Li recentemente o livro
“Homo Deus – uma breve história do amanhã” (editora Companhia das Letras, 2016),
do historiador israelense Yuval Noah Harari (autor também do best seller “Sapiens, uma breve história
da humanidade” – sobre o qual fiz aqui no blog uma breve resenha, há alguns
meses, neste link: Sapiens - uma breve história da humanidade), e devo confessar, de início, que a obra me impactou
profundamente. Na verdade acho que me causou certo desconforto, certa angústia
existencial, aquele sentimento ambíguo de um frio desamparo e de algo como uma
ligeira excitação.
Acho ainda que grande
parte desses sentimentos experimentados deve-se não apenas à forma engenhosa e
bem argumentada com que o autor tece suas ideias, mas principalmente à
identificação com elas. Aquela sensação de já ter desconfiado disso em algum
momento no decorrer da vida, e de repente ali está ele, explicando em detalhes
um ou outro ponto que já havia me passado pela cabeça em certas situações. E,
mais do que isso, a sensação de que ele tem razão (ou que, pelo menos, suas
ideias fazem sentido).
Isso não quer dizer,
entretanto, que tudo o que ele diz seja certo, ou seja a expressão máxima do
alcance humano em tentar entender a si próprio e ao mundo no qual vivemos. No
final das contas, é mais um ponto de vista, como vários outros. Mas certamente
é uma forma de ver a história do Homo sapiens
que é digna de atenção e reflexão.
Harari tem uma visão bastante
crítica, digamos assim, dessa história. Ele desconstrói vários conceitos
fortemente estabelecidos na nossa cultura dominante e questiona tantos outros,
o que é sempre muito instigante.
Vale destacar que o autor
tem uma visão estritamente materialista da vida, ou seja, é aquela abordagem de
que “as coisas são como são” e não como gostaríamos que fossem, ou como nos
contaram que são, ou como imaginamos ser. Se não pode ser provado, testado e
argumentado, então não vale como “candidato à verdade”.
Esse entendimento, por si
só, poderia ser tema de discussões acaloradas e intermináveis. Eu mesmo
confesso (e já assumi isso em outros textos aqui neste blog) que acho que a
vida tem mais mistérios e nuances do que é possível enxergar pelas lentes dos
nossos micro ou telescópios, ou pela capacidade de alcance da nossa mente
concreta. E acho isso não exatamente por percepção pessoal, mas considerando
tantas histórias, mensagens e ensinamentos que nos foram legados por grandes
seres que já passaram por esse nosso sofrido mundinho. Não obstante, admito a
possibilidade de que a história toda possa ser diferente dessa versão.
Um dos pontos chave de sua
obra, que me inspirou profundas reflexões pessoais, diz respeito à questão do
livre arbítrio do ser humano. Harari argumenta, pra resumir sua extensa
exposição a esse respeito, que, ao contrário do que imaginamos, não temos esse
tal livre arbítrio, entendido como a capacidade de fazer escolhas isentas e
autênticas. Para ele, nossas decisões, que nos parecem livres e profundamente
pessoais, não são mais do que um resultado lógico de diversos dados, fatos e
decisões passadas. É mais ou menos como se tudo, desde o início da história da
humanidade, tivesse vindo se tecendo, fio a fio, para dar no momento em que
estamos no presente. Aí o que parece ser uma decisão pessoal, na verdade seria
apenas a consequência lógica dessa longa cadeia de acontecimentos.
Paralelo a isso, ele
argumenta cuidadosamente que, no fundo, no fundo, nós, seres humanos, como
indivíduos, somos muito mais complexos e instáveis do que imaginamos ou
gostaríamos. Fiz um paralelo pessoal desse seu ponto de vista com aquela ideia
de mundo do filme Matrix. Acho que o que ele quis dizer é que cada um de nós é
mais ou menos como uma Matrix individual – a gente acha que está no controle!
Essa questão remete à
desconstrução do poderoso conceito de que os humanos seriam o ápice de um
processe evolutivo, assim propagado tanto por uma forte corrente religiosa
quanto por certas abordagens científicas. Segundo ele, somos muito “menos” do
que gostamos de pensar a respeito de nós mesmos.
Outra questão abordada na
obra é sobre a (des)organização dos seres humanos como espécie, em termos
evolutivos e históricos. Ele explica, com argumentos históricos, que nos
primórdios a humanidade vivia em pequenos grupos isolados e incomunicáveis.
Muito tempo depois isso evoluiu para a comunidade global em que vivemos hoje em
dia, em que (quase) todos estão conectados e sabem (quase) tudo a respeito do
que se passa pelo mundo. Segue argumentando que essa evolução não foi capaz, no
entanto, de nos fazer pensar como uma espécie única, pois continuamos presos a
uma visão estreita tanto no espaço quanto no tempo – ainda enfatizamos nossas
visões nacionalistas e nos preocupamos, a rigor, com poucos anos à frente do
nosso presente.
