sensação de ter percorridos seus caminhos e ter vivenciado tb esses momentos únicos da nossa jornada por aqui...uma verdadeira injeção de ânimo para não permitirmos que a vida apenas passe pela gente. Forte abraço do seu irmão e fã.