Trekking solo ao Pico Tucum e acampamento na montanha
Qual é, afinal, o mecanismo da nossa motivação? O que nos move à ação? O que é capaz de nos fazer abandonar nossa estimada sensação de segurança e de conforto e ir em busca de algo mais? E como manter essa chama acesa com o passar do tempo? Como manter-se enamorado pelo desconhecido, pelo inesperado, pelo movimento saudável? Boas questões de reflexão, que rondam meus pensamentos frequentemente.
Pois na véspera de sair pra essa caminhada e pernoite na montanha, me vi refém dessa cilada da mente: "por que/ para que?". Ora, ora, dona mente! E por que não? Arrumei as coisas e me pus em modo de movimento.
Saí de casa por volta de meio dia da quinta-feira. Pouco antes das 14 h dei o primeiro passo na trilha que leva ao cume dos Picos Camapuã e Tucum, na região rural de Campina Grande do Sul (60 km distante de Curitiba).
A questão que sempre ronda esse tipo de atividade é a condição do tempo prevista, porque o ambiente de montanha requer certos cuidados e preparação adequada para eventuais adversidades. Para esses dois dias a previsão era boa, de sol entre nuvens, sem expectativa de chuva. Nesse começo de tarde o aspecto do tempo era animador, com o céu predominantemente azul e algumas nuvens espalhadas.
Por volta das 15:30 h estava saindo do trecho de mata e entrando na área aberta que dá acesso ao topo do Pico Camapuã. Nesse momento as condições do tempo já haviam mudado bruscamente, já não se via azul no céu, tudo estava bem fechado, frio e úmido, quase garoando.
Pouco depois atingi o cume do Camapuã, envolto em densa neblina. Nesse trecho encontrei dois rapazes que subiam juntos, também com destino ao Tucum, bem como um cara sozinho, acompanhado do seu cachorro. Logo o reconheci de alguns vídeos que havia visto meio aleatoriamente no Youtube, em algum momento recente. Perguntei e ele confirmou. Era o Lucas Glimm, do canal "Sozinho na trilha", dedicado a contar histórias de caminhadas e investidas em diversas trilhas de matas e montanhas da região sul do Brasil, sempre sozinho. Interessante esse encontro casual e essa conexão com um conteúdo compartilhado nessa plataforma gigante de vídeos. Batemos um papo rápido sobre o trabalho que ele desenvolve, parabenizei-o e segui meu caminho em direção ao destino pretendido do dia, o Pico Tucum, situado logo adiante, mas separado do Camapuã por um acentuado declive seguido de um igualmente acentuado aclive na sequência.
A essa altura estava tudo molhado em volta, assim como minha calça, botas e meias. Lembrei-me das poucas peças de muda que trazia na mochila e comecei a achar que não seria suficiente pra fazer frente ao frio que se anunciava para a noite e madrugada à frente.
Pouco depois das 17 h cheguei ao topo do Pico Tucum (1.720 m de altitude). Além dos dois rapazes com quem havia cruzado pouco antes, havia lá um casal, em uma barraca já montada, e só. Escolhi um local que julguei adequado, montei minha barraquinha, dei uma arrumada nas coisas e saí para uma caminhada nas proximidades, pra conferir se seria possível ver o pôr do sol.
Deu pra ver muito pouco, entre muitas nuvens e nevoeiro em todos os lados. Mesmo assim, é sempre um momento especial nesse tipo de lugar. A noite caindo, silêncio total, um ambiente um tanto hostil, com vento soprando forte, frio se intensificando e o cansaço da pernada morro acima recomendando o necessário recolhimento ao descanso.
Instalei-me então no meu abrigo, preparei um chá quente e fiz o possível pra me aquecer e tornar o ambiente minimamente confortável. Aprecio muito esses momentos de solitude e silêncio dentro da barraca. Momentos em que nada há a fazer se não relaxar um pouco e deixar o tempo passar.
A noite transcorreu tranquila. O frio permaneceu num nível aceitável para as circunstâncias. A certa altura o vento pareceu dar uma trégua, o que intensificou a sensação de silêncio. Dei uma rápida saída da barraca no meio da noite e o céu parecia um pouco mais aberto, ainda que algumas nuvens persistissem.
Acordei às 5:40, curioso pra ver como estariam as condições para o nascer do sol. Ao abrir a porta da barraca, já havia um prenúncio da aurora, com o céu tingido de um azul forte e um leve alaranjado ao leste, ainda com muitas nuvens e nevoeiro sendo levados rápido pelo forte vento. Visto de certo ângulo, dava a impressão de que a Terra estava acabando de ser formada, numa mistura mágica de cores e visual fluido.
Dei-me conta de que havia montado a barraca na posição exata pra ver o nascer do sol por trás do Pico Paraná (de 1.877 m de altitude, montanha mais alta da região sul do Brasil), aparentemente logo ali, mas distante alguns quilômetros de onde estava.
Apreciar esse fenômeno naquelas circunstâncias foi um verdadeiro espetáculo. Acompanhar a rápida mudança de cores do céu, o dourado do sol se anunciando na borda das nuvens e em seguida despontando por trás das montanhas no horizonte é dessas cenas que compensam todo o esforço da empreitada, e não me contive em dar um cutucão na minha própria mente e dizer-lhe: "tá vendo? É por isso!".
Cumprido o ritual do rei sol, com direito a toda a calma e reverência adequada à situação, fiz meu desjejum, desmontei acampamento e pus-me novamente em movimento montanha abaixo, com uma incrível sensação de renovação e de energia percorrendo o corpo e a alma (de verdade!).
Pouco depois do meio dia estava de volta ao ponto de início e fim da trilha, onde havia deixado o carro. De volta ao mundo, mas reforçado pela revigorante jornada nessa bela montanha.
Bom demais!
1º dia:
2º dia:
"Desfruta a terra, mas sem possuí-la.
Por falta de visão os homens estão onde estão,
comprando e vendendo, desperdiçando a vida como escravos."
(Henry David Thoreau)
Gratidão
Força Sempre