Tiger 900 Rally Pro

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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Travessia Petrópolis-Teresópolis/ RJ, 1º a 3 de agosto de 2019









Travessia Petrópolis-Teresópolis

Três dias de caminhada na Serra dos Órgãos


* em parceria com Felipe Amante *



Dentre as muitas mudanças tecnológicas e comportamentais dos últimos tempos, sem dúvida alguma essa história de smartphone associado a redes sociais e internet em qualquer lugar é das mais impressionantes. Aconteceu sutilmente, mas teve a força de um tsunami no nosso modo de nos relacionar com o mundo e com tudo em volta.

De repente não nos afastamos mais de nossos celulares, que ficam ligados 24 horas por dia, 7 dias por semana, ininterruptamente. De repente, não responder a uma mensagem de whats app em poucos minutos virou motivo de conflito. É lógico que é uma tecnologia fantástica, super útil e coisa e tal, mas é inegável que já nos tornamos lamentavelmente dependentes dessa nossa bela criação.

Nesse sentido, fazer um trekking como a Travessia Petrópolis-Teresópolis tem o grato benefício, dentre muitos outros, de ser uma oportunidade de desconexão desse insaciável mundo virtual que nos rodeia insistentemente. Avisa-se aos mais próximos que se vai estar “fora do ar” por três dias, desliga-se o aparelhinho e, de repente, estamos de volta ao mundo in natura.

Às seis horas da manhã do dia 1º de agosto, uma quinta-feira, o Felipe e eu desembarcávamos na rodoviária de Petrópolis, após uma incômoda noite espremidos e sacolejando nas poltronas do ônibus que nos trouxe das longínquas terras de São Paulo e Curitiba.

Pegamos um táxi em direção à portaria do Parque Nacional Serra dos Órgãos e devo dizer que, embora devesse ser apenas uma rápida viagem ao início do nosso objetivo, foi um tanto caricatural: o carro saiu e o alarme do cinto de segurança não parava de apitar. Quem estava  sem o tal equipamento de segurança era o nosso animado motorista, que logo nos tranquilizou dizendo que “vai parar de apitar daqui a pouco” (mesmo ele não colocando o bendito cinto). Adotando um estilo de condução esportiva, com o rádio ligado em alto volume numa estação de notícias local, que transmitia as últimas novidades do cenário nacional meio que em tom de piada, não pude deixar de achar certa graça na situação, de tão inusitada. O Rio de Janeiro tem mesmo um jeito de ser muito particular.

Tendo sobrevivido sem traumas à peculiar etapa do táxi, chegamos à portaria do Parque por volta das sete e quinze da manhã. A sugestão do trekking partira do Felipe, algumas semanas antes, e, nesse ínterim, vínhamos nos preparando e estudando o percurso que nos propusemos a fazer.

Eu já fiz essa caminhada onze anos atrás, com o estimado amigo D’Ângelo, e tenho ainda muito boas lembranças dessa experiência.

Esse percurso é considerado por muitos como o mais belo trekking de montanha do Brasil (ainda que esse tipo de classificação seja sempre um tanto controversa). Atravessa a Serra dos Órgãos de uma cidade à outra, e pode ser feita tanto no sentido que estávamos fazendo quanto no inverso.








Mapa geral da travessia:
em vermelho: 1º dia
em azul: 2º dia
em amarelo: 3º dia





Há diversas formas, estilos e ritmos de percorrer esse caminho, que, em distância, soma cerca de 30 km. A forma mais tradicional, digamos assim, era a que estávamos adotando: fazê-lo em três dias, com dois pernoites em acampamentos na montanha, levando nossa autonomia de comida e equipamentos na mochila.

Não se deve enganar pela distância aparentemente curta do trajeto, pois a altimetria acumulada é bastante significativa, tornando a progressão bastante lenta e desgastante, justificando, dessa forma, a divisão em três etapas diárias, permitindo assim que sobre tempo e disposição para a devida contemplação das lindas paisagens do caminho.

Após fazer os devidos registros de entrada na portaria do Parque, demos os primeiros passos montanha acima às oito da manhã. Esse primeiro dia é marcado por uma longa e agressiva subida que, no final das contas, soma mais de 1.200 m de ascensão.





O Felipe preenchendo os formulários de entrada no Parque








Portaria do Parque em Petrópolis
(... e o guarda parque conectado no mundo virtual)
[crédito da foto: Felipe]






O desgaste da viagem de ônibus (desde as 15 horas do dia anterior) e da noite mal dormida rapidamente se dissipou ao primeiro contato com aquele belo ambiente natural. Apesar do natural incômodo inicial da pesada mochila castigando as costas e os ombros, respirar ar puro, sem barulho em volta, e realizando uma atividade tão simples é uma bela combinação de elementos.






























Aos poucos fomos entrando no ritmo, ganhando altura e deixando o mundo dos mil afazeres pra trás.

O dia estava perfeito: aquele sol tímido despontando aos poucos por entre as poucas nuvens e as várias encostas de montanha, temperatura agradável e um convidativo céu azul como pano de fundo.


















