O convite pra essa remada partiu
do amigo Mauro Bevilacqua, de Piedade-SP, ninguém menos do que o construtor dos
caiaques Ygará. Ele tinha que vir entregar dois barcos novos ao casal Newton e Andréa, em Paranaguá, no litoral do
Paraná, e, pra aproveitar a oportunidade, aceitou a sugestão dos novos amigos
para fazer essa remada até Guaraqueçaba, onde eles têm casa.
Junto com ele veio sua companheira,
Carla, e outro amigo apaixonado pela liberdade das águas, Adelson.
Encontramo-nos em Paranaguá numa manhã chuvosa de segunda-feira. A ideia era ir
até Guaraqueçaba nesse dia e retornar na quarta-feira.
A previsão do tempo não
era animadora: tempo chuvoso e fechado ao longo de toda a semana. Era o que
tinha para o momento.
O Mauro e a Carla estavam num
caiaque duplo Marajó, o Newton e a Andréa estreariam o seu novo duplo do mesmo
modelo, o Adelson remava um Inuk 560 – lindo barco de projeto irlandês,
lançamento da Ygará -, e eu, o velho e bom Kayapó.
Preparando pra partir, em Paranaguá
Às dez e vinte da manhã
conseguimos acertar os detalhes finais e, animadamente, zarpamos do cais
principal, sob os olhares curiosos dos transeuntes e das palavras de incentivo
do nosso amigo Marcão, que veio de Curitiba só pra nos dar um abraço e
acompanhar a saída.
Newton e Andréa dando as primeiras remadas no Marajó, saindo de Paranaguá
Pouco depois já estávamos
próximos ao Porto do Paranaguá, contornando os pequenos canais e saindo para o
espaço aberto da baía.
Porto de Paranaguá
O percurso que faríamos tinha várias referências geográficas de fácil identificação, além de que não havia muitas curvas a serem feitas, de
tal forma que planejamos nos guiar apenas pela orientação visual, considerando
também que o Newton é habituado com a região, tendo feito esse trecho várias
vezes nos barcos que fazem o transporte diário de pessoal entre as duas
cidades.
Porto de Paranaguá
Estar num ambiente como esse, por
si só, já torna o esforço pra chegar até ali válido. Sentir a grandeza do mar
sob os cascos dos nossos pequenos barcos, a imensidão do céu por cima, o vento
soprando forte em nossos rostos e, eventualmente, botos vindo espiar à
superfície, é um verdadeiro espetáculo, que todos nós reconhecíamos e
desfrutávamos entusiasmados.
Cerca de duas horas após a
partida fizemos uma parada técnica para um rápido descanso e lanche. Nuvens
escuras rondavam o céu e uma garoa fina já se fazia sentir – um tanto
preocupante, considerando a aparente fragilidade de nossas embarcações e a
oposta imponência do mar à nossa frente. Entretanto a superfície da água estava calma como uma
piscina, proporcionando um sentimento ambíguo de uma leve tensão envolta em
certa tranquilidade.
Por volta das três horas da tarde
as condições climáticas haviam evoluído para uma densa névoa que limitava a
visão a não mais do que uns duzentos metros, o que, no ambiente em que
estávamos, era o mesmo que nada. A orientação visual, nessas condições, começou
a ficar mais difícil, mas ainda achávamos que era só seguir em frente que em
breve chegaríamos ao nosso destino.
Uma hora depois continuávamos
remando no meio da “escuridão branca”, sem enxergar praticamente nada à frente
e sob um silêncio quase sagrado em volta. Considerando a distância que já
havíamos percorrido começamos a desconfiar que já deveríamos ter chegado, mas
não havia sinal de cidade em lugar nenhum.
Newton e Andréa
Por sorte vimos, à distância, o
barco de um pescador. Aproximamo-nos e perguntamos-lhe onde estava a nossa
desejada cidade-destino. Confirmando nossas suspeitas, o rapaz nos deu a desanimadora notícia que havíamos passado muito de onde queríamos chegar, e que teríamos que
retornar, “acompanhando o mangue, sem entrar no rio que vai ter logo ali,
depois contorna a ponta lá na frente e aí já vai estar na frente da cidade”.
Newton e Andréa, e o novíssimo Marajó
Resignados, passamos a seguir
as instruções recebidas, já de olho no relógio e tentando calcular se
chegaríamos antes do cair da noite. A visibilidade foi se reduzindo ainda mais.
Essas condições, aliadas ao cansaço que já se fazia presente, criou uma leve
tensão com a qual o grupo lidou super bem, mantendo o moral e a confiança elevados. O fato é que não podíamos errar de
novo, ou correríamos o sério risco de ter que passar a noite embarcados, ou ao
relento no meio do mangue, aguardando o amanhecer do próximo dia.
A tal ponta que o pescador disse
que teríamos que contornar era bem maior do que desejávamos. Foram longos
minutos de expectativa, até que às 17:30 h conseguimos
distinguir o contorno de uma antena de rádio em meio ao horizonte envolto em
névoa à nossa frente. Havíamos chegado.