No livro anterior –
“Sapiens, uma breve história da humanidade” – Harari busca percorrer a
longínqua história da nossa espécie pra tentar entender como os humanos
chegaram onde chegaram, em detrimento de várias outras espécies (tanto de
humanos quanto de animais) com as quais convivemos neste planeta. Segundo seu
entendimento, foi uma pequena diferença que tornou possível aos seres humanos
subjugar todos os demais concorrentes e dominar os rumos da história, como se
sabe – esse detalhe é a capacidade dos sapiens
de se comunicar entre si e de, com isso, criar histórias imaginárias.
Na obra atual, como o
subtítulo sugere, ele busca lançar seu olhar para o futuro dessa história.
Nesse sentido, esclarece que não está fazendo previsão do futuro, mas tão
somente elencando cenários possíveis ou tendências, digamos assim.
Na verdade ele acha que
estamos no limiar de uma nova, grande e imprevisível revolução para a nossa
espécie – tal como foi a Revolução Agrícola (cujas consequências foram
extensamente abordadas no livro anterior). Essa revolução seria o fruto maduro
da plantinha que hoje vemos crescer sob o nome de tecnologia.
Uma das vertentes desse
novo divisor de águas seria o mundo ainda incipiente da engenharia genética.
Ele supõe que num futuro não muito distante, o ser humano vai se reinventar baseado
na manipulação dos nossos genes. O que pode surgir daí, segundo essa visão, é
nada menos do que um novo sapiens,
tal (ou maior) como ocorreu com a transição entre o caçador-coletor e o
agricultor.
Como exemplo, pode-se
citar o monitoramento e erradicação de doenças congênitas e o desenho de
atributos específicos em seres humanos a serem gerados, como uma espécie de
programação de personalidade. Para ele, os cuidados e barreiras que hoje
existem em relação à engenharia genética irão desaparecer em breve, abrindo
caminho para esses novos e inimagináveis horizontes. Um problema desse possível
futuro é que essas novas possibilidades custarão caro, como qualquer tecnologia
inovadora e muito valorizada, e isso criará um abismo entre quem terá e quem
não terá acesso às novas ferramentas.
Outra tendência admirável
da nossa ainda embrionária tecnologia é o que hoje chamamos de inteligência
artificial, e a que o autor se refere em algumas passagens como “vida
inorgânica”. Segundo ele, o potencial dessa tecnologia ainda é desconhecido,
mas dá alguns palpites. Considera, por exemplo, que os dados e as máquinas
terão uma ascendência sobre os humanos muito maior do que podemos suspeitar. Em
último grau, não descarta a possibilidade já abordada em algumas obras de
ficção científica de que a inteligência artificial se torne mesmo independente
da humana, capaz de se desenvolver e tomar decisões sem ninguém para apertar os
botões por trás. Os riscos dessa evolução são difíceis de serem previstos.
Harari chega ao ponto de
dizer que uma nova religião surgirá nesse novo cenário, a religião dos dados ou
dataísmo, que seria o reconhecimento do super poder dos dados nas nossas vidas.
Ele cita, por exemplo, que num futuro não muito distante, provavelmente
recorreremos a softwares que, de posse de inúmeros dados da nossa própria vida,
nos orientarão a respeito de decisões a serem tomadas e problemas a serem
resolvidos.
Ele chega até mesmo a
ironizar o conceito máximo da filosofia que recomenda “conhece-te a ti mesmo”,
dizendo que isso só será possível através do auxílio de complexos e
inteligentes programas de computador.
Se pararmos pra pensar,
veremos que, de certa forma, já percebemos uma sombra dessa realidade nos dias
atuais, em que, a despeito de (ou talvez por causa de) termos uma fonte
interminável de informações e conhecimentos à nossa disposição, definitivamente
não damos conta de gerenciar todas essas possibilidades, e acabamos por nos
perder, frustrados, em meio a essa avalanche de dados disponíveis.
Boa parte da obra é
dedicada também a descrever e explicar o papel do liberalismo no estilo de vida
da nossa sociedade moderna – o culto às próprias opiniões, a perda de
influência das religiões sobre a determinação de regras para a vida, os valores
que determinam o mais desejável dos sentimentos, o de felicidade, etc. E também
como o próprio liberalismo, baluarte máximo dos nossos tempos, já se encontra
debilitado por novos conceitos e descobertas que apontam para o futuro que se
aproxima rapidamente.
