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sexta-feira, 15 de maio de 2020

Sobre "Narciso e Goldmund", livro de Hermann Hesse, Curitiba, Maio de 2020











“Narciso e Goldmund” (escrito em 1930) é um livro emblemático na bela carreira literária de Hermann Hesse, escritor alemão e ganhador do prêmio Nobel de literatura em 1946.

Li-o pela primeira vez em 1999, e recentemente fiz uma releitura que me trouxe de volta toda a profundidade e sensibilidade dessa inspiradora obra.

Narciso e Goldmund se encontram, ainda jovens, em um convento para padres em algum lugar da Europa Medieval. Narciso já era professor na tal escola e Goldmund é deixado lá por seu pai, com a intenção de que siga a carreira eclesiástica.

Uma forte amizade surge entre os dois personagens, que vão descobrindo, aos poucos, serem muito diferentes um do outro.

Hesse aborda nesse romance diversos aspectos da psique humana, vivenciados pelos protagonistas. Desde as dúvidas quanto à fé, passando pela influência do destino na vida de cada um até questões como a existência de Deus, a obediência aos preceitos estabelecidos e a multiplicidade de caminhos para se atingir o mesmo fim.

Narciso é o racional, sábio, equilibrado, vocacionado. Goldmund se assume um rebelde, andarilho, libertino, entregue aos sabores do mundo.

A força da amizade ente os dois é o fio condutor da história. A certa altura Goldmund abandona o monastério e passa vários anos caminhando sem destino, vivendo todo tipo de aventura, conhecendo pessoas, pecando, amando, sofrendo, correndo risco de morte, sentindo-se perdido e, por certo período, encontrando-se na arte da escultura, através da qual produz grandes e admiradas obras que levam um pouco de paz ao seu coração.

Os dois amigos voltam a se encontrar, muitos anos depois, já adultos, por acaso, oportunidade em que resgatam as histórias do passado que viveram juntos, bem como atualizam-se a respeito das novidades da vida de cada um.

Retornam então ao convento, onde Narciso era o diretor, e os dois vivem um período em que retomam suas conversas investigativas a respeito da natureza humana.

Hesse é mestre em trabalhar com essa dicotomia de visões de mundo, e de enxergar nelas muitas semelhanças e proximidades. Narciso e Goldmund são, em muitos aspectos, completamente opostos, mas suas almas são muito próximas, e acabam se entendendo e se admirando de uma forma sincera e profunda.

A trajetória de cada um deles serve também para o autor expor o seu ponto de vista de que cada pessoa tem um tipo de natureza, de dom ou de habilidade, e que esse perfil vai ditar os caminhos que essa pessoa deverá percorrer para se realizar. O importante aqui é entender e ter claro esse conceito, pra evitar confusão no sentido de querer seguir exemplos alheios. Nem sempre o caminho que deu certo para o outro vai dar certo para si próprio. De certa forma, pode-se considerar essa tendência pessoal como destino. Visto desse ponto, não seria errado dizer que “cada um tem o seu destino”.

No final, secretamente, cada um deles admira a trajetória de vida do outro, ao mesmo tempo que minimizam e questionam o valor da própria história. Goldmund admira a devoção, dedicação, disciplina e sabedoria do amigo monge. Narciso admira a coragem, o desprendimento, a autonomia e a rebeldia cativante de Goldmund. Talvez possamos extrair como lição desse ponto a constatação de que na vida não podemos trilhar todos os caminhos, viver todas as histórias, colher todos os frutos. É preciso fazer escolhas, e compreender que muitas dessas escolhas são excludentes e definitivas.

No final das contas, o que realmente importa é percorrer o caminho escolhido com o coração, com entrega e convicção, e não exatamente qual caminho se percorreu. E talvez ainda todos os caminhos assim percorridos conduzam, ao final, às mesmas conquistas e mesmos aprendizados (por mais opostos que pareçam).

