* em parceria com Andrea Santana e Newton Adriano Weber (Caratuva)
A verdade da vida é que nada que fazemos é efetivamente necessário. Precisar mesmo, não precisamos de nada. Mas a questão não é essa. Não é sobre ser ou não necessário. É sobre querer.
Talvez grande parte da nossa vida se apoie (sem nos darmos conta) nesse conceito: vontade.
E como identificar e distinguir a vontade, dentre tantos ruídos a nos distrair? Bem, talvez seja questão de ficar atento a si mesmo, talvez demande um pouco de treinamento, talvez apenas silenciar a mente e ouvir o coração [sim... clichezão, mas real! Rsrs].
Mas ter e identificar nossa vontade mais genuína não é tudo. Na verdade é apenas o começo. O bacana mesmo é fazer. Transformar vontade em ação. Porque como costumo dizer, a realidade dos fatos é incrivelmente indiferente às nossas melhores intenções.
Por esses dias estava pois com muita vontade de dar uma saída da cidade e sentir um pouco o silêncio e o isolamento da natureza. Liguei para o amigo Newton e, juntos, combinamos então essa remada, saindo de Guaraqueçaba, indo até Ariri, no estado de São Paulo, pelo Canal do Varadouro, pernada essa que seria de cerca de 40 km, em um dia, e retornando no dia seguinte.
Os nossos amigos Mauro Bevilaqua e Carla Barboza (junto com outros amigos de São Paulo), estariam saindo remando a partir de Ariri nesse segundo dia, de forma que era mais um motivo para nos encontrarmos lá e aproveitarmos a jornada juntos.
Aceitei mais uma vez a oferta de empréstimo do caiaque Inuk 560 do Newton, que mora em Guaraqueçaba, evitando assim a tarefa de ter que transportar o meu barco até lá.
Pra dar uma pitada a mais de emoção à brincadeira, combinamos acampar em algum lugar em Ariri.
Pra resumir a história, a remada transcorreu muito bem. Saímos de Guaraqueçaba às sete e meia da manhã do dia 27, com um lindo céu azul como pano de fundo. Mas pouco depois as condições meteorológicas se alteraram para um céu carregado, e logo em seguida uma bela chuva.
Nesse tipo de situação em que estávamos, cada uma dessas mudanças é percebida em detalhes, e isso é muito legal. Dá pra sentir a mudança do vento, a chuva se aproximando, os pássaros num voo mais excitado, como que correndo pra se abrigar, os primeiros pingos.
E o cenário cinzento e chuvoso tem também a sua beleza própria, ainda que seja mais difícil de traduzir isso em imagens fotográficas. Parece que tudo fica mais quieto, mais introspectivo, como se houvesse uma reverência natural ao evento em curso.
E depois da chuva vem outro espetáculo, os pássaros voltando a cantar, os pingos escorrendo da folhagem das plantas, o ar límpido e transparente em volta, uma pontinha de céu azul que volta a aparecer por entre as nuvens carregadas. E tudo isso vivido e sentido com o deslizar suave do caiaque sobre a água, em total silêncio e harmonia com os elementos.
Chegamos em Ariri por volta das 15:30 h. Desembarcamos, conversamos com o dono de uma pousada local, que já conhecíamos de outras vezes que ficamos por lá, deixamos um recado para os nossos amigos de São Paulo, que chegariam mais tarde, e retornamos à água para buscar um local para montar nosso acampamento. Retornamos cerca de 3 km até um ponto em que havíamos visto um lugar que julgamos ser apropriado e lá montamos nossa base.
Por volta das 19 h a chuva voltou com força. Caiu uma verdadeira tempestade, com direito a muitos raios, relâmpagos e trovões. Felizmente estávamos em um solo altamente permeável, e não tivemos problema com as barracas. Em compensação, os mosquitos fizeram a festa com a nossa presença por lá. Batalha dura (e perdida) com os insistentes bichinhos, mas tudo bem. Sobrevivemos.
Na manhã seguinte fomos presenteados com uma linda e clara luz, novamente o céu azul e um cenário magnífico do Canal do Varadouro nesse contexto renovado.
Por volta das 08:30 h encontramos nossos amigos Mauro e Carla, acompanhados de quatro amigos de São Paulo, da equipe AKSA Outdoor Sports, que estavam vindo de Cananéia. Remamos juntos a partir de então, com muita conversa e um bom ritmo nos remos.
Fizemos duas paradas pra descanso, a primeira em Vila Fátima, onde tivemos o prazer de um bom almoço caseiro na casa de um pescador local (previamente combinado), e a segunda no vilarejo de Tibicanga, no meio da tarde.
Na última hora e meia a chuva retornou e assim foi nossa chegada de volta a Guaraqueçaba, debaixo de um céu cinzento e tudo em silêncio ao redor.
Conforme já comentei por aqui em outras ocasiões, o caiaque é um desses instrumentos de incrível versatilidade e capacidade de nos colocar em situações muito especiais (tanto quanto de nos tirar do lugar comum de todos os dias). É curioso que seja tão pouco conhecido e utilizado, considerando todas as possibilidades que oferece.
Além de tudo, ainda tem o suave balanço das águas, o fator esforço físico versus tempo versus distância percorrida (uma equação que também nos tira à força da inerente ansiedade do mundo terrestre), o vento na cara, o amplo céu, o horizonte distante, os pássaros que passam em voo rasante, os golfinhos que vem respirar à superfície de vez em quando. Ou seja, um verdadeiro espetáculo, com muitas e variadas nuances.
Meu muito obrigado novamente ao casal de amigos Newton e Andréa pelo convite, pela acolhida e por todo o apoio. Obrigado também aos amigos Mauro e Carla e aos novos amigos da equipe AKSA, pela companhia, pela boa conversa e pelo ânimo elevado na nossa jornada no segundo dia.
Bom demais!
Assista no link abaixo a um vídeo desta remada:
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Em Guaraqueçaba:
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"Embora eu saiba que não exista magia no mundo
que possa mover e forçar a vontade -
como alguns simplesmente acreditam -
é livre a nossa vontade,
e não existe erva nem encanto que a force."
(Miguel de Cervantes, em Dom Quixote)
Gratidão
Força Sempre