Sobre
pedal e introspecção
Dois
dias de bicicleta em uma estrada isolada
O bacana de pedalar por um
caminho como esse da Estrada da Limeira é poder vivenciar, por algum tempo, a
rara e gratificante sensação de isolamento e de silêncio em volta, percepções
essas praticamente banidas do nosso sempre movimentado mundo urbano.
Nessa pequena viagem saí
da cidade de Morretes, situada a cerca de 80 km de Curitiba, e fui até Garuva,
já no estado de Santa Catarina, percorrendo 15 km de asfalto pela BR 277 e 70
km de terra da chamada Estrada da Limeira. Pernoitei em uma pousada local e no
dia seguinte retornei ao ponto de saída.
O percurso tem vários
atrativos, desde que se esteja aberto a enxerga-los. A exuberante mata no
primeiro trecho, os vários riachos pelos quais se passa, as pequenas flores, os
pássaros cantando, montanhas ao longe, as vastas plantações de banana, casas
perdidas no meio do nada, sugerindo um viver em paz.
Mas há também as “atrações
internas”, os sentimentos e sensações que percorrer um trajeto como esse nos
causa, como um certo choque causado pela brusca mudança de velocidade do ritmo
de vida entorno, o envolvente silêncio que acalma os pensamentos e o sentir-se
distante, tanto no sentido literal quanto no figurado.
E, é lógico, há a
brincadeira de pedalar, com todos os seus prazeres, exigências e propriedades.
A altimetria relativamente aliviada é compensada pela distância relativamente
longa para essas condições. A trepidação constante, os muitos buracos e pedras
e a exposição direta às condições climáticas acabam por cobrar o preço do
passeio, na forma de um desgaste que vai se acumulando aos poucos, exigindo força de vontade proporcional.
Uma questão que sempre
conta muito em uma investida como essa é o contexto climático. Nesse caso, na
ida estava um dia particularmente quente e abafado, chegando a causar certa
preocupação pelo equilíbrio da equação entre hidratação e perda de líquidos
pelo suor, além do natural desconforto que a alta temperatura causa. Pra
aliviar, pedalar proporciona aquela gratificante sensação do vento na cara, que
sempre refresca um pouco, além dos vários riachos pelo caminho, com águas geladas
e límpidas, que foram devidamente usufruídos para banhos de imersão totalmente
revigorantes.
Na volta o tempo virou.
Amanheceu chovendo, com o céu cinzento, tão comum por essas bandas, e em
consequência a temperatura arrefeceu um pouco. Em contrapartida não houve
aquele bonito contraste do céu azul com a paisagem terrestre, que tanto aprecio.
Paciência... É assim, não existem condições perfeitas no mundo real.
O fato de estar sozinho em
uma pequena viagem como essa tem também a sua graça. Por um lado o prazer da introspecção
e de simplesmente estar em silêncio, por outro a falta de ter com quem
compartilhar a experiência e dividir eventuais preocupações. Essa é a nossa eterna
incompletude e dinamismo de situações.
A questão é que ficar
sozinho por um tempo, de vez em quando, nos faz um bem tremendo. Pelo menos
esse é o meu sentimento... É interessante observar os próprios pensamentos e
tentar rastrear como eles surgem, como evoluem, que caminhos percorrem. Fica nítida
a composição de várias vozes internas, de diversas origens. A mente, sempre atenta
a detalhes e preocupada com possíveis problemas. O corpo, sempre atento à
demanda de energia requerida e preocupado com o tamanho da tarefa ainda a ser
cumprida antes de descansar. E, por trás, ou por cima, desses atores, algo que
parece se divertir com a brincadeira, e ver sentido na travessia.
Quem, dentre esses, somos,
afinal?
Provavelmente todos, ou um
pouco de cada parte, ou, quem sabe, nenhuma delas.
Gerenciar, tentar entender
e conseguir obter satisfação de pequenas saídas como essa nem sempre é tarefa
fácil, ainda que pareça simples. Primeiro tem que haver um mínimo de
planejamento, de antevisão das coisas, de preparo técnico, material, logístico.
Depois há que executar. Ir a campo, confrontar a expectativa com a realidade,
gozar e frustrar-se, um pouco de cada, tentando não perder a graça em ambas as
situações. E, por fim, juntar as lembranças e buscar enxergar pelo menos um
pouco de sentido no que se fez. Ou, pelo menos, ficar com um sutil e íntimo sentimento
de satisfação, expresso como uma espécie de um leve sorriso na alma, o que
talvez seja um pouco mais fácil do que uma suposta lógica da coisa toda.
Seja como for, o fato é
que realizar, pelo puro prazer da realização, é suficientemente gratificante
por si só. O significado acaba sendo subjetivo, construído pelos nossos
conceitos e argumentos. O fazer é a grande brincadeira pela qual devemos manter
a motivação, apesar e até independente de motivos e até de resultados...
Como diz aquele ditado: “Por que escalar as montanhas!? Porque elas estão lá”.
Vamos juntos?
Como diz aquele ditado: “Por que escalar as montanhas!? Porque elas estão lá”.
Vamos juntos?
Assista no link abaixo a um pequeno vídeo da viagem:
1º dia: Morretes-PR a Garuva-SC, 87 km
2º dia: Garuva-SC a Morretes-PR, 87 km
Dados da pedalada, tempo em movimento (descontadas as pausas)
"Muito ao contrário do que se pensa, é difícil ficar sozinho,
como é difícil permanecer em silêncio.
A presença humana tem muitos encantos -
principalmente quando amamos -
mas há um momento em que é preciso experimentar
a aventura de estar só.
É quando se percebe que o mundo teima em nos acompanhar -
com suas vozes, seus hábitos, suas banalidades e teimosias.
Estar sozinho e ficar silencioso -
isso é mais fácil por fora do que por dentro.
A luz que nos guia nessa viagem é um interesse
sempre renovado e uma atenção sempre desperta."
(Luiz Carlos Lisboa)
Gratidão
Força Sempre
Mais uma Grande Jornada Amigo, e desta vez no Pedal na região que conheço como Serra da Prata, um dos Caminhos Históricos do Paraná, ainda que pouco conhecido.
ResponderExcluirTenho uma simpatia especial por esta Estrada, e o ir & vir por ela tem um gosto todo especial.
Parabéns pelo Desafio, Aventura e Contemplação, prova de que "Voce está Vivo e de Olhos e Coração abertos para o Mundo...bem abertos"!!!
Excelentes imagens.
Valeu, Marcão. Forte abraço.
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