Essa questão me levou também à reflexão a respeito de que história de vida seria capaz de nos trazer, nos anos avançados da nossa existência, a sensação de que “valeu a pena”. Como se pode evitar essa penetrante e avassaladora sensação de vazio que, não raro, toma conta da percepção dos mais velhos, segundo ouve-se falar? Essa é uma questão profunda e, acredito, de grande importância. Difícil de responder em poucas linhas. Mas creio que passe por uma atitude pessoal de “visão de mundo” e da própria vida, que vamos desenvolvendo com o tempo. Quer dizer, talvez essa avaliação seja mais subjetiva (relativa ao sujeito que vê) do que objetiva (relativa ao objeto em análise). Mas talvez também haja condutas que ajudem a criar essa sonhada sensação de realização ao final da vida, como, por exemplo, ser fiel a si mesmo; seguir, tanto quanto possível, sua própria intuição; fazer, tanto quanto possível, aquilo que se quer, que o coração aponta como sendo um caminho de realização. E buscar construir uma visão pessoal construtiva e otimista da vida, um dia de cada vez.

Não sei se podemos colocar as coisas nesses termos, mas talvez essa “auto-avaliação final” seja o somatório das impressões que vamos colecionando em cada momento da vida. Se fizermos, tanto quanto possível, cada dia valer a pena, esses momentos vão se somando, e lá na frente provavelmente darão forma a essa sensação de realização. Aparentemente parece estranho que essa frustração para com a vida como um todo surja de repente, em contraposição a uma sequência de anos de realizações conscientes e de trabalho firme em uma direção predominante bem definida. Mas, apesar disso, devemos reconhecer que a vida é um processo instável e dinâmico, e muito pouco sujeita a modelos “matemáticos”/ cartesianos. Ou seja, tudo pode acontecer. Talvez aí entre algo como a luz interior de cada um, ou a fé, ou o lado místico da nossa existência. Quem sabe?

Por fim, vale comentar que a história de Narciso e Goldmund é, sobretudo, um tributo a esse tipo de relação tão rico que é a amizade sincera e despretensiosa, calcada na afinidade sincera e na identidade de alma. Encontros assim são raros na vida, e, quando acontecem, merecem ser valorizados e vividos à altura do que são.

Fica a dica da leitura.








***   ***   ***







Transcrevo, a seguir, alguns poucos trechos do livro [Editora Record, 9ª Edição), a título de ilustração e reflexão:





“ – Certamente – prosseguiu Narciso. – Naturezas como a sua, possuidoras de sentidos fortes e delicados, os anímicos, os sonhadores, os poetas, os amantes, são diferentes de nós, homens de espírito, e nos são quase sempre superiores. Vossa origem é materna. Viveis na plenitude e a vós vos foi dada a força do amor e da vivência.” (pág 45)

" - Creio - disse um dia - que uma folha ou um pequeno verme no caminho falam e significam mais do que todos os livros de uma biblioteca inteira. Algumas vezes, escrevo uma letra grega qualquer, um teta ou ômega e, quando entorto um pouco a pena, a letra se agita, transformando-se em peixe e lembra, por alguns segundos, todos os riachos e rios do mundo; lembra frescura e umidade, o oceano de Homero e a água sobre a qual andou Pedro; a letra muda-se em ave, sacode a cauda, arrepia as penas, estufa o peito, ri-se e levanta voo. Então, Narciso, você não dá atenção a essas letras? Uma coisa eu lhe digo: foi com elas que Deus escreveu o mundo." (pág 63)

"Para um monge, o objetivo de sua vida pode ser estudar o hebraico, comentar Aristóteles, adornar faustosamente a igreja do convento, enclausurar-se e meditar, ou fazer centenas de outras coisas. A meu ver, isso não são objetivos. Não pretendo aumentar as riquezas do convento, nem reformar a Ordem ou a Igreja. Quero, dentro das minhas possibilidades, servir o Espírito, da foram que eu O entendo, e nada mais. Não será isso um objetivo?" (pág 66)