Chegando ao Abrigo e camping do Açu
























Por volta das 13 horas alcançamos o local conhecido como Castelos do Açu, onde existe um abrigo de montanha mantido pela administração do Parque (uma casa com alojamento, cozinha e banheiro), próximo ao qual montaríamos nosso acampamento desse dia. É um belo recanto! Não tanto pela beleza cênica em si, que também é apreciável, mas principalmente pelo contexto da situação: o sagrado silêncio em volta, a distância da civilização, o fato de não ter quase ninguém por perto, o amplo azul do céu sobre um mar de montanhas a perder de vista.












Montamos nossas barracas, fizemos um lanche a título de almoço e em seguida recolhemo-nos para um breve e muito bem vindo descanso.












No meio da tarde saímos para uma caminhada sem pressa pelas redondezas, que emendamos com a subida a uma elevação próxima, onde nos sentamos pra esperar e apreciar o pôr do sol que já se aproximava. Verdadeiro espetáculo, contemplado em agradável silêncio e reverência.























Castelos do Açu








Pôr do sol (17:33 h)







(17:36 h)






Implementar essas brincadeiras dá certo trabalho, mas nessas horas a sensação de que vale a pena é tão arrebatadora que funciona como um impulso de ânimo que deixa aquele sentimento leve de estar no lugar certo, na hora certa, fazendo o que devia ser feito.

No começo da noite preparamos nosso jantar (básico: macarrão com atum) em nossos fogareiros, junto ao nosso acampamento, na simplicidade dos elementos que trazíamos em nossas mochilas.

No segundo dia acordamos bem cedo a fim de apreciar o nascer do sol, que agora despontava a leste, sobre um manto de nuvens e névoa que chegava a parecer irreal, tamanha a beleza.







Nascer do sol (06:25 h)





Interessante também, nessas situações, a percepção do tempo que nossa consciência assume. Primeiro há uma sensação de distanciamento do passado recente muito maior do que ocorre de fato, ou seja, parecia que estávamos ali há muito mais do que apenas 24 horas. Há também uma percepção diferenciada do normal em relação ao dia que começa: como não há compromissos com horários marcados nem várias tarefas a serem desempenhadas (a não ser caminhar e chegar no próximo acampamento), a mente se molda a essa perspectiva simplificada de atividade a ser realizada, e devo dizer que há um enorme prazer nesse formato. Tudo o que é preciso fazer é desmontar a barraca, arrumar a mochila e caminhar por algumas horas até o próximo destino, cuidando pra se manter na trilha nesse percurso. Não será necessário negociar nada com ninguém, comprar nada, atender nenhuma ligação nem tomar nenhuma grande decisão – pelo menos por hoje.

Assim, tomamos nosso café da manhã com calma, arrumamos nossas coisas e colocamo-nos a caminho. 














O percurso desse segundo dia seguia subindo e descendo grandes encostas de elevações, ora atravessando pequenos trechos de mata nos vales, ora elevando-se aos cumes ou esgueirando-se à beira de pequenos precipícios.





















O visual realmente é belíssimo, fazendo justiça aos que o consideram um dos mais belos cenários de montanha do Brasil. Dos pontos mais altos é possível ver, a leste, a sequência de picos que se alinham como os tubos de um órgão musical, originando-se daí o nome da Serra.















































































 [crédito da foto: Felipe]








Trecho de escada conhecido como "elevador"
[crédito da foto: Felipe]


























Felipe exercitando suas habilidades de escalador







Em determinado ponto, já próximo da parte final, atingimos uma passagem conhecida como “cavalinho”, que é uma pedra protuberante ao lado de uma encosta vertical que se abre para o vazio muitos metros abaixo. Passamos sem dificuldade, mas realmente requer certa atenção, pois um descuido ali pode custar caro.














Chegamos ao nosso local de acampamento desse dia por volta das 13:30 horas. Novamente o camping ficava ao lado de um abrigo mantido pela administração do parque. Vale destacar que só é permitido acampar nesses locais pré determinados, e que a entrada no Parque segue uma série de regras de controle, como, por exemplo, a limitação da quantidade diária de visitantes. Por isso é preciso agendar a atividade que se pretende realizar várias semanas antes, através do site da administração, pagando as devidas taxas de acesso, sem direito a devolução ou mudanças.























Nesse segundo dia caminhamos o dia inteiro sem encontrar ninguém. Fomos encontrar outros montanhistas já na área do abrigo da Pedra do Sino, aonde acampamos. Nesse local havia vários grupos que tinham subido de Teresópolis, pernoitariam no abrigo e desceriam no dia seguinte.

Descansamos um pouco à tarde e por volta das cinco horas saímos para mais uma caminhada até o topo da Pedra do Sino, distante cerca de meia hora de onde estávamos. Do seu cume é possível avistar, ao longe, o contorno da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e ao redor e mais próximo, os aglomerados de construções das cidades serranas da região. Sem dúvida, é um belo visual. O pôr do sol, no entanto, foi prejudicado, em função de muitas nuvens que se acumulavam a oeste, confirmando a prevista mudança de tempo que se aproximava.