(fonte da imagem: Google)
*** *** ***
Transcrevo, a seguir,
alguns trechos do livro que ilustram algumas dessas ideias elencadas acima, bem
como outras igualmente interessantes:
“Em
2012, aproximadamente 56 milhões de pessoas morreram no mundo inteiro; 620 mil
morreram em razão da violência humana (guerras mataram 120 mil pessoas, o crime
matou outras 500 mil). Em contrapartida, 800 mil cometeram suicídio e 1,5
milhão morreram de diabetes. O açúcar é mais perigoso do que a pólvora”. [pág
24]
“Raramente
nos satisfazemos com o que já temos. A reação mais comum da mente humana a uma
conquista não é satisfação, e sim o anseio por mais.” [pág 30]
“(...)
ser feliz exige trabalho duro. Conquistas materiais não proporcionam satisfação
por muito tempo. Na verdade, a perseguição cega do dinheiro, da fama e do
prazer só torna as pessoas infelizes.” [pág 41]
“Epicuro
aparentemente percebeu que ser feliz não é algo que acontece com facilidade.
(...) apesar de mais prosperidade, conforto e segurança, a taxa de suicídios no
mundo desenvolvido é muito mais elevada do que nas sociedades tradicionais.”
[pág 42]
“A
impressão que se tem é que nossa felicidade vai de encontro a um misterioso
teto de vidro que não permite seu crescimento, a despeito das conquistas sem
precedentes que foram alcançadas.” [pág 43]
“No
nível psicológico a felicidade depende mais de expectativas do que de condições
objetivas. (...) nosso contentamento resulta de a realidade corresponder a
nossas expectativas. A má notícia é que, à medida que as condições melhoram,
nossas expectativas inflam.” [pág 43]
“Humanos
também preferem a excitação da corrida ao descanso nas láureas do sucesso.
(...) Talvez a chave para a felicidade não seja nem a corrida nem a medalha de
ouro, e sim a combinação de doses certas de excitação e tranquilidade; mas a
maioria das pessoas tende a saltar toda a distância que vai do estresse ao
tédio e, ao fim, segue descontente com um e com outro.” [pág 47]
“Depois
de 4 bilhões de anos perambulando no reino dos compostos orgânicos, a vida
eclodirá na vastidão do reino inorgânico e assumirá formas que não podemos
vislumbrar mesmo em nossos sonhos mais loucos.” [pág 53]
“Por
milhares de anos reviravoltas tecnológicas, econômicas, sociais e políticas
fizeram parte da história. Mas algo permaneceu constante: a humanidade em si
mesma. (...) assim que a tecnologia permitir a reengenharia das mentes humanas,
o Homo Sapiens vai desaparecer, a história humana caminhará para o seu fim e um
tipo de processo completamente novo vai surgir.” [pág 54]
“No
século XXI, o terceiro grande projeto da humanidade será adquirir poderes
divinos de criação e destruição e elevar o Homo Sapiens à condição de Homo
Deus. (...) Assim, bem podemos pensar que a nova agenda humana na realidade
consiste em um só projeto (com muitos ramos): alcançar a divindade.” [pág 55]
“Vemos
essa realidade como fato consumado e achamos natural, inevitável e imutável.
Esquecemos que nosso mundo foi criado numa cadeia de eventos acidental e que a
história configurou não apenas a tecnologia, a política e a sociedade, mas
também nossos pensamentos, temores e sonhos. (...) raramente tentamos nos livrar
dela para antever futuros alternativos.” [pág 67]
“A
fazenda agrícola tornou-se assim o protótipo de novas sociedades, que incluíam
os empolados senhores, as raças inferiores destinadas a serem exploradas ,
animais selvagens prontos para serem exterminados, e um grande Deus acima de
tudo, dando Sua bênção a esse arranjo todo.” [pág 103]
“Durante
a Revolução Agrícola a humanidade silenciou animais e plantas e transformou a
grande ópera animista num diálogo entre o homem e deuses. O mundo transformou-se
em um ‘one man show’.” [pág 104]
“A
ideia fundamental das religiões humanistas, como o liberalismo, o comunismo e o
nazismo, é que o Homo Sapiens tem uma essência única e sagrada, fonte
de todo o sentido e de toda a autoridade no Universo. Tudo o que acontece no
cosmo é considerado bom ou mau de acordo com o impacto que exerce sobre o Homo
Sapiens.” [pág 105]
“(...)
o que há nos humanos que nos faz tão inteligentes e poderosos, e qual a
possibilidade de que entidades não humanas venham a rivalizar conosco e nos
ultrapassar?” [pág 107]
“O
Homo sapiens também gosta de pensar que usufrui de um status moral superior e
que o valor da vida humana é muito maior que a de porcos, elefantes ou lobos.