"Mais forte do que nunca penetrou-o o sentimento do apátrida, do andarilho que não soube erguer um muro de casa de castelo ou de convento entre sua própria pessoa e o grande medo, que pura e simplesmente corre sozinho através do mundo incompreensível e hostil; sozinho entre as estrelas frias e desdenhosas, entre os animais à espreita, entre as árvores pacientes e inabaláveis." (pág 133)

“Porém, continuamente, como se fosse num passe de mágica, via-se abandonado pela alegria e pela serenidade, continuamente essa presunção suja e festiva caía-lhe aos pés; essa arrogância, essa importância e essa preguiçosa tranquilidade de alma arrastando-o à solidão e às cismas, às caminhadas, à contemplação do sofrimento, da morte, do desespero, de todo o agir, do olhar fixado nos precipícios.” (pág 174)

“A visão durou apenas um momento, um momento palpitante: viu o rosto da Mãe da Humanidade, belo e cruel, olhando, com um sorriso perdido, debruçada sobre o abismo da vida; viu-o sorrir para os nascimentos, para os mortos, para as flores e para as sussurrantes folhas de outono, sorrir para a arte, sorrir para o decomposição. Tudo era igual para a Mãe da Humanidade: para ela o melancólico e pensativo Goldmund era tão querido quanto a carpa que morria na calçada do mercado de peixes.” (pág 176)

“... uma onda de vida, de dor, de saudade sufocante corria, revolvendo-se, através do seu coração. Não, não queria possuir a felicidade e a saciedade dos outros, dos vendedores de peixe, dos burgueses, das pessoas diligentes.” (pág 176)

“Quero viver e correr o mundo; sentir o verão e o inverno; ver o universo e degustar suas belezas e degustar seus horrores. Quero sofrer a fome e a sede, quero esquecer e libertar-me de novo de tudo que vivi e aprendi aqui convosco. Gostaria de fazer algo tão belo e que tão profundamente comove o coração, como a vossa mãe de Deus, mas ser igual a vós, viver como viveis, isso eu não quero.” (pág 177)

“Quando andava errante, então uma ameixa seca ou uma velha casca de pão sabiam muito mais ao seu paladar do que aqui, nessa vida opulenta, o melhor dos banquetes! Oh! Longas caminhadas! Oh! Campinas banhadas de luar! Oh! Pegadas de animais cautelosamente observadas na umidade cinzenta da grama matinal! Aqui na cidade, ao lado dos sedentários, tudo era fácil e custava tão pouco, inclusive o amor.” (pág 182)

“Não obedecer a ninguém, dependendo apenas das tormentas e das estações do ano, sem destino à sua frente, sem teto sobre sua cabeça, não possuindo nada de seu e sujeito a todos os acasos – os andarilhos levam uma vida ingênua e corajosa, miserável e intensa. (...) Aceitam das mãos do céu, hora após hora, aquilo que lhes é oferecido: sol, chuva, neblina, neve, calor e frio, bem-estar e mal-estar; para eles não existe tempo, história, esforço, nem tampouco aquela idolatria estranha pelo desenvolvimento e progresso, em que os proprietários acreditam tão desesperadamente.”  (pág 187)

“A vida era bela; a felicidade, bela e passageira; bela e rapidamente fenece a juventude.” (pág 201)

“Parecia que toda a existência repousava sobre as duplicações e contrastes: ou se é homem ou mulher; ou andarilho ou burguês; ou sensato ou sensível. Em parte alguma se poderia experimentar ao mesmo tempo prender e soltar a respiração, ser homem e ser mulher, experimentar a liberdade e a ordem, o instinto e o espírito; sempre se faria uma em detrimento da outra, e uma sempre seria tão importante e desejável quanto a outra! Nesse ponto, talvez fosse mais fácil para as mulheres. Nelas a natureza agia de tal maneira que, por si, o prazer trazia seu fruto, e das alegrias do amor originava-se o filho. Já no homem, em vez dessa frutificação tão simples, permanecia sempre a saudade.” (pág 240)

