No sábado, 21 de abril, fez um
belo dia de sol e céu azul por aqui. A fim de curtir a energia boa dessa
luminosidade intensa, resolvi fazer um passeiozinho fora da cidade. Juntei umas
coisas, montei na GS e fui em busca de um lugar onde pudesse contemplar um
horizonte amplo, um pouco de silêncio e, ainda, fazer um pouco de exercício
físico. Um lugar perfeito pra isso, próximo de Curitiba, é o Morro Araçatuba,
no município de Tijucas do Sul.
A subida da longa e íngreme
encosta atendeu bem a intenção de fazer um pouco de esforço físico. Aliás, um
pouco não. Do início da trilha ao cume são nada menos do que 760 metros de
desnível, o que demanda certa disposição (e cerca de uma hora e meia de pulmões trabalhando a pleno vapor).
O visual lá em cima, no entanto,
compensa facilmente o preço da subida. Num dia claro como aquele, vê-se, num
primeiro plano, as elevações alinhadas com o igualmente bonito Morro dos
Perdidos, ali perto. Lá embaixo o traçado da BR 101, aparecendo ocasionalmente
por entre a mata densa. Um pouco mais distante, a bela Serra do Mar,
estendendo-se de norte a sul até onde a vista alcança. E, em seguida, toda a
linha de praia e o imenso Oceano Atlântico, parecendo incrivelmente azul dessa
perspectiva, fundindo-se com o céu no longínquo horizonte. Verdadeiro
espetáculo, ao qual me permiti apreciar sem pressa, embalado, em alguns
momentos, pelo som viajante de “The Division Bell”, do velho e sempre bom Pink
Floyd.
No meio da tarde, após um breve
lanche a título de almoço, iniciei a descida, verdadeiramente muito satisfeito
com as poucas horas naquele ambiente fantástico.
Enquanto descia, vi algumas
pessoas subindo com mochilas cargueiras, levando material pra pernoite lá em
cima, e pensei que era realmente uma ótima ideia poder contemplar o pôr e nascer
do sol de um camarote como aquele.
*** *** ***
Então, na quinta feira seguinte,
26 de abril, me organizei e fui novamente para o Araçatuba, dessa vez preparado
pra acampar e passar a noite lá em cima, com uma vantagem em relação ao final
de semana anterior: somente eu estava na montanha nessa ocasião.
O dia, entretanto, não estava tão
especial quanto o da ascensão cinco dias antes. Apesar de não haver previsão de
chuva, havia muitas nuvens no céu, e o azul estava com aquele tom pálido e
pouco claro.
Cheguei ao topo por volta das
cinco horas da tarde e o visual, infelizmente, restringia-se a poucos metros.
Tudo estava envolvido em densa neblina. Mas, ainda que não houvesse a bela
vista que gostaria, havia aquele clima quase místico do silêncio, da solidão e
do “astral” da montanha.
Montei minha barraquinha, fiz um
chá quente e fiquei em paz.
Nas horas seguintes curti essa
rara e tão valiosa sensação de ficar sozinho com meus pensamentos. Buscando
estar bem consciente do momento, curti divagar por diversas lembranças do
passado recente e distante, pensando em planos para o futuro, em certos conceitos
e valores filosóficos que vem me cativando nos últimos tempos, e, em certos
momentos, curtindo muito atentamente algumas das músicas preferidas da minha “play
list” (notadamente o belo e marcante álbum Passengers, uma criação um tanto diferente e ousada da banda irlandesa U2, de 1995).
Por volta das nove e pouco, dei
uma saída pra dar uma olhada em volta. A visibilidade havia aberto e estava uma
bela noite, sem vento, sem frio excessivo, com uma bonita lua a iluminar a
escuridão e aquela miríade de estrelas universo afora. Momentos assim valem o esforço de sair de casa e da famosa zona de
conforto.
Preferi não preparar uma refeição
quente, embora tivesse todo o material pra isso, porque não havia necessidade,
e pra não ficar dispersando a atenção e o tempo com esses afazeres que sempre demandam
uma série de pequenas ações. Fiz um rápido lanche, mais um chá, e fiquei quieto
no meu canto.
Há alguns dias andei lendo alguma
coisa sobre filosofia budista. O texto explicava que o cerne da doutrina
estabelecida por Sidarta Gauthama gira em torno da questão do sofrimento
humano, argumentando que a fonte de todo sofrimento é o desejo, que, quando
atendido, gera uma satisfação momentânea e logo em seguida a busca por novos
desejos. E quando não atendido, gera apenas frustração. A solução para evitar o
sofrimento seria simplesmente eliminar o desejo... Mas calma aí. Como assim?
Então devemos evitar nos dedicar a novos objetivos (desejos) com o objetivo de
evitar frustração, ou pra escapar dessa dinâmica incessante da vida!?... Não me
parece convincente. Ou então não entendi alguma parte da história. E se, em vez
disso, aprendêssemos a lidar com a possibilidade da frustração e com o desafio
de nos renovar sempre em novos projetos?
Envolto nessa e em outras
questões, a noite transcorreu bem e o dia seguinte amanheceu novamente envolto
em densa neblina, impossibilitando ver o nascer do sol, que daquele local deve
ser extraordinário. Frustração. Mas e daí? Tudo bem, não teve nascer do sol,
toca o baile, ‘vou dormir mais um pouquinho e depois vejo o que faço’...
Um pouco mais tarde, por volta
das sete horas, até abriu um pouco e deu pra curtir o visual das nuvens com o
sol subindo rápido por cima do horizonte. Muito bacana!
Às nove horas iniciei a descida.
Meio dia e meia estava de volta em casa, com a sensação de estar vindo de outro
planeta, a anos-luz de distância.
Bom demais!
"Muito ao contrário do que se pensa, é difícil ficar sozinho,
como é difícil permanecer em silêncio.
A presença humana tem muitos encantos -
principalmente quando amamos -
mas há um momento em que é preciso
experimentar a aventura de estar só.
É quando se percebe que o mundo teima em nos acompanhar -
com suas vozes, seus hábitos, suas banalidades e teimosias.
Estar sozinho e ficar silencioso -
isso é mais fácil por fora do que por dentro.
A luz que nos guia nessa viagem
é um interesse sempre renovado e uma atenção sempre desperta."
(Luiz Carlos Lisboa, em "Nova Era")
Gratidão!
Força Sempre!