Tiger 900 Rally Pro

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sábado, 22 de dezembro de 2018

Remada em caiaque oceânico de Cananeia a Ariri-SP (82 km, ida e volta), 19 a 21 de Dezembro de 2018










Entre amigos e caiaques

* em parceria com Mauro Bevilacqua e amigos *




Fui participar dessa remada em Cananeia mais uma vez a convite do amigo Mauro Bevilacqua, fabricante e mestre dos caiaques Ygará. Mais uma vez também o Mauro estava aproveitando a entrega de um barco duplo aos amigos de Guaraqueçaba Newton e Andrea pra organizar uma pequena expedição nessa região que é, certamente, uma das mais belas do nosso litoral.

O Newton e a Andrea foram ainda mais ousados, pois saíram caminhando do vilarejo de Superagui dois dias antes de nos encontrarmos, fazendo um trekking duro e com certeza muito bonito de cerca de 30 km por praias desertas.











Encontramo-nos no final da tarde da terça-feira na pousada previamente combinada em Cananeia. Como eu estava com o meu carro temporariamente indisponível por esses dias, não tive como levar o meu barco, por isso o Mauro fez a inestimável gentileza de me emprestar um dos seus, o moderno Inuk 560, para a remada.

Aproveitei essa conjunção de circunstâncias pra fazer a pequena viagem de Curitiba a Cananeia (240 km) com a BMW R 1200 GS, e com isso curtir um pouquinho do prazer de pilotar em estrada.







A GS cumprindo missão






À noite saímos pra jantar num restaurante próximo e colocar a conversa e os planos em dia. A ideia era remar até a cidadezinha de Ariri – a uma distância aproximada de 40 km do nosso ponto de saída -, seguindo o curso do emblemático Canal do Varadouro, que é um curso d’água que liga a região lagunar de Cananeia à Baía dos Pinheiros em Guaraqueçaba e ao mar aberto na altura do vilarejo de Superagui. De lá o Newton e a Andréa prosseguiriam sozinhos até a casa deles, em Guaraqueçaba, e o Mauro, a Carla e eu faríamos um dia de descanso e no outro retornaríamos ao ponto de saída em Cananeia.

Em setembro de 2016 tive a oportunidade de remar toda a extensão do Canal do Varadouro em uma expedição de quatro dias com o amigo Alexandre Manzan (relatada aqui no blog neste link: Viagem de caiaque pelo Canal do Varadouro), ocasião em que pegamos muita chuva e céu fechado. Desta vez as condições eram outras: predominava em toda a região, nesses dias, um calor infernal. O jeito era se adaptar e curtir a brincadeira.

Na quarta feira levantamos cedo e começamos a colocar nossos planos em ação. Tomamos um rápido café da manhã e em seguida iniciamos a arrumação final dos equipamentos e transporte dos barcos até a marina de onde zarparíamos para a remada.

Apesar de termos trabalhado com bastante agilidade, essas arrumações sempre demandam algum tempo, de tal forma que conseguimos colocar os remos n’água pouco depois das dez horas.







Local de saída - "Eco marina Cananeia"







Mauro e Carla





O dia estava bonito e, conforme o previsto, muito quente desde cedo. Saímos por dentro da baía, do outro lado da cidade de Cananeia, em águas bem abrigadas. As duas primeiras horas pareceram mais lentas do que o habitual, talvez em função da maré contra, talvez por causa mesmo da alta temperatura, que deixa tudo com aquela sensação de pouco rendimento e lerdeza.

O belo Inuk 560, barco de projeto irlandês, construído sob licença pelo Mauro em sua fábrica na cidade de Piedade-SP, me encantou com suas linhas elegantes e cheias de estilo. Em comparação ao Kayapó, com o qual estou bem acostumado, destaca-se o fino acabamento dos detalhes, a visível qualidade dos materiais e o design mais esguio do convés, com detalhes como os rebaixamentos de ambos os lados, feitos para se harmonizar à passagem dos remos naqueles pontos. As tampas dos compartimentos de carga são também um luxo, feitas de uma borracha especial, com encaixe perfeito e de fácil colocação e retirada, dispensam a necessidade das capas de neoprene utilizadas no Kayapó, o que torna sua utilização mais prática e eficiente.










Fazer um teste como esse é um perigo, pois pode causar aquele impacto de perceber subitamente como esse equipamento é superior ao que possuo, e, com isso, desanimar a posterior volta ao barco de origem. Mas apesar da inegável superioridade do moderno Inuk em relação ao clássico Kayapó, me sinto muito satisfeito com este último, que é um “pau pra toda obra” nesse mundo atrativo dos caiaques oceânicos.











Ao entrarmos no Canal do Varadouro, já por volta de uma hora da tarde, a paisagem em volta começou a mudar. Do ambiente amplo e de horizontes longínquos da baía em que vínhamos remando, estreitou-se e tomou aspecto de um leito de rio, com intensa e intacta vegetação de mangue de ambos os lados. O problema desse tipo de margem é que não tem onde desembarcar, já que o espelho d’água adentra vários metros intrincado com os galhos das árvores. Assim, as horas foram passando e não havia como fazer as paradas técnicas, pra dar aquela esticada nas pernas e descansar um pouco.