(...) Será que poder implica direitos?” [pág 108]
“Infelizmente
a teoria da evolução rejeita a ideia de que o meu eu verdadeiro é uma essência
indivisível, imutável e potencialmente eterna.” [pág 111]
“Descartadas
as exageradas noções de que o Homo sapiens existe num plano totalmente
diferente do dos outros animais, e de que humanos possuem uma essência única,
como alma ou consciência, podemos finalmente descer ao nível da realidade e
examinar as aptidões físicas e mentais específicas que conferem à nossa espécie
sua posição vantajosa.” [pág 137]
“(...)
o fator crucial de nossa conquista do mundo foi nossa capacidade de conectar
muitos humanos uns como os outros. Hoje dominamos completamente o planeta não
porque um indivíduo humano seja muito mais esperto e mais ágil do que um
indivíduo chimpanzé ou lobo, e sim porque o Homo sapiens é a única espécie na
Terra capaz de uma cooperação flexível e em grande escala.” [pág 138]
“Sapiens
não se comportam segundo uma lógica matemática e fria, e sim de acordo com uma
cálida lógica social. Somos governados por emoções.” [pág 147]
“Toda
cooperação humana em grande escala baseia-se em última análise na nossa crença
em ordens imaginadas.” [pág 149]
“As
pessoas reforçam constantemente e reciprocamente suas crenças, num ciclo que se
autoperpetua.” [pág 152]
“É
assim que a história se desenrola. Pessoas tecem uma rede de significados,
acreditam nela piamente, porém mais cedo ou mais tarde a teia se desfaz, e,
quando olhamos para trás, não conseguimos compreender como alguém a levou a
sério. (...) Daqui a cem anos, nossa crença na democracia e nos direitos
humanos pode igualmente parecer incompreensível para nossos descendentes
humanos.’ [pág 156]
“Para
compreender nosso futuro precisamos compreender como as histórias sobre Jesus
Cristo, a República Francesa e a Apple adquiriram tamanho poder. Os humanos
pensam que fazem história, mas a história comumente gira em torno da teia de
histórias ficcionais.” [pág 163]
“Tudo
começou 70 mil anos atrás, quando a Revolução Cognitiva permitiu que o Sapiens
começasse a falar de coisas que só existiam na sua imaginação.” [pág 164]
“À medida que acumulam poder, as burocracias se tornam imunes aos próprios erros.”
[pág 175]
“Ao
se examinar a história de qualquer rede humana, é recomendável parar de vez em
quando e olhar as coisas da perspectiva de alguma entidade real. Como se sabe
se uma entidade é real? Muito simples – apenas pergunte a si mesmo: ‘Ela é
capaz de sofrer?” Quando pessoas derrubam e incendeiam o templo de Zeus, Zeus
não sofre. Quando o euro se desvaloriza, o euro não sofre. Quando um país é
derrotado na guerra, o país na verdade não sofre. É só uma metáfora. Em
contraste, quando um soldado é ferido em combate, ele sofre. Quando um camponês
faminto não tem o que comer, ele sofre. Quando uma vaca é separada de seu
bezerro recém-nascido, ela sofre. Isso é realidade.” [pág 184]
“Corporações,
dinheiro e nações existem apenas em nossa imaginação. Nós os inventamos para
nos servirem; por que chegamos a sacrificar nossas vidas a seu serviço?” [pág
185]
“Infelizmente,
a fé cega nas histórias não raro acarretou a concentração dos esforços humanos
em incrementar a glória de entidades ficcionais como deuses e nações, em vez de
melhorar a vida de seres reais e sencientes.” [pág 186]
“Diz-se
que Deus ajuda a quem se ajuda. É um modo indireto de dizer que Deus não
existe, mas, se nossa crença n’Ele nos inspirar a fazer algo a nós mesmos –
isso ajuda.” [pág 187]
“Religião
é qualquer coisa que confira legitimidade sobre-humana a estruturas sociais
humanas.” [pág 189]
“A
modernidade é um contrato. (...) O contrato inteiro pode ser resumido numa
única frase: humanos concordam em abrir mão de significado em troca de poder.”
[pág 206]
“A
cultura moderna rejeita a crença num grande plano cósmico. Não somos atores em
qualquer drama maior do que a vida. A vida não tem roteiro, nem dramaturgo, nem
diretor, nem produtor – tampouco significado.” [pág 207]
“Portanto
o trato da modernidade oferece ao homem uma enorme tentação, aliada a uma
ameaça colossal. A onipotência está diante de nós, quase ao nosso alcance, mas
debaixo de nós se escancara o abismo do nada total.” [pág 208]
“Nunca
chegaremos a um momento no qual o capitalismo dirá: ‘É isso aí. Você já cresceu
bastante. Agora pode ir com calma’.” [pág 216]
“Não
existe justiça na história. Quando ocorre uma catástrofe, o pobre sempre sofre
mais do que o rico, mesmo que tenham sido os ricos os causadores da tragédia.”
