Stricto Sensu não tenho nenhuma
habilidade pra dança. Mas visto sob um olhar Lato Sensu, talvez pudesse considerar a corrida como uma espécie de
dança, em que o parceiro é a trilha, ou a estrada, com seus desníveis, pedras e
buracos, e o palco é todo o ambiente em volta - o ar, as árvores, as montanhas.
A música é o silêncio, ritmado pelos ciclos da respiração. E os passos
constituem a coreografia sempre original dessa dança feita ao mesmo tempo de
graça e força.
Se fosse pra
tentar explicar o que sustenta uma corrida, eu diria que são basicamente três
pilares: a estrutura física (músculos, esqueleto, etc.), a capacidade cardiopulmonar
e a força anímica (ou força de vontade, ou motivação...). Certamente os três
estão intimamente relacionados, mas cada um tem seu próprio quebra-cabeça.
A estrutura física talvez seja a que mais exige atenção e esforço numa corrida de longa distância. Possivelmente também seja a de “memória” mais próxima – a que responde mais diretamente ao treinamento recente. As raízes da dupla coração-pulmão parecem ser as mais consistentes, mais duradouras, e parecem funcionar como um motor a impulsionar as pernas à frente. Mas suspeito que a força anímica seja a que realmente segura as pontas quando as coisas ficam realmente difíceis. E ser capaz de sentir essa força assumindo o controle da situação quando as demais já estão meio que entregando os pontos é uma sensação espetacular.
Mas a força anímica talvez seja também o "start" do processo, o "por que" misterioso que nos faz dar o primeiro passo...
Estava pensando nisso durante a corridinha em Urubici, há alguns dias.
A estrutura física talvez seja a que mais exige atenção e esforço numa corrida de longa distância. Possivelmente também seja a de “memória” mais próxima – a que responde mais diretamente ao treinamento recente. As raízes da dupla coração-pulmão parecem ser as mais consistentes, mais duradouras, e parecem funcionar como um motor a impulsionar as pernas à frente. Mas suspeito que a força anímica seja a que realmente segura as pontas quando as coisas ficam realmente difíceis. E ser capaz de sentir essa força assumindo o controle da situação quando as demais já estão meio que entregando os pontos é uma sensação espetacular.
Mas a força anímica talvez seja também o "start" do processo, o "por que" misterioso que nos faz dar o primeiro passo...
Estava pensando nisso durante a corridinha em Urubici, há alguns dias.
Mas, apesar da
expectativa de uma bela prova, o que realmente me motivou a montar essa viagem foi aquele velho desejo ainda ardente de dar uma
“voada” de moto. Urubici, na serra catarinense, fica a uma distância bem legal
de Curitiba (cerca de 500 km) para uma boa pernada sobre duas rodas. Assim,
achei que seria uma ideia interessante participar do evento, aliado ao fato de
que há muito tempo ouço falar nessa corrida, que já se tornou meio tradicional
aqui pelo sul.
Considere-se ainda o estimulo extra de correr numa região e numa época especialmente frias, além de ser também um local de paisagens reconhecidamente muito bonitas. Como se já não bastassem esses motivos, ainda tinha o belo argumento de fazer uma visita ao amigo Maximilian Leisner, que recentemente se mudou de Curitiba para aquelas paragens, protagonizando uma épica história de mudança de estilo e de valores de vida.
Considere-se ainda o estimulo extra de correr numa região e numa época especialmente frias, além de ser também um local de paisagens reconhecidamente muito bonitas. Como se já não bastassem esses motivos, ainda tinha o belo argumento de fazer uma visita ao amigo Maximilian Leisner, que recentemente se mudou de Curitiba para aquelas paragens, protagonizando uma épica história de mudança de estilo e de valores de vida.
Saí de Curitiba na quinta-feira, no meio da manhã, revivendo mais uma vez o prazer sempre atual de pilotar a fiel companheira 1200 GS. Trezentos quilômetros ao sul pela movimentada e conhecida BR 101 nos levaram às imediações de Florianópolis, a partir de onde começa o trecho bem mais divertido da BR 282, em direção a Lages. Mais algumas dezenas de km e inflete-se à esquerda na ainda mais divertida e sinuosa SC 416, aonde a sensação de paz e o clima de serra começam a se fazer efetivamente presentes.
Chega-se a Urubici pouco depois, serpenteando por entre curvas fechadíssimas e morros a perder de vista. A cidade tem aquele inconfundível jeito de cidade de interior, com uma rua principal, pessoas andando sem pressa pelas calçadas, tratores circulando pelas redondezas...
Cheguei já quase no final da tarde à pousada do corajoso Max, distante 25 km do centro da cidade, sendo 6 km de uma simpática estradinha de terra. Desembarcar num lugar como aquele, vindo de uma metrópole como Curitiba, é um tanto impactante (no melhor dos sentidos). Silêncio envolvente, belas montanhas ao redor, vento frio e cortante e um singelo e significativo aperto de mão... A beleza da simplicidade envolvendo a alma com todas as suas nuances.