Newton e Andréa





Outra característica marcante do canal é a variação e forte influência da maré na correnteza do curso d’água. Dependendo da hora do dia e da condição da maré, a correnteza varia entre contra, neutra ou a favor. Para um barco a motor isso pode não fazer muita diferença, mas quando se está apenas com a força dos remos esse é um fator bem importante. Tentar entender e prever como a maré estará em cada hora do dia também não é um processo muito fácil, porque essa influência depende também das condições geográficas do local em que nos encontrávamos (distância do mar, curvas do canal, etc.). Por isso, acabamos não nos prendendo muito a essa questão. A questão era remar!






Procurando uma sombrinha...






Um aspecto muito bacana desse lugar é que é bem pouco movimentado. Só de vez em quando passa um ou outro barco pequeno. Isso faz da remada um instigante exercício de introspecção e contemplação ativa, embalado pelo marulhar da água nas pás dos remos.













Interessante também observar como os caiaques duplos navegam bem. Vistos em terra esses barcos aparentam ser demasiadamente grandes, e suspeita-se que não sejam lá muito eficientes dentro d’água. Colocados pra flutuar, no entanto, vê-se que essa é uma impressão equivocada, e que eles são sim bem desenvoltos. Talvez se fizermos um cálculo de relação matemática entre peso e volume a ser deslocado e capacidade de tração de cada remador, chegue-se à explicação dessa boa eficiência dos duplos.






Newton e Andréa





As horas foram passando e, como de costume, fomos encaixando o ritmo da remada. Por volta das cinco e meia começamos a avistar os primeiros vestígios do vilarejo de Marujá, que sabíamos que ficava já próximo do nosso destino planejado para o dia.

Pouco depois, numa curva do canal, alcançamos a “vila fantasma” de Ararapira, assim chamada porque é um pequeno conjunto de casas que com o tempo foi abandonado por seus moradores, e hoje restam as ruínas do que outrora era vida. Desembarcamos pra visitar a igreja e as casas próximas, e pra observar a geografia em volta.





A igrejinha de Ararapira














A "vila fantasma" de Ararapira, o Canal do Varadouro e o mar






















Meia hora depois, às sete e quinze da noite, chegamos à pequena cidade de Ariri, aonde passaríamos a noite. Achamos uma pousada próxima ao ponto de desembarque e demos por encerrado nosso “expediente”.








Garagem da pousada em que ficamos





Mais tarde comemoramos o sucesso da nossa jornada num restaurantezinho local, com um jantar à base de frutos do mar, boa conversa e aquele cansaço bom decorrente de um longo dia de atividade.

No dia seguinte despedimo-nos do Newton e da Andréa, que prosseguiram em direção a Guaraqueçaba, aonde chegariam no final da tarde, após mais uma longa pernada de 42 km.

Nós três contratamos um barco a motor do rapaz da pousada e fomos dar uma volta na praia do vilarejo de Marujá, por onde havíamos passado sem desembarcar na véspera. Caminhamos umas duas horas indo e voltando ao final da praia, completamente deserta, observando os pássaros, os caranguejos, as nuvens, as ondas, as pedras, o vento. De volta à pequena vila, almoçamos no restaurante da Dona Maria e depois aguardamos alguns minutos até que nosso resgate chegasse.











































No caminho de volta para Ariri o nosso barqueiro nos convidou para dar uma esticada por algumas reentrâncias do canal, indo até próximo do mar, onde nos explicou o que aconteceu ali há alguns meses. Uma grande porção de praia foi simplesmente engolida pelo mar (indicado pela seta vermelha na foto abaixo), abrindo-se mais um ponto de contato entre o Canal do Varadouro e o oceano. É impressionante ver essa modificação in loco. Nesses momentos compreende-se nitidamente que nosso planeta é realmente vivo e está em constante transformação, e que as forças e intenções humanas são insignificantes diante da grandeza e da dinâmica da natureza.







A seta vermelha indica o local em que o mar engoliu a praia, há poucos meses














Em novembro de 2014 fiz uma viagem solo de bicicleta por essa região (relatada aqui no blog, neste link: Viagem de bicicleta Superagui), na qual percorri toda a extensão de praia desde o Superagui até o Marujá. Hoje, devido a essa recente revolução geográfica, esse trajeto já não é possível de ser feito, porque a praia foi dividida por esse desmoronamento.

O nosso guia nos contou também que algumas casas próximas tiveram que ser abandonadas e seus moradores tiveram que migrar para outras localidades, além de outras consequências, como o assoreamento de vias fluviais das redondezas. É como um efeito dominó: na hora que cai uma peça, várias outras são afetadas.

No meio da tarde estávamos de volta a Ariri. Tiramos o restante do dia pra descansar e preparar o retorno no dia seguinte.