[pág 220]
“Todos
as relações fixas e todos os antigos preconceitos são varridos para um lado, e
novas estruturas tornam-se antiquadas antes de chegarem a se solidificar. E
tudo o que é sólido se desmancha no ar.” [pág 224]
“Em
nível individual somos inspirados a aumentar constantemente nossa renda e a
elevar nosso padrão de vida. Mesmo se você estiver bem satisfeito com suas
condições atuais, deve se empenhar por mais. Os luxos de ontem tornam-se as
necessidades de hoje.” [pág 224]
“Assim,
o capitalismo santificou o sistema voraz e caótico que cresce aos pulos e
saltos, sem que ninguém entenda o que está acontecendo e para onde estamos
correndo.” [pág 225]
“(...)
o contrato moderno nos prometeu um poder sem precedentes – e a promessa foi
mantida. E quanto ao preço? Em troca do poder, o trato moderno espera que
abramos mão do significado.” [pág 225]
“A
religião humanista cultua a humanidade (...). Enquanto tradicionalmente o
grande plano cósmico emprestava um significado à vida humana, o humanismo
inverte os papéis e espera que as experiências dos humanos deem significado ao
grande cosmo.” [pág 228]
“Na
ética, o lema dos humanistas é: ‘se lhe parece bem, faça-o’. Na política, o
humanismo nos diz que ‘o eleitor está com a razão’. Na estética, para o humanismo
‘a beleza está nos olhos do observador’.” [pág 236]
“Quando
a fonte do significado e da autoridade foi realocada do céu para os sentimentos
humanos, toda a natureza do cosmo mudou. O universo exterior – até então
enxameado de deuses, musas, fadas e demônios lendários – tornou-se um espaço
vazio. O mundo interior - até então um enclave insignificante de paixões
grosseiras – tornou-se profundo e rico além de qualquer medida.” [pág 239]
“Se
eu acredito em Deus afinal, foi opção minha acreditar. Se meu interior me diz
para acreditar em Deus - então eu acredito. (...) Assim, mesmo quando digo que
acredito em Deus, a verdade é que tenho uma crença muito mais forte na minha
voz interior.” [pág 239]
“Não
se pode realmente experimentar algo se não se tem a sensibilidade necessária, e
não se pode desenvolver a sensibilidade a não ser passando por uma longa
sequência de experiências.” [pág 244]
“(...)
O humanismo vê a vida como um processo gradual de mudança interior, que parte
da ignorância e chega à iluminação por meio de experiências. O mais alto
objetivo de uma vida humanística é desenvolver completamente seu conhecimento
mediante uma grande variedade de experiências intelectuais, emocionais e
físicas.” [pág 245]
“Durante
milhares de anos, quando olhavam para a guerra, as pessoas viam deuses, imperadores,
generais e grandes heróis. Mas nos últimos dois séculos, reis e generais foram
empurrados para um lado e as luzes da ribalta passaram a destacar o soldado
comum e suas experiências. Romances de guerra, como ‘Nada de novo no front’, e
filmes de guerra, como ‘Platoon’, começam com um jovem e ingênuo recruta, que
pouco sabe sobre si mesmo e sobre o mundo, mas carrega uma pesada carga de
esperanças e ilusões. Acredita que a guerra é gloriosa, que nossa causa é
justa, que o general é um gênio. Algumas semanas de uma guerra real – de lama,
sangue e cheiro de morte – despedaçam suas ilusões, sucessivamente.” [pág 250]
“Na
verdade, o humanismo compartilha a sina de toda religião bem sucedida, como o
cristianismo e o budismo. Ao se espraiar e evoluir, fragmenta-se em diversas
seitas conflitantes.” [pág 253]
“A
evolução não parou com o Homo sapiens – ainda há um longo caminho a percorrer.”
[pág 259]
“Existe
inequivocamente uma hierarquia de experiências humanas. (...) Segundo os
humanistas evolutivos, quem argumentar que todas as experiências humanas têm
igual valor ou é um imbecil ou é um covarde.” [pág 266]
“Religião
e tecnologia estão sempre dançando um tango delicado.” [pág 273]
“O
que acontecerá com o mercado de trabalho quando a inteligência artificial suplantar
humanos na maioria das tarefas cognitivas? Qual será o impacto político de uma
nova classe massiva de pessoas economicamente inúteis? (...) O que acontecerá
com a sociedade humana quando a biotecnologia nos permitir ter bebês projetados
e abrir abismos sem precedentes entre ricos e pobres?” [pág 274]
“Os
principais produtos do século XXI serão corpos, cérebros e mentes, e o abismo
entre os que sabem operar a engenharia de corpos e cérebros e os que não sabem
será muito maior do que aquele entre a Grã-Bretanha de Dickens e o Sudão do
Mahdi. Na verdade, será maior do que a brecha entre o Sapiens e os neandertais.”