O Max e sua esposa Ed tiveram a
ousadia admirável de fazer, há poucos meses, o que muitos sonham em fazer um
dia (e a maioria muito provavelmente não fará nunca): abrir mão dos confortos e da
aparente segurança de uma vida estabelecida na cidade pra viver o sonho e as
descobertas de morar no campo. Sua pousada é um oásis de tranquilidade a poucos
quilômetros da Serra do Corvo Branco (meio que vizinha da famosa Serra do Rio do Rastro), além de diversas outras atrações
naturais para diversos gostos ao redor. Garantia de uma bela vivência junto à
natureza.
Instalei-me nas acomodações e depois compartilhamos uma ceia ao lado de um fogão a lenha, em meio a uma boa conversa sobre as experiências dos meus anfitriões com seu novo mundo.
Instalei-me nas acomodações e depois compartilhamos uma ceia ao lado de um fogão a lenha, em meio a uma boa conversa sobre as experiências dos meus anfitriões com seu novo mundo.
Dormi ouvindo o silêncio, apreciando cada momento daquela incrível sensação de paz.
Dediquei o dia
seguinte a não ter compromissos, a não ser pegar o kit da corrida no local
montado para esse fim. Descanso, papo furado, uma voltinha pela cidade e de volta
ao aconchego da hospedagem para o acerto final do equipamento e a necessária concentração no que me propunha a fazer.
O frio
naturalmente já era esperado, mas uma chuvinha fina que caiu o dia inteiro
deixou tudo com um tom ainda mais introspectivo e uma pontinha de preocupação
com relação a como estaria o tempo no dia seguinte.
Sábado, seis e
meia da manhã. Tudo pronto pra partir para a cidade, para o local da largada. Lá
fora continuava escuro como breu. Conduzir a GS pelos poucos quilômetros até o
asfalto por aquela estradinha de terra molhada pelo sereno da madrugada com
pneus “100% on road” não foi
exatamente muito tranquilo, mas, por sorte, deu tudo certo.
Junto com a
corrida de 45 km, largaria também uma de 22 km, e pouco depois uma outra de 10 km. A
temperatura estava por volta de 5 graus Celsius (positivos) – frio, mas alguns
dias antes, em Curitiba, estivera bem pior do que isso.
Dada a largada
fui entrando aos poucos naquele estado meditativo/ hipnótico típico de uma
corrida desse tipo – meio alheio ao tempo do relógio, meio alheio ao próprio
mundo, concentrado na respiração, nas passadas, às vezes nos pensamentos que
surgiam do nada.
A corrida
passou por regiões belíssimas em torno da cidade. Subimos dois grandes morros,
um logo no começo e o outro, mais longo, mais ou menos do km 23 ao 30. Nos
trechos finais dessa longa subida, sobre solo pedregoso e enlameado, comecei a
sentir certa exaustão muscular, que foi, entretanto, rapidamente contornada por
uma ligeira mudança no ritmo e na profundidade da respiração. Logo em seguida
iniciou-se a longa descida em direção à chegada e os problemas mudaram para o
trabalho intenso dos quadríceps e das articulações das pernas, naturalmente menos
talhadas para descidas íngremes.
***
***
***
Que tal uma casinha num lugar assim?
***
***
***
Quatro horas e
quarenta e um minutos depois da largada me vi de volta ao ponto inicial,
cruzando o pórtico de chegada, muito mais satisfeito do que cansado, embriagado
por aquela conhecida e gratificante sensação de atingir um objetivo “inútil”...
Que mais poderia eu querer da vida naquele momento?...
***
...Gratidão...
...Gratidão...
Distância marcada pelo GPS: 44 km
Tempo de prova em movimento: 4 horas e 41 minutos
Tempo de prova total: 4 horas e 50 minutos
Velocidade média: 9,4 km/h
Ganho de altitude: 1176 m
Classificação na categoria 45-49 anos: 4º/ 11
Pra essa
corrida planejei e cumpri (por conta própria) um ciclozinho de treinamento um
pouco mais específico de cerca de quatro semanas, que foi muito bom como
motivador diante dos vários dias de frente muito fria por que passamos nas
terras paranaenses nesse período.
Tenho
percebido que, tão importante quanto o rendimento e a sensação de domínio
durante a corrida, é a sensação do “dia seguinte”. Estar pelo menos
razoavelmente bem no outro dia é um bom sinal de preparo e de que o impacto da
brincadeira foi bem assimilado. Neste caso, esse parâmetro foi animador, pois
me senti bastante bem e quase sem me lembrar de que havia corrido 45 km na
véspera em condições acentuadamente adversas.
No domingo “levantei
acampamento” e pus a GS na estrada no rumo de casa. Fez muito frio o dia
inteiro! Aquele frio gelado, insidioso e desconfortável, que não se rende nem mesmo
às várias e tecnológicas camadas de roupas protetoras. Da próxima vez vou me
armar com uma jaqueta de aquecimento elétrico!
De volta à
garagem de casa, mil quilômetros depois, fica a grata sensação de ter dado tudo
certo e de ter somado mais algumas imagens e histórias pra relembrar nessa
curta e incerta jornada a que chamamos vida.
Piazito (e seu cachorrinho) à beira do caminho da corrida,
numa vila local.
Força Sempre