O Canal do Varadouro no fim de tarde, visto pelo Mavic












À noitinha demos uma saída pra fazer um lanche e dar uma caminhada pelas ruas em volta. Interessante perceber o ritmo de lugares como esse, onde todo mundo conhece todo mundo. É tentador imaginar que o paraíso deve estar logo ali, na próxima curva da estrada, que cidades pequenas são mais humanas, onde as pessoas se cumprimentam e se preocupam umas com as outras, em contraste com as cidades grandes, onde vizinhos mal sabem o nome uns dos outros e tudo é muito mais impessoal. Mas existe um outro lado dessa história. Essa proximidade típica dos lugarejos pode facilmente descambar para o “patrulhamento” da vida alheia, e daí para a falta de privacidade é um pulinho. O fato é que não existe “fórmula do bolo”, a solução perfeita para todos os problemas. Cada modelo tem suas virtudes e suas mazelas. É bom sempre tomar cuidado com os paradigmas que se vendem por aí, ou que nós mesmos criamos dentro das nossas cabeças.

Na sexta feira acordamos bem cedo, na verdade, mais cedo do que pretendíamos, porque em função das fortes chuvas que caíram na madrugada houve uma pane elétrica na cidade, e com isso ficou tudo sem energia, e, por consequência, sem ar condicionado, e assim o calor começou a incomodar antes de amanhecer.

Aproveitamos pra arrumar tudo e ficar prontos pra partir o quanto antes. Às oito horas estávamos na água. A primeira hora foi fantástica: com a maré vazando a correnteza ficou a nosso favor e os barcos pareciam estar voando sobre a água.
O dia rendeu bem. Mesmo sem maré a favor na maior parte do tempo, parecia que estávamos mais à vontade com os remos e o rendimento foi um pouco melhor do que na ida.













Mauro e Carla, num dos raros pontos disponíveis pra desembarcar












A certa altura, já na baía de Cananeia, por alguns momentos pude contemplar uma dessas cenas idílicas: o Mauro e a Carla remando em seu caiaque com as montanhas ao fundo, a água completamente lisa, como uma piscina azul imóvel, e duas grandes aves dando voos rasantes em volta do barco deles. Momentos assim nos fazem ter a sensação de que vale a pena se jogar nessas pequenas aventuras.






Mauro e Carla





Às três e meia da tarde encostamos no píer da marina de onde havíamos partido dois dias antes, sob um calor escaldante e com aquela impagável sensação de alegria e satisfação por ter completado mais uma remada bacana.

Outro dia estava lendo um texto do historiador israelense Yuval Noah Harari (autor de “Sapiens, uma breve história da humanidade”), no qual ele aborda o modo como nós, humanos, costumamos registrar nossas memórias. Em resumo, ele defende que existe o “eu da experiência” e o “eu da narrativa”, sendo que o primeiro é aquele que vive os fatos momento a momento e o segundo é o responsável por “resgatar memórias, contar histórias e tomar grandes decisões. (...) E está eternamente ocupado fantasiando sobre o passado e fazendo planos para o futuro. Como todo jornalista, todo poeta e todo político, o eu da narrativa toma muitos atalhos. Não narra tudo e comumente tece uma história apenas com os pontos culminantes e os resultados finais.”

Refletindo sobre esses conceitos é fácil perceber que realmente fazem sentido. De certa forma nossa memória é mesmo muito mais benevolente com o passado do que a dura realidade dos fatos. Mas isso não quer dizer que isso seja errado, ou que é um processo de distorção dos acontecimentos. Creio que é a forma como interpretamos a vida.

No final das contas, a beleza do mundo e da própria vida talvez seja mesmo uma visão muito mais subjetiva do que objetiva. É preciso então manter e desenvolver essa valiosa capacidade de ver graça num mundo que, em si, é apenas um mundo.

Bom demais!







A turminha (da esquerda pra direita): 
Newton Weber (Caratuva), Andrea Santana, eu, Carla Barboza e Mauro Bevilcqua













P & B:








































































Meu muito obrigado ao Mauro Bevilacqua pelo convite e pelo empréstimo do caiaque, e a todos do grupo pela amizade e companheirismo na empreitada. Que possamos fazer novas parcerias para projetos futuros. Valeu!





Observações:

  • Caiaques utilizados: modelos Marajó (duplos) e Inuk 560 (individual) - ygaracaiaques.com.br
  • O Newton e a Andréa estão operando roteiros de caiaque, mountain bike e caminhada em Guaraqueçaba e região, inclusive com aluguel de caiaques. Quem quiser conhecer a área com essas abordagens, eles são os experts. No instagram: vivaguaraoutdoor.










 Percurso e dados da ida: Cananeia a Ariri, 19 Dez







Volta: Ariri a Cananeia, 21 Dez









Interior da igrejinha de Ararapira








"O progresso é a realização de utopias".

(Oscar Wilde)






Gratidão





Força Sempre