“Então, no mundo, você se encontra rodeado de morte e de horror, e por esse motivo refugia-se no prazer. Mas o prazer não tem duração e ele o abandona novamente no deserto.” (pág 259)

“Mas é claro que se pode pensar sem usar da imaginação. O pensamento não tem nada a ver com a imaginação. Ele não se efetua em imagens, mas em conceitos e fórmulas. Justamente ali onde cessam as imagens começa a Filosofia.” (pág 268)

“(...) enquanto o homem procura realizar-se dentro das qualidades que a natureza lhe deu, está fazendo o que há de mais sublime e de mais sensato que pode fazer. Por esse motivo é que tantas vezes lhe repeti: não procure copiar o pensador ou asceta, mas seja você mesmo, procure realizar-se a si mesmo!” (pág 269)

“Para nós, discípulos de Aristóteles e de Santo Tomás, o maior de todos os conceitos é: o ser perfeito. O ser perfeito é Deus. Tudo o mais é imperfeito e em parte está em formação, está combinado, compõe-se de possibilidades. Deus porém não é combinado. Ele é um, não tem possibilidades, mas é total e completamente realidade. Nós porém somos perecíveis, estamos em formação, somos possibilidade; para nós não existe perfeição, nenhum ser é perfeito.” (pág 269)

“(...) frequentemente, quando se esforçava para se concentrar, era impelido e maltratado pelo pensamento de que repetir as orações era, no final das contas, um esforço infantil por um Deus que não existia ou que pelo menos não o podia ajudar.” (pág 276)

“Deve dizer seu pai-nosso e seu cântico a Maria, entregando-se às suas palavras e sentindo-se realizado por elas, da mesma maneira que você faria talvez com o canto H, com a execução do alaúde; não como se fosse à cata de um pensamento inteligente qualquer, ou de uma qualquer especulação, mas executando o mais pura e perfeitamente possível um tom e um dedilhar atrás do outro. Enquanto se canta não se pensa se isto é útil ou não, canta-se. Assim também você deve rezar.” (pág 276)

“Aprendo muita coisa com você, Goldmund. Começo a compreender o que significa a arte. Outrora parecia-me que ela não devia, comparada ao pensamento e à ciência, ser levada muito a sério. Pensava da seguinte maneira: já que o homem é uma mistura duvidosa de espírito e matéria, já que o espírito lhe abre o reconhecimento do eterno, sendo porém arrastado pra baixo pela matéria, prendendo-se ao que é transitório, então ele deveria afastar-se dos sentidos e aspirar pelo espiritual a fim de elevar sua vida, dando-lhe um sentido. Aliás, costumava respeitar a arte por um simples hábito. Entretanto eu era orgulhoso e a desprezava. Somente agora reconheço quantos caminhos são necessários para reconhecê-la e que o caminho do espírito não é o único e talvez nem mesmo o melhor. Sem dúvida alguma este último é o meu caminho e nele permanecerei. Vejo-o porém no caminho oposto, no caminho que atravessa os instintos, alcançando tão profundamente e expressando de maneira tão mais convincente o mistério do ser do que a maioria dos pensadores conseguiria fazê-lo.” (pág 280)

“Não sei não, Narciso. Contudo, para se conseguir viver, defender-se do desespero, quanto a isso vocês pensadores e teólogos parecem ser mais bem sucedidos. Há muito tempo não o invejo mais quanto à sua sabedoria, meu amigo; invejo-o pela sua tranquilidade, pela sua serenidade, pela sua paz.” (pág 281)

“Sim, talvez não fosse apenas mais ingênuo e mais humano levar a vida de Goldmund, no final das contas, era também mais corajoso e mais sublime abandonar-se à corrente perversa e ao caos, cometer pecados e arcar com suas amargas consequências, em vez de, do outro lado do mundo, de mãos bem lavadas, levar uma vida limpa, cultivar um belo jardim de pensamentos repletos de harmonia e passear, sem pecados, por entre seus canteiros protegidos.” (pág 287)