Pedra do Sino. Ao fundo, a Baía de Guanabara

















Pôr do sol (17:29 h)












Muito bom esse ritmo de trilha de dormir cedo e acordar cedo. Às 20 horas já havíamos concluído nosso jantar e então só nos restava o aconchego de nossas barracas e de nossos sonhos.














No sábado acordamos novamente de madrugada e retornamos ao cume da Pedra do Sino pra tentar ver o nascer do sol. No entanto o tempo estava bem fechado, com muita neblina, e infelizmente não foi possível apreciar o espetáculo que deve ser o sol nascendo no horizonte visto de um local como aquele.








Nascer do sol, dentre a névoa (06:33 h)







Retornamos, preparamos nosso desjejum com bastante calma e, em seguida, iniciamos a desmontagem do nosso acampamento para iniciar o último dia da nossa travessia. Nesse curto intervalo o tempo fechou completamente, com a neblina bem espessa circulando ao nosso lado. A visibilidade caiu para não mais do que 15 metros, mas considerando que a trilha desse último trecho era muito bem demarcada, não era algo que preocupasse. Se tivéssemos tido essas condições no dia anterior, teria sido bem complicado.

Nessa última etapa a paisagem se transformou totalmente, com praticamente o percurso todo em descida e a trilha desenvolvendo-se em meio a uma bela mata de densa vegetação. No decorrer do trajeto, a neblina virou uma chuva fininha, o que conferiu ao ambiente aquele aspecto de mistério e de silêncio ainda mais profundo. Em certos pontos parecia que estávamos em uma floresta dessas que se vê em filmes dos tempos medievais.

























































Por volta do meio dia atingimos o fim da trilha na sede do Parque em Teresópolis, extremamente satisfeitos por mais uma “missão cumprida”. 













De lá ainda fomos caminhando mais alguns quilômetros até a cidade, onde desmobilizamos e nos preparamos para o retorno às nossas casas.

Um dos temas sobre o qual conversamos bastante nesses três dias foi essa questão logística em um trekking como esse, o que se constitui, em última análise, no que levar e o que não levar, pesos e volumes, necessidades e confortos, e nos detalhes técnicos dos equipamentos que se utiliza. O Felipe é um entusiasta e excelente pesquisador desse tema, e tem razão em sê-lo, porque é dos mais relevantes em qualquer tipo de expedição.

Existem inúmeros argumentos a favor e contra as duas linhas principais de como pensar e fazer esse tipo de atividade: a minimalista e a totalmente equipada. Não vou entrar em detalhes desse debate aqui, neste momento, mas vale lembrar da questão a fim de deixar claro que existem diversas formas de percorrer o mesmo caminho. No entanto, não há formas certas e erradas. O que há, talvez, são maneiras mais e menos eficientes, e aí a conversa fica interessante.

No final das contas cada caminho, cada saída dessa, cada pequena experiência soma um pouquinho mais de conhecimento e prática, e assim vamos aperfeiçoando e tentando achar o nosso melhor set up.

Mas uma caminhada dessa vai muito além das questões práticas que a envolvem, é lógico. Não é nada extraordinário, mas ainda assim requer a ativação de algumas capacidades e gerenciamento de algumas situações.

De certa forma, talvez um dos prazeres dessa vivência seja justamente a sua mais autêntica simplicidade e a oportunidade de afastamento do mundo cotidiano e de suas inúmeras e cansativas opções e demandas.

Às vezes fico pensando sobre isso e me parece que ao mesmo tempo em que criamos uma sociedade que tem muito a nos oferecer em termos de acesso e confortos, tudo tem seu preço, nem que seja o tempo e a energia necessários para usufruir disso tudo. E o simples fato de ter muita opção já é uma condição estressante por si mesma. 

Por isso sair para um passeio desse é tão bacana: por um tempo definido (nesse caso, três dias) tudo que se tem a fazer é caminhar, alimentar-se da comida que você mesmo carrega e observar o mundo e a si mesmo.

E aí, vamos juntos?








***   ***   ***









 
Primeiro dia
(1.233 m de ganho de elevação/ 152 m de perda de elevação)









Segundo dia
(739 m de ganho de elevação/ 740 m de perda de elevação)









Terceiro dia
(24 m de ganho de elevação/ 1.178 m de perda de elevação)








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  • Meu muito obrigado mais uma vez ao amigo e parceiro Felipe Amante. Relações de confiança se constroem nas provações. Que venham outras! 



  • Aos amigos Guilherme Gardelin e William, que participaram dos planejamentos iniciais e tinham intenção de fazer a travessia conosco, mas tiveram problemas pessoais de última hora que os impediram, espero contar com suas presenças nas próximas. Força Sempre!






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"Agir, eis a inteligência verdadeira.
Serei o que quiser..
Mas tenho que querer o que for.
O êxito está em ter êxito,
e não em ter condições de ter êxito."

(Fernando Pessoa)










Gratidão




Força Sempre