[pág 278]
“As
religiões tradicionais não oferecem uma alternativa real ao liberalismo. Suas
escrituras nada têm a dizer sobre engenharia genética ou inteligência artificial.
(...) Quando a engenharia genética e a inteligência artificial revelarem todo o
seu potencial, o liberalismo, a democracia e os livres mercados poderão
tornar-se tão obsoletos quanto facas de pedra lascada, fitas cassete, o islamismo
e o comunismo.” [pág 280]
“Até
onde vai o melhor de nosso entendimento científico, determinismo e
aleatoriedade dividem o bolo entre eles, sem deixar uma só migalha para a ‘liberdade’.
A palavra sagrada ‘liberdade’ acaba se revelando, assim como ‘alma’, um termo vazio
que não carrega nenhum significado discernível. Livre-arbítrio só existe em
histórias imaginárias inventadas pelos humanos. O derradeiro prego no caixão da
liberdade é fornecido pela teoria da evolução. Assim como não pode se enquadrar
na ideia de almas eternas, tampouco a evolução pode engolir a ideia de
livre-arbítrio. (...) Segundo a teoria da evolução, todas as escolhas que os
animais fazem refletem seu código genético.” [pág 287]
“Mas
a pergunta-chave não é se papagaios e humanos são capazes de agir segundo seus
desejos interiores – a questão é, para começar, se podem escolher esses
desejos. (...) O que me faz embarcar em um trem de raciocínios e não em outro?
Na estação que existe em meu cérebro, posso ser compelido por processos
determinísticos a entrar num determinado trem de raciocínio, ou posso embarcar
aleatoriamente. Mas não escolho ‘livremente’ os pensamentos (...)” [pág 288]
“Por
que me ocorreu este pensamento específico? (...) Se realmente sou o senhor de
meus pensamentos e minhas decisões, posso decidir não pensar sobre
absolutamente nada durante os próximos sessenta segundos?” [pág 289]
“Experimentos
realizados com o Homo sapiens indicam que, assim como os ratos, humanos também
podem ser manipulados e que é possível criar ou extinguir sentimentos complexos
como amor, raiva, medo e depressão (...)” [pág 290]
“(...)
a noção de que você tem seu eu único, e que, portanto, é capaz de distinguir seus
desejos autênticos do de outras vozes, é somente mais um mito liberal,
desmascarado pela pesquisa científica mais recente.” [pág 294]
“Durante
as últimas décadas, contudo, as ciências biológicas chegaram à conclusão de que
a história liberal é pura mitologia. O único e autêntico eu é tão real quanto a
alma eterna cristã, Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa. Se você olhar
profundamente para dentro de si mesmo, a aparente unidade que consideramos
óbvia se dissolve numa cacofonia de vozes conflitantes, nenhuma das quais é ‘meu
verdadeiro eu’.” [pág 294]
“No
entanto, o eu da experiência não se lembra de nada. Não conta histórias e
raramente é consultado quando se trata de grandes decisões. Resgatar memórias,
contar histórias e tomar grandes decisões são o monopólio de uma entidade muito
diferente dentro de nós: o eu da narrativa. Esse eu (...) está eternamente ocupado
fantasiando sobre o passado e fazendo planos para o futuro. Como todo
jornalista, todo poeta e todo político, o eu da narrativa toma muitos atalhos,
não narra tudo e comumente tece uma história apenas com pontos culminantes e os
resultados finais.” [pág 298]
“(...)quanto
mais nos sacrificamos em benefício de uma história imaginária, mais forte ela
se torna, porque desesperadamente queremos dar um sentido ao sacrifício e ao sofrimento
que causamos.” [pág 303]
“Sacerdotes
descobriram esses princípios há milhares de anos. (...) Se você quiser que as
pessoas acreditem em entidades imaginárias como deuses e nações, deve fazer com
que sacrifiquem algo valioso. Quanto mais doloroso o sacrifício, maior a crença
na existência do imaginário receptor do sacrifício. (...) caso contrário, como
desculpar a própria estupidez? (...) A mesma lógica funciona igualmente na
esfera econômica.” [pág 305]
“Não
são somente os governos que caem nessa armadilha. Corporações de negócios
frequentemente enterram milhões em empresas falidas, indivíduos privados
agarram-se a casamentos disfuncionais e empregos sem futuro. Para o eu da
narrativa, seria preferível continuar a sofrer no futuro para não ter de
admitir que o sofrimento no passado foi totalmente destituído de sentido.” [pág
306]
“Vemos,
então, que o eu também é uma história imaginária, assim como nações, deuses e