“De qualquer maneira, Goldmund mostrara-lhe que um homem destinado ao sublime poderia mergulhar profundamente no caos sangrento e embriagador da vida, inundar-se de muita poeira e sangue, sem contudo tornar-se mesquinho e vulgar, sem matar o divino dentro de si; que poderia vagar através de profundas obscuridades sem que se apagasse no sacrário de sua alma a luz divina e força criadora.” (pág 287)

“Bem, talvez seja um pouco tolo da minha parte. O fato é que estou realmente curioso. Não no que se refere ao lado de lá, Narciso, nem chego a pensar nisso e, se é que posso falar abertamente, não acredito em mais nada disso. Não existe o lado de lá. A árvore seca está morta para sempre; a ave que morreu gelada não volta mais à vida nem tampouco o homem, depois que morreu. É possível que se pense ainda um pouco nele, assim que partiu, mas nem isso dura muito tempo.” (pág 297)










terça-feira, 12 de maio de 2020










Ardência
(breve poema, breve caminho)



Céu cinzento.

Vento frio.

Estrada, curvas, subidas.

Já fiz esse percurso inimagináveis vezes.

Mas hoje há algo diferente no ar.

Tento descobrir o que.

E tudo se mistura na minha cabeça.

A música que ouvi não sei quando, nem onde.

As notícias desafortunadas das últimas semanas.

As pernas queimando sobre os pedais.

Um torpor impregnado por trás do olhar teimoso.

Dos lados, passando, tudo parece fora de foco, de sentido, de lugar.

Ovelhas, pessoas, lixeiras, casas fechadas, caminhões e cachorros.

Tudo parece vazio, distante, ingrato.

E tudo se mistura na minha cabeça.

Tento me lembrar por que estou ali, fazendo o que estou fazendo.

Tento me lembrar dos preceitos dos maiores filósofos de todos os tempos.

Tento falar comigo mesmo.

E ao mesmo tempo que parece funcionar, soa ridículo.

Quem fala?

Quem pensa?

Quem ouve?

Olho no relógio.

O bendito tempo, que não passa, não se importa, não está ali.

E tudo se mistura na minha cabeça.

Vem uma subida forte e penso: você é um homem ou um rato?

Gosto de ver as rodas girando.

Gosto do vento deslizando pelos meus braços e rosto.

Gosto, no fundo, dessa sensação de leve desespero.

Já não sei se sofro ou se me divirto.

E sem conseguir entender, sigo girando os pedais.

E continuam passando cachorros deitados pelos cantos.

Carros e motos roncando seus motores idiotas.

Pequenas pedras estalando sob os pneus.

Alguém fazendo barulho com uma máquina de cortar grama.

E tudo se mistura na minha cabeça.

É liberdade.

Ou talvez não.

Uma angústia parece me apertar o coração.

Preso nessa mente que olha e ri e reclama e se preocupa e fala sobre tudo, o tempo todo.

Nesse corpo que arde e se expande e se contorce e se contrai e chora e sente cada pequeno detalhe.

Nesse labirinto que vai, que vem, que dá voltas, sobe e desce e não sai do lugar.

Se é assim, então que assim seja.

Não quero muito.

No fundo, ainda acho graça do teatro.

E quanto mais insólito tudo parece, mais instigante fica.

E tudo se mistura na minha cabeça.

O filme que recomendaram e que não vi.

O livro que deveria ter lido e que não li.

Aquele curso que queria fazer e que não fiz.

Aquela viagem que me encanta e que não realizei.

Os amigos a quem deveria dar atenção e que não dei.

Os olhares que não contemplei.

As mãos que não apertei.

Os crepúsculos que não apreciei.

Tudo se mistura.

E sei, ou sinto, nesse emaranhado de dores, tempos, marchas e pedais, que a vida é, no final das contas, irrealizável.

Hoje há algo diferente.

Aquele que olha e sente está diferente.

Como sempre está.

Sem mérito nem culpa.

As coisas estão aí.

E tudo se mistura na minha cabeça.



(Curitiba, Maio de 2020)