Guaraqueçaba, surgindo da névoa
Desse episódio fica a lição da importância da orientação nesse tipo de ambiente. Não dá pra se basear apenas no visual, porque numa situação como essa, fica-se extremamente comprometido. É essencial ter a rota traçada previamente em um GPS, como segurança e auxílio à navegação, bem como uma simples bússola também pode ser muito útil. O que aconteceu é que em algum momento do nosso percurso, como estávamos sem referências visuais, saímos da direção correta, sem perceber, e aí já era!
Passado o pequeno sufoco,
encostamos no píer local e curtimos aquela sensação maravilhosa de relaxar
após um longo dia de remada.
Achamos uma pousadinha,
instalamo-nos e mais tarde saímos para repor as energias num simpático barzinho
local, com boa música, boa comida, boa cerveja e bons amigos – não tinha como
ficar melhor!
O dia seguinte amanheceu com um
aspecto bom, com o sol dando as caras e o azul do céu se espreguiçando por
entre as nuvens. Aproveitamos para colocar as coisas pra secar (pois estava
tudo muito molhado) e organizar os equipamentos.
No final da manhã o Adelson, a
Andréa e eu ainda saímos para uma corridinha sem compromisso, pra dar uma volta
pela cidade e relaxar um pouco a musculatura.
Guaraqueçaba é uma típica cidade
do interior, mas com uma simpática orla debruçada sobre a quietude da baía
local. Se a ideia é morar num local tranquilo, ali é o lugar!
O restante do dia foi de descanso
e bate papo. Muito boas conversas sobre as experiências de cada um em diversos esportes - questões técnicas, humanas, emocionais, etc. Assunto não
faltou...
À noite degustamos uma preciosa
comida caseira num restaurantezinho local, envoltos em muita tranquilidade e
clima de confraternização.
De madrugada a chuva retornou,
confirmando a previsão do tempo que continuava a prognosticar precipitação,
ventos fortes e possível tempestade para o dia seguinte.
De fato, o dia amanheceu meio cinzento, mas felizmente sem chuva. Aprontamo-nos cedo e às sete e meia já
estávamos remando.
Preparando pra partir de Guaraqueçaba
O Newton e a Andréa nos
acompanharam por cerca de quarenta minutos e depois retornaram, já que
passariam a semana na casa deles em Guaraqueçaba.
Despedida dos amigos Newton e Andréa
Fizemos uma pernada de duas horas
e meia e paramos para descansar numa ilha no meio da baía. Um lugar paradisíaco!
Fizemos um rápido lanche, apreciando o local, demos uma caminhada em volta e retornamos aos remos.
Nessa segunda metade da jornada o
vento apertou e o mar encrespou. Em certos momentos nos vimos metidos
efetivamente naquela espécie de “máquina de lavar roupa” gigante, com
ondulações batendo de todas as direções, algumas passando por cima dos conveses e espirrando nas nossas caras. Nessas horas estar num barco que transmite
confiança e robustez é uma satisfação. O Kayapó (bem como o Marajó e o Inuk) seguia
em frente cortando o mar grande com firmeza.
Pela foto não dá pra perceber, mas estava uma pancadaria nessa hora
Às duas da tarde aportamos no
mesmo cais de onde havíamos zarpado dois dias antes, cansados, mas
satisfeitíssimos.
A sensação que fica quando
terminamos uma remada como essa é sempre de que deveríamos fazer mais disso,
que deveríamos dedicar mais tempo a esse tipo de atividade, etc. É incrível
pensar o quão simples são os elementos componentes de tal empreitada – um
caiaque, um remo, alguns equipamentos e a nossa mãe natureza como cenário
principal.
Oxalá mais pessoas possam
reconhecer o valor de passeios como esse e se entusiasmar a começar na
brincadeira. Quem sabe um dia possamos reunir um grande grupo de amigos e
repetir a dose, em homenagem à vida, às amizades e à oportunidade de estar outdoor. Fica aqui o convite.
Bom demais!
Clique no link abaixo e assista a um pequeno vídeo sobre a remada:
Ida: Paranaguá > Guaraqueçaba, 40 km
Na rota traçada em vermelho vê-se nitidamente o desvio que fizemos,
saindo da direção correta
Volta: Guaraqueçaba > Paranaguá, 32 km
Obs: Meu muito obrigado aos companheiros dessa viagem, em particular ao Mauro Bevilacqua, pelo convite e por ter reunido essa galera para o passeio. Valeu!
Mauro Bevilacqua
Carla Barboza
Andréa Santana
Newton Adriano Weber ("Caratuva")
Adelson Rodrigues Carneiro
"Daqui a vinte anos você estará mais decepcionado
pelas coisas que não fez do que por aquelas que você fez.
Portanto livre-se das bolinas,
navegue longe dos portos seguros,
explore, sonhe, descubra."
(Mark Twain)
Gratidão
Força Sempre