dinheiro. Cada um de nós tem um sistema sofisticado que joga fora a maior parte
de nossas experiências, guardando apenas algumas amostras selecionadas,
misturando-as com fragmentos de filmes a que assistimos, romances que lemos,
discursos que ouvimos e de nossos próprios devaneios. De todo esse emaranhado
ele tece uma história aparentemente coerente sobre quem sou, de onde venho e
para onde estou indo. Essa história me diz o que devo amar, a quem odiar e o
que devo fazer comigo mesmo. Essa história pode até fazer com que eu sacrifique
minha vida, se é isso que o enredo requer. Todos nós temos nosso gênero de
história. (...) Mas, no fim, são apenas histórias.” [pág 307]
“Qual
é, então, o sentido da vida? O liberalismo sustenta que não devemos esperar que
uma entidade externa nos forneça algum sentido pré-fabricado. Em vez disso,
todo eleitor, cliente e observador individual deveria usar seu livre-arbítrio
para dar sentido não somente à sua vida, mas a todo o Universo. As ciências
biológicas abalaram o liberalismo, alegando que o indivíduo livre é tão somente
uma história ficcional fabricada por um conjunto de algoritmos bioquímicos.
(...) O eu da narrativa tenta impor ordem a esse caos urdindo uma história interminável.
(...) Porém, por mais convincente e tentadora que essa história possa ser, essa
história é uma ficção. Cruzados medievais acreditavam que Deus e o céu tinham
dado a suas vidas um significado. Liberais modernos acreditam que escolhas
livres individuais é que dão sentido à vida. Todos são igualmente delírios.”
[pág 307]
“A
questão mais importante na economia do século XXI pode bem ser o que fazer com
todas as pessoas supérfluas. O que os humanos conscientes farão quando tivermos
algoritmos não conscientes e sumamente inteligentes para fazer quase tudo
melhor? [pág 321]
“Diz-se
com frequência que a arte nos oferece nosso último e definitivo (e exclusivamente
humano) santuário. (...) É difícil, porém, conceber um motivo pelo qual a
criação artística estaria imune aos logaritmos. (...) Segundo as ciências
biológicas, arte é o produto não de algum espírito encantado ou de uma alma
metafísica, e sim de algoritmos orgânicos que reconhecem padrões matemáticos.”
[pág 327]
“O
problema crucial não é criar novos empregos. É criar novos empregos nos quais o
desempenho dos humanos seja melhor que o dos algoritmos. (...) Seria
extremamente difícil para os humanos controlar um sistema mais esperto que eles
mesmo.” [pág 330]
“O
movimento ‘Quantified Self’, o ‘Eu quantificado’, alega que o eu consiste em
nada mais do que padrões matemáticos. Esses padrões são tão complexos que a
mente humana não consegue compreendê-los. Assim, se você quiser seguir o velho
adágio e conhecer a si mesmo, não perca tempo em filosofia, meditação ou
psicanálise; sistematicamente, colete dados biométricos e deixe que algoritmos os
analisem e que lhe digam quem você é e o que deveria fazer. O lema do movimento
é “autoconhecimento por meio de números.” [pág 334]
Comentário: isso já ocorre de forma totalmente aceita e disseminada, por exemplo, na medicina e, em grande parte, nos esportes - em que os atletas substituem sua percepção pessoal pela análise de dados fornecidos por medidores de potência, frequencímetros e outros tipos de computadores.
“O
liberalismo entrará em colapso no dia em que o sistema me conhecer melhor do
que eu mesmo me conheço. O que é menos difícil do que pode parecer, uma vez que
a maioria das pessoas não se conhece realmente muito bem.” [pág 342]
“No
século XXI há mais probabilidade de que o indivíduo se desintegre suavemente
por dentro do que brutalmente esmagado por fora. (...) Nesse processo, será
revelado que o indivíduo não é senão uma fantasia religiosa. A realidade será
uma malha de algoritmos bioquímicos e eletrônicos, sem fronteiras bem
definidas, e sem centros de controle individuais.” [pág 348]
“Mas
o que vai acontecer depois que o progresso tecnológico tornar possíveis a
reformatação e a reconfiguração dos próprios desejos que alimentamos?” [pág
366]
“A
recomendação humanista de ouvir a voz interior arruinou muitas vidas, ao passo
que a dosagem certa da substância química certa melhorou significativamente o
bem-estar e os relacionamentos de muitos. (...) Em vez de dar ouvidos a essas
vozes interiores destrutivas, poderia ser uma boa ideia fazê-las se calar.”
[pág 367]
“Exatamente
porque a tecnologia está avançando tão rápido, porque parlamentos e ditadores
estão tão sobrecarregados de dados que não conseguem processá-los com rapidez
suficiente, os políticos da atualidade estão pensando numa escala muito menor
que seus predecessores um século atrás. (...) no início do século XXI a
política está desprovida de grandes visões. Governar tornou-se meramente administrar.
Gerencia-se um país, sem lidera-lo.” [pág 379]
“Há
quem acredite que alguém está no comando, afinal. Não políticos democratas ou
déspotas autocratas, e sim uma pequena panelinha de bilionários que secretamente
governam o mundo. Entretanto, essas teorias da conspiração nunca funcionam porque
subestimam a complexidade do sistema.” [pág 386]
“Se
o gênero humano é realmente um sistema único de processamento de dados, qual é
seu output? Para os dataístas, seria a criação de um sistema de processamento
de dados ainda mais eficiente, chamado internet de todas as coisas. Uma vez
cumprida essa missão, o Homo sapiens desaparecerá.” [pág 383]
“O
Homo sapiens é um algoritmo obsoleto.” [pág 384]
“O
indivíduo está se tornando um pequeno chip dentro de um sistema gigantesco que,
na realidade, ninguém entende. (...) Esse implacável fluxo de dados desencadeia
invenções e rupturas que ninguém planeja, controla ou compreende.” [pág 388]
“À
medida que o sistema de processamento de dados se torna onisciente e
onipotente, a conexão com o sistema se torna a fonte de todo significado.
Humanos querem se fundir no fluxo de dados porque, quando você é parte desse
fluxo, você é parte de algo muito maior que você mesmo. (...) De que adianta
fazer ou experimentar qualquer coisa se ninguém souber disso, e se isso não
contribuir para a troca global de informações?” [pág 388]
“De
acordo com o humanismo, as experiências ocorrem dentro de nós e devemos
encontrar em nosso interior o significado de tudo o que acontece, impregnando
desse modo o Universo de significado. Os dataístas acreditam que experiências
não tem valor se não forem compartilhadas e que não precisamos – na verdade não
podemos – encontrar significado em nosso interior. [pág 389]
“Para
que escrever alguma coisa que mais ninguém vai ler?” [pág 389]
“De
onde vêm esses grandes algoritmos? Esse é o mistério do dataísmo. Assim como,
de acordo com o cristianismo, nós humanos não somos capazes de compreender Deus
e seu plano, da mesma maneira o dataísmo afirma que o cérebro humano não pode
abranger os novos senhores algorítmicos. (...) Cada membro entende somente uma
parte do quebra cabeça e ninguém entende o algoritmo como um todo.” [pág 395]
“O
algoritmo-semente pode de início ser desenvolvido por humanos, aí ele cresce,
segue o próprio caminho e vai aonde humanos nunca foram antes – até onde nenhum
humano pode segui-lo.” [pág 395]
“(...)
a ampliação dos nossos horizontes pode ser um tiro no pé, por nos fazer ficar
mais confusos e inativos do que antes. Com tantos cenários e possibilidades, a
quais deveríamos prestar atenção? O mundo está mudando com inigualável rapidez
e estamos inundados por quantidades impossíveis de dados, de ideias, de
promessas e de ameaças.” [pág 398]
“No
passado, a censura funcionava bloqueando o fluxo de informação. No século XXI
ela o faz inundando as pessoas de informação irrelevante. Não sabemos mais a
que prestar atenção e frequentemente passamos o tempo investigando e debatendo
questões secundárias. Em tempos antigos ter poder significava ter acesso a
dados. Atualmente ter poder significa saber o que ignorar. Assim, de tudo o que
acontece em nosso mundo caótico, no que devemos nos concentrar?” [pág 398]
“Esses
três processos suscitam três questões-chave (...): 1. Será que os organismos
são apenas algoritmos, e a vida apenas processamento de dados? 2. O que é mais
valioso – a inteligência ou a consciência? 3. O que vai acontecer à sociedade,
aos políticos e à vida cotidiana quando algoritmos não conscientes mas
altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?” [pág
399]
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Fica aqui o convite aos
amigos que se sentirem instigados por essas ideias a expressarem sua opinião a
respeito, seja no espaço de comentários abaixo, ou, no melhor dos cenários, num
encontro pessoal pra bater um papo sobre esses e outros temas. Vamos lá?